Uma reflexão verdadeira para o momento que vivemos.
Fabrício Carpinejar é dono de muitas reflexões interessantes e transformadoras, ao longo de seus 49 anos, já encantou muitas pessoas com suas palavras, bem como nos fez questionar acontecimentos que julgamos como normais em nosso dia a dia.
Ativo em suas redes sociais, o poeta sulista encontra na internet um meio de divulgar seus pensamentos e conscientizar a sociedade sobre temas do cotidiano.
Hoje trouxemos uma reflexão publicada em seu perfil no Facebook, um desabafo sobre a realidade atual e como a nossa essência parece estar se transformando com todas as coisas que vêm acontecendo conosco.
De maneira bastante sincera e muito bem argumentada, Carpinejar revela estar vivendo em constante tristeza, em que nem mesmo um dia bonito o faz se sentir melhor. Segundo ele, as coisas estão tão complicadas para nós, que até mesmo os pássaros parecem ter mais esperança.
Em uma crítica ao comportamento humano, o poeta diz que somos intolerantes, impacientes, indelicados e parecemos ter perdido a capacidade de nos comover.
Se lermos sua reflexão com a mente e o coração abertos, perceberemos que no fundo todos sentimos a mesma coisa e precisamos mudar a nós mesmos para melhor, para que possamos viver num mundo mais humano, onde as pessoas realmente se importam umas com as outras.
Confira abaixo a reflexão de Carpinejar na íntegra e, em seguida, uma conclusão sobre o tema:
Onde está a poesia
Estou cansado da tristeza. De olhar o dia lindo, o céu azul, o sol brilhando, e não achar que é meu.
Até os pássaros têm mais esperança do que nós, beliscando a pedra para ver se é pão.
Estou cansado da intolerância, da impaciência diante de pensamentos contrários, da execução sumária das aparências.
Estou cansado da ausência da delicadeza, de como não nos comovemos mais com os sons de casa: da chaleira chiando e juntando as pessoas na cozinha, do clique do grampeador juntando papéis velhos, do rádio tocando uma música aleatória e juntando saudades.
Estou cansado de me proteger e de me defender da própria sensibilidade. Estamos ilhados pela raiva, no mesmo naufrágio, evitando que o outro se salve primeiro, dispersando os sinais de fumaça de quem pede ajuda.
Que mundo é este que não para de omitir socorro? Em que mal nos acordamos e temos inimigos e desafetos inexplicáveis, por uma questão de opinião?
Opiniões mudam, caráter não. Não se pode atacar o caráter de alguém pela fragilidade das opiniões.
Dê silêncio ao tempo para não cometer injustiças.
O ódio é sério, só deveria acontecer depois de muitas chances.
Onde está a poesia? De olhar os pés no fundo cristalino das palavras? De confiar primeiro, discutir em último caso?
Será que ninguém pega um bebê no colo para esquecer as mágoas? Será que ninguém deita a cabeça nas pernas de quem gosta para trocar de perspectiva? Será que não existem mais beijos e carícias no rosto para apequenar as aflições?
Será que ninguém mais elege prioridades em sua vida, não luta pelos seus objetivos além das circunstâncias adversas?
Venho sobrevivendo para poder ver os meus pais de oitenta anos e os meus filhos adolescentes — estamos separados há mais de um ano. Nada é mais importante para mim. Botei em minha cabeça que irei conseguir abraçá-los novamente. Não me distraio do caminho por qualquer notícia ruim. Ajo com cordialidade para chegar lá, para não ser tragado pelo medo e pelo ódio, para não desperdiçar a minha saúde emocional com aborrecimentos.
Cuidar das nossas atitudes é tudo o que nos resta.
Quando criança, lembro que o meu grande dilema na escola era entregar a redação para o professor sem as pontas da folha que havia sido arrancada do caderno. Eu limpava as sobras do espiral. Despetalava uma por uma das arestas. Não alteraria a minha nota, mas eu me sentia caprichando nos detalhes.
Os detalhes são decisivos: aquilo que não se vê, mas faz a maior diferença em nossa vontade de amar.
As palavras do poeta foram escritas em um momento grave da pandemia, em que todos fomos obrigados a manter distância até mesmo das pessoas que mais amamos para nos manter seguros e protegidos.
Foi um período em que muita gente parou para refletir sobre a vida e sobre a forma como estamos lidando com as nossas relações cotidianas.
Quantos de nós, assim como diz na poesia de Carpinejar, já permitimos que uma divergência de opinião nos fizesse cortar o vínculo com pessoas que conhecemos há tempos e por quem sentimos um verdadeiro amor ou amizade?
Quantas vezes já fomos dominados pelas ideologias a ponto de negar auxílio a alguém que precisava apenas porque não concordava com a nossa maneira de levar a vida?
Em quantas ocasiões fomos tão dominados pela negatividade e problemas, e simplesmente nos tornamos incapazes de ser mais leves com nós mesmos e com quem convivemos?
A reflexão proposta pelo poeta é algo que todos nós já paramos — ou deveríamos parar — para pensar. Passamos pela experiência tão complicada de ser obrigados a manter distância das outras pessoas, e precisamos aprender algo com isso.
O mundo está cada vez mais egoísta, cheio de pessoas que só consideram o próprio bem e não se importam de “pisar” nos outros apenas para se manter no topo.
Esse comportamento se reflete em cada um de nós. Quanto mais impacientes estamos com os outros e quanto mais cruéis permitimos que as nossas atitudes sejam, mais nos afastamos de nossa essência e mais nos sentimos sozinhos no mundo.
Estamos testemunhando cada vez mais pessoas sofrendo com doenças, como depressão, ansiedade ou mesmo falta de perspectiva. Cada vez mais, acompanhamos relatos de pessoas dizendo que estão desanimadas, cansadas, sem conseguir enxergar uma luz no fim do túnel.
A responsabilidade por essa realidade pode estar em cada um de nós, e a solução para todos os problemas causados por ela pode ser o amor, o cuidado e a atenção nos detalhes.