Na manhã de 23 de agosto de 1973, tudo parecia rotineiro para a caixa Kristin Ehnmark, então com 26 anos, no Kreditbanken da Praça Norrmalmstorg, em Estocolmo. Naquele mesmo dia, porém, um homem mascarado empunhando uma submetralhadora entrou no saguão.
O invasor era o fugitivo Jan Erik Olsson, recém-evadido de uma licença prisional. Em minutos, quatro funcionários — Kristin, Birgitta Lundblad, Elisabeth Oldgren e Sven Säfström — foram obrigados a descer até o cofre circular do subsolo, dando início a um sequestro que marcaria a história criminal sueca e a psicologia mundial.
Olsson exigiu 3 milhões de coroas, coletes à prova de balas, um Mustang azul abastecido e, sobretudo, a libertação de seu ex-companheiro de cela, Clark Olofsson.
Para pressionar as autoridades, ele atirou contra policiais que cercavam o banco, ferindo dois agentes e transformando a tranquila praça em palco de negociação transmitida ao vivo pela televisão — a primeira cobertura em tempo real de um crime no país. Enquanto isso, o ministro da Justiça autorizava a chegada de Olofsson, acreditando que ele acalmaria Olsson.
Seis dias de tensão transformaram o cofre em microcosmo psicológico. Ali, os reféns foram mantidos acorrentados, dormindo em colchões finos e dividindo sanduíches lançados pela claraboia. Surpreendentemente, a relação entre sequestradores e sequestrados ganhou contornos de empatia: Olsson cobriu Kristin com um casaco quando ela tremia de frio e chegou a oferecer a ela uma bala de revólver como “lembrança”.
Em um telefonema dramático ao primeiro-ministro Olof Palme, Kristin declarou temer mais a polícia do que os criminosos, pedindo que o governo aceitasse as exigências para evitar tragédia.
A virada ocorreu na madrugada de 28 de agosto. Após vedar saídas de ar, a polícia lançou gás lacrimogêneo no cofre. Olsson se rendeu 40 minutos depois; os reféns saíram ilesos e, à porta metálica, abraçaram os sequestradores, implorando que não fossem feridos.
Condenado a dez anos, Olsson cumpriu pena e, décadas mais tarde, estabeleceu-se como mecânico em Helsingborg. Já Olofsson — que alegou ter agido para proteger os reféns — foi inicialmente absolvido, voltou a delinquir e passou mais de 30 anos atrás das grades; ele morreu em junho de 2025, aos 78 anos, vítima de doença crônica.
O termo “Síndrome de Estocolmo” surgiu logo depois, cunhado pelo criminologista Nils Bejerot e aprofundado pelo psiquiatra Frank Ochberg. Bejerot, que nunca conversou com os reféns, descreveu a aparente lealdade como “identificação com o agressor”.
Desde então, o conceito tem sido contestado: estudos apontam que o vínculo pode refletir estratégias racionais de sobrevivência diante de ações policiais arriscadas. Pesquisadores atuais veem o rótulo como um possível mecanismo para culpar vítimas e minimizar falhas das autoridades.
Após o sequestro, Kristin Ehnmark tornou-se centro de debates. Em entrevistas, criticou a polícia por “brincar com nossas vidas” e rejeitou o diagnóstico que a pintava como enamorada dos criminosos. Ela colaborou com documentários suecos, deu palestras sobre trauma e, em 2023, publicou memórias relatando ataques de pânico que persistiram por uma década — só aliviados quando passou a estudar psicologia para entender a própria reação instintiva no cofre.
Cinquenta anos depois, o “assalto de Norrmalmstorg” continua referência em cursos de negociação de reféns, inspirando filmes como “Stockholm” (2018) e a minissérie “Clark” (Netflix, 2022).
Para a criminologia, o caso comprova que, sob ameaça extrema, o cérebro humano privilegia alianças que aumentem chances de sobrevivência — mesmo que isso desafie o senso comum. Para Kristin, hoje septuagenária, a lição maior é a de que “o medo pode unir pessoas em lados opostos de uma arma”.
O episódio lembra que, em cenários-limite, a linha entre vítima e algoz pode parecer tênue, mas revela a impressionante capacidade de adaptação do ser humano.