A psicopatia tem sido um tema amplamente debatido nos dias de hoje, tanto por conta dos casos policiais que ganham destaque quanto pelas suas representações em filmes e séries populares da cultura pop.
No campo científico, pesquisadores buscam compreender os aspectos que podem diferenciar biologicamente um psicopata, ou seja, uma pessoa diagnosticada com transtorno de personalidade antissocial (TPA). Estima-se que o TPA afete de 1 a 4 % da população geral, enquanto traços psicopáticos clinicamente relevantes aparecem em cerca de 1 % dos indivíduos, incidindo três a cinco vezes mais em homens do que em mulheres.
Um ponto crucial é distinguir TPA de psicopatia. O primeiro é um diagnóstico marcado por padrão persistente de violação de direitos alheios; já a psicopatia, embora sobreposta, engloba traços interpessoais (frieza emocional, charme superficial) e comportamentais (impulsividade, agressividade) avaliados sobretudo pela Psychopathy Checklist-Revised (PCL-R).
Em contextos forenses, até 25 % dos detentos atingem pontuações de corte para psicopatia, tornando a identificação neurobiológica desses indivíduos relevante para a segurança pública e para a reabilitação.
Um estudo publicado na revista científica European Archives of Psychiatry and Clinical Neuroscience revelou características diferenciadoras no cérebro desse grupo. Utilizando ressonância magnética de alta resolução e o PCL-R, os pesquisadores analisaram 39 homens com histórico criminal, internados em prisões e hospitais psiquiátricos, comparando-os a um grupo-controle de homens sem traços psicopáticos.
Todos os participantes eram adultos jovens ou de meia-idade, permaneceram livres de substâncias psicoativas por meses e foram pareados por idade e escolaridade, reduzindo vieses de confusão.
A lista (ou Escala Hare) gera três pontuações: uma total, uma de fator 1, que mede características interpessoais e emocionais, e uma de fator 2, que avalia comportamento impulsivo e antissocial.
Para o estudo, foram selecionados apenas aqueles com escores totais acima de 20 e alta combinação entre os dois fatores. Entre os controles, nenhum ultrapassou 10 pontos, o que garante um contraste robusto.
O transtorno de personalidade antissocial é descrito como um padrão de desrespeito e negligência pelos direitos alheios. Psicopatas tendem a cometer comportamentos ilegais, exploradores e imprudentes para obter ganho pessoal ou prazer, sem sentir remorso.
Ao analisar as imagens cerebrais, os cientistas notaram poucas diferenças estruturais entre o grupo-controle e aqueles com pontuações elevadas no fator 1, sugerindo que traços de frieza emocional podem depender mais de circuitos funcionais do que de volume cinzento.
No entanto, aqueles que obtiveram pontuações altas no fator 2 apresentaram reduções significativas na ponte do tronco cerebral, no tálamo, nos gânglios da base e no córtex insular. Essas áreas controlam impulsos, integração sensorial e resposta emocional, explicando por que altos escores nesse fator se correlacionam com maior risco de violência.
Além disso, os resultados indicam que o cérebro dos indivíduos com psicopatia é cerca de 1,45 % menor em comparação ao dos controles, com ênfase em perda de volume no subículo direito, região ligada à memória contextual.
Embora seja o levantamento mais recente, o achado dialoga com meta-análises anteriores. Estudos anteriores já apontavam reduções consistentes no córtex orbitofrontal, dorsolateral e no cíngulo anterior em populações antissociais, reforçando a hipótese de que falhas no circuito pré-frontal contribuem para a incapacidade de inibir comportamentos agressivos. Dessa forma, o novo trabalho amplia o mapa de anormalidades ao incluir estruturas subcorticais e do tronco cerebral.
Detalhes sobre a amostra ajudam a interpretar os dados: os 39 participantes psicopatas eram todos do sexo masculino, com média de idade de 32 anos, histórico de delitos violentos e sem diagnóstico de psicose.
As varreduras foram realizadas em três centros diferentes, padronizadas por protocolo, e analisadas com ferramentas de alta precisão anatômica. Mesmo assim, os autores admitem que o tamanho reduzido da amostra limita a generalização e que fatores como traumas de infância, uso crônico de drogas ou baixo QI não puderam ser totalmente controlados.
Os pesquisadores pretendem continuar suas investigações para entender se essas diferenças são hereditárias ou vinculadas ao ambiente em que a pessoa cresceu. Estudos de gêmeos sugerem que até 49 % da variância em traços psicopáticos seja de origem genética, com o restante atribuído a experiências individuais, o que reforça a necessidade de políticas de prevenção que combinem rastreio precoce com intervenções socioeducativas.
Em termos práticos, a identificação de circuitos cerebrais específicos poderá aprimorar avaliações de risco em tribunais e inspirar terapias focadas em regulação emocional e controle de impulsos.
Contudo, é vital lembrar que neurociência não determina destino: mesmo diante de predisposições biológicas, fatores como educação, apoio familiar e tratamento especializado podem modular comportamentos.
O avanço do conhecimento sobre a psicopatia, portanto, caminha lado a lado com debates éticos sobre responsabilidade penal, reabilitação e estigma.