O vínculo entre humanos e animais de estimação tem alcançado novos patamares nas últimas décadas. Em diversas regiões do Brasil, cães, gatos e até espécies menos convencionais como coelhos passaram a ocupar um lugar semelhante ao de filhos dentro das estruturas familiares.
Essa mudança de percepção é reflexo de transformações culturais e emocionais, intensificadas por fenômenos sociais como o aumento da urbanização, a solidão nas grandes cidades e a busca por conexões afetivas mais profundas.
Uma pesquisa global conduzida pela Mars Incorporated, com mais de 20 mil participantes em 20 países, revelou que 37% dos tutores consideram seus animais de estimação como a coisa mais importante de suas vidas. Entre jovens da Geração Z, esse índice salta para 45%, enquanto entre os Millennials atinge 40%.
Esses dados demonstram uma valorização crescente do pet como membro essencial do núcleo doméstico, muitas vezes com direito a festas, roupas, carrinhos de passeio e alimentação personalizada.
Humanização exige cautela e embasamento técnico
A chamada “humanização dos pets” não se refere apenas a tratar o animal com afeto, mas a transferir práticas humanas para a rotina dos bichos — o que inclui desde a alimentação até aspectos de comportamento e socialização.
Essa tendência, embora compreensível sob o ponto de vista afetivo, deve ser conduzida com responsabilidade, pois pode gerar consequências negativas ao bem-estar animal quando desconsidera as necessidades específicas de cada espécie.
Segundo a professora Sabrina Luzia Gregio de Sousa, do Departamento de Produção Animal da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), é essencial respeitar as particularidades fisiológicas e comportamentais dos animais.
Ela ressalta que a alimentação, por exemplo, deve ser adaptada à espécie, idade, porte e condições clínicas:
“Outro pilar do bem-estar animal é o bom funcionamento biológico. A alimentação deve ser pensada para o animal: se é idoso, se tem doença renal, se é pequeno, se é gato.”
Dessa forma, práticas como a alimentação natural — especialmente a dieta crua — vêm sendo adotadas por diversos tutores, mas exigem prescrição e monitoramento veterinário. A adoção sem orientação pode causar desequilíbrios nutricionais e intoxicações por excesso de suplementos.
O médico veterinário Henrique Moutinho reforça que, ao eliminar aditivos e conservantes, as dietas naturais podem promover benefícios importantes a longo prazo.
No entanto, ele alerta que esse tipo de dieta exige planejamento rigoroso, conhecimento técnico e acompanhamento profissional constante:
“Dietas naturais podem ser benéficas, mas exigem tempo, organização, recursos e controle preciso das quantidades e tipos de nutrientes. O excesso de vitaminas ou minerais, por exemplo, pode ser tão prejudicial quanto a deficiência.”
Socialização e ambiente enriquecido são fundamentais
Além da alimentação, outro ponto sensível na humanização animal é o comportamento. Com a intensificação da vida urbana e o aumento de lares com pouco espaço, muitos tutores optam por alternativas como creches para cães e gatos.
De acordo com o levantamento da Mars, 32% dos tutores relatam sentir culpa ao deixar seus pets sozinhos, o que explica o crescimento desse tipo de serviço.
Moutinho avalia que a creche pode ser uma ferramenta válida para promover bem-estar, especialmente para cães sociáveis que necessitam de estímulo constante. No entanto, ele frisa que cada animal possui uma personalidade e um histórico comportamental próprio, devendo a decisão ser avaliada caso a caso.
Já Sabrina Luzia destaca a importância de respeitar os instintos de cada espécie:
“Meu cachorro é de uma raça criada originalmente para caça. Se eu não descer com ele, ele se estressa. Já para o gato, enriquecer o ambiente é criar estímulos verticais e brinquedos para manter seu comportamento natural.”
Práticas como dormir na cama com o animal também têm respaldo etológico. De acordo com a especialista, o comportamento pode reforçar vínculos de segurança e afeto semelhantes aos observados em grupos sociais naturais de cães:
“Ele substitui o viver em grupo da matilha pela família. O dormir junto pode ser uma forma de proteção para ele ou para o tutor.”
Ambientes adaptados promovem bem-estar real
Outro aspecto importante da humanização responsável é a adaptação do ambiente doméstico às necessidades dos animais. Mudanças como a escolha por moradias com quintal ou a adoção de mobiliário adequado para espécies específicas contribuem para a saúde física e mental dos pets.
Animais com limitações locomotoras, por exemplo, se beneficiam de espaços acessíveis, superfícies seguras e passeios assistidos.
Moutinho afirma que a qualidade de vida dos animais está diretamente relacionada à liberdade para expressar comportamentos naturais, como correr, farejar, escalar ou cavar.
Isso vale também para animais de pequeno porte, como coelhos, que precisam de espaço, estímulo e segurança contra predadores mesmo em ambientes domésticos.
Equilíbrio entre afeto e responsabilidade
A humanização dos animais de estimação reflete uma evolução na forma como a sociedade compreende o papel dos pets na vida humana. No entanto, o amor e a dedicação não devem se sobrepor às necessidades biológicas e comportamentais de cada espécie.
Especialistas reforçam que tutores bem informados, com apoio profissional, conseguem oferecer uma vida rica, segura e emocionalmente satisfatória para seus companheiros.
O desafio contemporâneo está em equilibrar a afetividade com a ciência — promovendo um cuidado baseado no respeito à natureza do animal, e não apenas em projeções humanas.
Com orientação adequada, é possível transformar o lar em um ambiente verdadeiramente saudável e harmonioso para todos os membros da família, humanos ou não.