Nos últimos dez anos, o número de ataques de escorpiões no Brasil cresceu mais de 150%, e os mais de 180 mil registros oficiais no último ano provavelmente representam apenas uma fração do real impacto do problema.
Especialistas alertam para uma verdadeira “epidemia silenciosa”, que se espalha sem controle. Em 2024, o país contabilizou 133 mortes por envenenamento causado por escorpiões.
O fenômeno, conhecido tecnicamente como “escorpionismo”, foi abordado por um grupo de pesquisadores brasileiros em um artigo de opinião publicado na revista científica Frontiers in Public Health, uma das mais respeitadas na área da saúde pública.
No texto, os especialistas ressaltam que o problema já pressiona seriamente o Sistema Único de Saúde (SUS).
Urbanização desordenada e clima: combinação perigosa
A pesquisa reúne autores de todas as regiões do país e aponta a urbanização acelerada e mal planejada, somada às mudanças climáticas, como fatores principais para o avanço dos escorpiões em áreas urbanas.
De acordo com a líder do estudo, Eliane Arantes, referência na área pela Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto, essas condições criam o ambiente ideal para a proliferação do animal peçonhento.
Os números oficiais mostram um quadro altamente preocupante, mas a realidade provavelmente é muito pior. O escorpionismo não é apenas um problema emergente de saúde pública, é uma epidemia oculta que cresce descontroladamente alertam os autores no artigo
Aumento de casos preocupa saúde pública
Embora a taxa de mortalidade seja de cerca de 1 óbito a cada 1.000 casos notificados, o crescimento dos incidentes torna o escorpionismo um problema cada vez mais significativo.
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As estatísticas revelam que o volume de atendimentos tem pressionado o SUS, responsável por manter os estoques do soro antiescorpiônico, usado em casos mais graves.
Os pesquisadores explicam que muitas das ocorrências não são reportadas, um padrão comum em doenças causadas por vetores. Por isso, acreditam que os dados disponíveis subestimam a real extensão da crise.
Condições urbanas facilitam a infestação
A presença de entulho, lixo mal descartado e estruturas urbanas precárias colabora para o crescimento das populações de escorpiões. Segundo os especialistas, essas condições oferecem esconderijos ideais em escombros, bueiros e até dentro das casas, aproximando os escorpiões dos seres humanos.
A urbanização rápida e desordenada, especialmente em áreas com infraestrutura precária, saneamento inadequado e gestão inconsistente de lixo, cria ambientes ideais para a proliferação de escorpiões explicam os cientistas
Clima mais quente favorece o escorpião-amarelo
Outro fator decisivo é o clima. Os verões cada vez mais quentes e as alternâncias entre chuvas intensas e estiagens criam um cenário favorável para espécies adaptadas a ambientes úmidos e quentes. O escorpião-amarelo (Tityus serrulatus) é o que mais preocupa os cientistas.
Essa espécie consegue se reproduzir sozinha, por partenogênese, sem precisar de machos, e pode sobreviver por até 400 dias sem alimento. Por conta dessas características, sua presença tem se espalhado inclusive para regiões que antes não registravam muitos incidentes.
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Falsos mitos e riscos reais
A ideia de que os escorpiões são um problema exclusivamente rural é, segundo a pesquisadora Manuella Pucca, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), um equívoco.
Ela destaca que o animal se sente em casa em ambientes urbanos, especialmente nas redes de esgoto.
Esses escorpiões vivem em ambientes de esgoto, e o alimento preferido deles ali são as baratas, por isso é comum entrarem nas casas pelos ralos. Uma das situações em que costumam ocorrer incidentes de escorpionismo, por exemplo, é quando as pessoas vão tomar banho afirma
Falta de informação prejudica prevenção
Pucca também aponta a falta de campanhas de conscientização como uma das maiores dificuldades no combate ao problema. Ainda que o Ministério da Saúde e centros de pesquisa tenham produzido materiais educativos, a divulgação permanece limitada devido à competição com outras ameaças sanitárias, como o mosquito da dengue.
Pouca gente sabe, por exemplo, que o atendimento com soro só é oferecido pelo SUS, normalmente em hospitais e postos de maior porte. Clínicas e hospitais particulares muitas vezes não têm estrutura adequada e acabam redirecionando o paciente.
Tecnologia acessível para detectar o animal
Uma forma eficaz de localizar escorpiões é o uso de lanternas com luz ultravioleta. O escorpião Tityus brilha de forma intensa sob esse tipo de iluminação, facilitando sua identificação em cômodos pouco usados.
O Tityus brilha intensamente quando é iluminado com essa frequência de luz, e vale a pena usar esse equipamento para revistar, por exemplo, um quarto que ficou muito tempo fechado e pode ter sido invadido pelo animal recomenda a cientista
Sintomas e tratamento após a ferroada
A picada costuma causar dor severa e inchaço imediato, mas os sintomas podem ser mais graves, incluindo queda de pressão, arritmias cardíacas, colapsos circulatórios e edemas pulmonares.
O tratamento é individualizado e o uso do soro é reservado para casos com maior risco, como em crianças, idosos ou pessoas com condições preexistentes.
Projeções exigem planejamento urgente
De acordo com as projeções publicadas no artigo, caso a atual tendência se mantenha, o número de casos pode ultrapassar os 250 mil por ano na próxima década.
Isso exige resposta urgente das autoridades de saúde, com reforço na produção de soro pelo Instituto Butantan e campanhas educativas permanentes.
O fortalecimento das campanhas de conscientização pública sobre os riscos de escorpiões, medidas preventivas e a importância da notificação de casos é crucial para obter dados mais precisos e implementar estratégias de controle eficazes defendem os autores
Medidas de prevenção nas cidades
Prevenindo acidentes:
- Evitar entulho e lixo acumulado no quintal, pois atraem baratas.
- Tampar ralos e usar vedação de borracha em portas e janelas.
- Manter berços e camas afastados da parede.
- Conferir roupas e calçados antes de usar, especialmente se estiverem guardados há muito tempo.
- Instalar sifões em pias e tanques e revisar conexões hidráulicas.
- Usar lanternas UV para inspecionar ambientes fechados.
O que fazer em caso de picada:
- Evitar uso de gelo ou pomadas anestésicas.
- Procurar atendimento no SUS imediatamente.
- Evitar hospitais particulares que não possuem o soro adequado.
- Confiar na avaliação médica sobre a necessidade de aplicar o antiveneno.