No muito, no pouco, olhemos para o outro e, se não pudermos abraçá-lo neste momento, ao menos por gestos, sinais, atitudes, deixemo-lo saber que, sim, nós nos importamos com ele.
Estamos em quarentena. Trabalho, faculdade, escolas, cursos, academias, festas, bares, shoppings. Todos, ou quase todos, obedecem ao “toque de recolher”. Nós, que vimos tantos filmes sobre pandemias, conspirações, etc., e achávamos que era mera fantasia saída da mente fértil de um diretor louco, metido a cientista, presenciamos, boquiabertos, o cumprir das tais profecias. Um misto de “Eu sou a lenda”, “A vila”, “Missão impossível” e “O dia depois de amanhã”.
Se antes, reunidos pelo balde da pipoca, ríamos, hoje, separados e conectados apenas pelos celulares, presenciamos, aflitos, o limiar de uma era em que jamais imaginamos viver. Ficar em casa, o que era castigo só para os infantes, agora é lei até para os poderosos líderes das nações, que delegam quem vai para a rua e quem fica em casa. Poucos privilegiados. A maioria é jogada na cova dos leões dos transportes públicos.
Mercados, farmácias, hospitais, mercearias, abertos. A ordem é “fiquem em casa”. Mas, e se todos ficarem, como nos alimentaremos? E, se adoecermos, onde compraremos remédios? Estoque é um ato vil, de puro egoísmo.
Fugir para os montes? Não, não sobreviveríamos por muito tempo. Somos humanos domesticados, não saberíamos viver no mato, longe da selva de pedra, que nos pariu.
O que nos resta? A companhia do medo, que nos põe no colo e nos embala em nossos pesadelos. Mas a voz interna tilinta lá longe e uma luz aquece o horizonte. A esperança ainda vive em nosso coração.
Está frio demais lá fora. O medo congela o suspiro e acelera as batidas do coração aflito. Perigo. Eles dizem. Inimigo invisível. Imprevisível e previsível. Ruas familiares agora parecem corredores da morte. O riso das crianças brincando nas pracinhas. Não mais. Os anciãos reunidos para o baralho do final da tardinha. Não mais. Amigos se abraçando no final do expediente. A famosa “saidinha”. Não mais.
Amantes que compartilharam lençóis, noites tórridas, dedos entrelaçados, segredos revelados, beijos quentes e banhos compartilhados demorados. Não mais? Pausa dramática. Breve. Promessa que cai no crepúsculo como dúvida inquietante, mas que surge, outrora, no filete de sol que desponta anunciando mais um amanhecer. A inquietude se veste de desesperança, mas a coragem, resoluta, brada no peito e grita, indômita, a plenos pulmões: “Não é um ‘adeus’, é um ‘até breve’!”
O inimigo vai sucumbir, o mal sucumbirá e o bem prevalecerá! O amor falará mais alto. E todas as defesas do oponente serão derrubadas. Estamos nos fortalecendo, estudando estratégias, ficando mais sábios. O recolhimento com nossos anciãos se faz necessário, pois estávamos muito apressados.
O Universo parou o tempo para nós termos este tempo. O mal tem seu lado bom. O benefício que seu poder catastrófico carrega nos traz um grande ensinamento. Desacelerar, às vezes, faz-se necessário. A dor das perdas nos flagelará por dentro, mas nos farão perceber que, não importa qual classe social ocupemos, não somos tão poderosos quanto achamos que somos. Somos iguais. Na fragilidade da nossa existência, somos todos suscetíveis e pequenos. Que o mal nos ensine que precisamos dizer o quanto nos importamos uns com os outros, que nosso ego diminua e que nos dediquemos não somente a construir um império, mas que, ao sentarmos no trono do nosso esforço, humildemente sejamos gratos. Gratos pela dádiva de estarmos vivos.
No muito, no pouco, olhemos para o outro. E, se não pudermos abraçá-lo neste momento, ao menos por gestos, sinais, atitudes, deixemo-lo saber que, sim, nós nos importamos com ele.
A palavra pode até não ser remédio, mas é cura para um coração aflito e um espírito sedento de carinho.
Direitos autorais da imagem de capa: Scott Warman/Unsplash.