Já pensou que um prato aparentemente inofensivo pode ser mais perigoso do que parece? De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), alimentos contaminados adoecem 600 milhões de pessoas por ano, resultando em 420 mil mortes e na perda de milhões de anos de vida saudável em todo o planeta.
Cerca de um terço dessas vítimas fatais são crianças com menos de cinco anos, público particularmente vulnerável a intoxicações alimentares.
Embora bactérias e vírus sejam os vilões mais comuns, o perigo às vezes reside no próprio alimento — seja por toxinas naturais, preparo inadequado ou ingredientes mal compreendidos.
A seguir, conheça cinco exemplos intrigantes que mostram como a gastronomia pode esconder armadilhas invisíveis.
1. Baiacu: toxina mais perigosa que o cianeto
O baiacu, aclamado como fugu no Japão, é celebridade gastronômica e ao mesmo tempo ameaça real. Ele produz tetrodotoxina (TTX), neurotoxina 1.200 vezes mais potente que o cianeto, sem antídoto conhecido.
A partir de apenas 2 mg, a TTX paralisa músculos respiratórios, mantendo a vítima consciente enquanto ocorre asfixia. Por isso, chefs japoneses precisam de anos de treinamento e licenças especiais para remover fígado, pele, ovários e olhos — tecidos onde a toxina se concentra.
O Brasil registra episódios principalmente com o baiacu-pintado, espécie nativa extremamente tóxica, enquanto o baiacu-arara causa quadros menos graves, mas ainda exige preparo cirúrgico. Em fazendas marinhas japonesas, já existem versões cultivadas sem toxinas, mas a venda é restrita e rigorosamente fiscalizada.
2. Ruibarbo: saudável no prato, perigoso na folha
Presença habitual em tortas inglesas, o ruibarbo exibe talos cheios de compostos anti-inflamatórios. O problema está nas folhas, ricas em ácido oxálico; doses elevadas podem causar náuseas, vômitos, arritmia e insuficiência renal aguda.
Há registros históricos de intoxicações graves, inclusive com relatos de óbitos após ingestão acidental de grandes quantidades das folhas. Embora seja improvável comer folhas suficientes para atingir um nível tóxico, a orientação é clara: descarte as folhas, use apenas os talos cozidos e evite cultivar o vegetal em solos contaminados por metais pesados.
3. Mandioca-brava: entre a farinha e o veneno
Ingrediente onipresente na mesa brasileira, a mandioca possui duas grandes “personalidades”. A mansa (ou doce) é segura mesmo após cozimento simples; já a brava, de sabor amargo, acumula glicosídeos cianogênicos (linamarina e lotaustralina) que se convertem em ácido cianídrico dentro do corpo.
Concentrações elevadas tornam a raiz potencialmente letal. Sintomas incluem tontura, diarreia, falta de ar e convulsões. Para torná-la comestível, populações tradicionais lavam, ralam, prensam e aquecem a raiz; o calor volatiliza o cianeto.
No Norte do Brasil, a maniçoba leva folhas da planta, fervidas por vários dias com trocas de água para remover o veneno. Casos de intoxicação ainda ocorrem em regiões com pouco acesso a informação ou infraestrutura adequada.
4. Ostras cruas (e outros moluscos filtradores)
Consideradas iguaria luxuosa, ostras filtram dezenas de litros de água ao dia e acumulam contaminantes microscópicos. Durante fenômenos de maré vermelha, dinoflagelados liberam ficotoxinas resistentes ao calor, como a saxitoxina, causadora do envenenamento paralítico por moluscos.
Essas toxinas podem provocar formigamento, paralisia facial e, em casos graves, insuficiência respiratória. Outra ameaça é a bactéria Vibrio vulnificus, responsável por infecções severas em pessoas imunocomprometidas.
Para reduzir riscos, os maricultores seguem programas de controle sanitário e fiscalização. Consumidores devem exigir certificado de origem, manter o produto refrigerado e, sempre que possível, preferir o cozimento a vapor. Pessoas com doenças hepáticas ou gestantes devem evitar ostras cruas por segurança.
5. Sannakji: o polvo que (ainda) se mexe
O sannakji, prato coreano servido também em casas de culinária asiática no Brasil, traz tentáculos de polvo frescos que ainda se contraem à mesa. O movimento é inofensivo do ponto de vista tóxico, mas as ventosas vivas podem aderir à garganta, causando asfixia.
Estima-se que mortes por engasgamento com esse prato ocorram anualmente, principalmente entre pessoas que não seguem as recomendações de mastigar adequadamente. A recomendação dos chefs é cortar os tentáculos em pedaços pequenos, regá-los com óleo de gergelim para reduzir a aderência e mastigar vigorosamente antes de engolir.
Em alguns restaurantes asiáticos, há avisos alertando que o consumo do prato é de responsabilidade do cliente.
Alimentos exóticos — ou mesmo aqueles que parecem triviais — podem esconder riscos surpreendentes. Conhecer a procedência, exigir práticas de manipulação adequadas e respeitar tradições de preparo são passos essenciais para transformar curiosidade culinária em experiência segura.
Afinal, a aventura à mesa deve terminar com boas histórias, não com uma visita ao hospital.