A rotina na maior prisão feminina do Japão reflete a de muitas casas de repouso espalhadas pelo mundo. Na Prisão Feminina de Tochigi, situada ao norte de Tóquio, o cenário é composto por mulheres idosas, com marcas do tempo visíveis no rosto e nas mãos, caminhando lentamente pelos corredores. Funcionários auxiliam as detentas em tarefas básicas, como se alimentar, tomar remédios e realizar a higiene pessoal.
Essa população carcerária envelhecida evidencia desafios profundos da sociedade japonesa, como o envelhecimento da população e a solidão enfrentada por muitos idosos, segundo a rede americana CNN. Guardas relatam que essas dificuldades são tão intensas que algumas mulheres preferem permanecer encarceradas.
Há até pessoas que dizem que pagarão 20 mil ou 30 mil ienes (cerca de R$ 778 a R$ 1.167) por mês (se puderem) para viver aqui para sempre afirma Takayoshi Shiranaga, oficial da prisão de Tochigi, em entrevista à CNN.
Retorno constante à prisão
Yoko, de 51 anos, foi presa cinco vezes ao longo de 25 anos por envolvimento com tráfico de drogas. Ela observa que, a cada retorno, percebe que a população carcerária está cada vez mais envelhecida.
“(Algumas pessoas) fazem coisas ruins de propósito e são pegas para que possam voltar para a prisão novamente, se ficarem sem dinheiro”, comenta Yoko, que utiliza um pseudônimo para proteger sua identidade.
Em Tochigi, aproximadamente 20% das detentas são idosas, e a prisão precisou adaptar suas estruturas e serviços para atender às necessidades dessa faixa etária. No Japão, o número de prisioneiros com 65 anos ou mais quase quadruplicou entre 2003 e 2022, o que impactou diretamente o sistema prisional.
“Agora temos que trocar suas fraldas, ajudá-los a tomar banho, a comer”, relata Shiranaga à CNN.
A essa altura, parece mais uma casa de repouso do que uma prisão cheia de criminosas condenadas.
Furto: o crime mais comum entre as idosas
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Entre os delitos cometidos por presos mais velhos, o furto se destaca, sobretudo entre as mulheres. Dados do governo japonês mostram que, em 2022, mais de 80% das mulheres idosas encarceradas no país estavam presas por roubo.
Cerca de 20% da população japonesa com mais de 65 anos vive em situação de pobreza, segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Esse índice é significativamente superior à média de 14,2% registrada nos 38 países membros da organização, levando muitos idosos a cometerem crimes para sobreviver.
Akiyo, de 81 anos, é uma das detentas da prisão feminina de Tochigi. Com cabelos curtos e grisalhos, e mãos marcadas pelo tempo, ela cumpre pena por roubar alimentos.
“Há pessoas muito boas nesta prisão”, afirmou Akiyo (nome fictício utilizado para proteger sua identidade) em entrevista à CNN. “Talvez esta vida seja a mais estável para mim.”
A vida dentro da prisão: estabilidade e acolhimento
Na prisão de Tochigi, as detentas recebem alimentação regular, cuidados médicos gratuitos e apoio na velhice, além de desfrutarem de uma companhia que muitas não possuem fora dali. Akiyo conhece bem as dificuldades do isolamento e da pobreza, tendo sido presa anteriormente aos 60 anos pelo mesmo motivo: furto de comida.
Se eu fosse financeiramente estável e tivesse um estilo de vida confortável, definitivamente não teria feito isso revelou
Durante sua segunda infração, Akiyo vivia com uma pensão “muito pequena”, recebida apenas a cada dois meses. Com menos de R$ 250 disponíveis e ainda duas semanas até o próximo pagamento, ela tomou uma decisão que considerou “um problema menor”.
“Tomei uma decisão ruim e furtei uma loja”, admitiu.
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Falta de apoio agrava a reincidência
Além da pobreza, o abandono familiar é outro desafio enfrentado pela população idosa japonesa. Muitos ex-detentos encontram dificuldades para se reintegrar à sociedade, como explicou Megumi, uma agente penitenciária de Tochigi, identificada apenas pelo primeiro nome para preservar sua privacidade.
Mesmo depois de serem libertados e voltarem à vida normal, eles não têm ninguém para cuidar deles disse Megumi.
“Há também pessoas que foram abandonadas por suas famílias depois de cometerem crimes repetidamente, elas não têm um lugar para onde voltar”
Um desafio crescente para o Japão
O Japão enfrenta um problema cada vez mais preocupante com o envelhecimento da população carcerária. Segundo a rede americana CNN, autoridades japonesas reconheceram a gravidade da situação. Em 2021, o Ministério do Bem-Estar Social apontou que presos idosos que receberam apoio após a libertação apresentavam menor probabilidade de reincidência em comparação àqueles que não tiveram assistência. Desde então, esforços foram ampliados com intervenções precoces e a criação de centros comunitários para ajudar idosos em situação de vulnerabilidade.
O Ministério da Justiça também implementou programas específicos para mulheres encarceradas, oferecendo orientação para vida independente, recuperação de dependências e melhorias nos relacionamentos familiares. Paralelamente, o governo avalia propostas para expandir os benefícios de moradia para mais idosos. Dez municípios já estão testando iniciativas que visam apoiar aqueles que não possuem parentes próximos.
Apesar dessas medidas, a CNN destaca que ainda há dúvidas sobre sua eficácia, especialmente em um país com uma das maiores expectativas de vida do mundo e taxas de natalidade extremamente baixas.
Com o aumento da população idosa, o Japão precisará de 2,72 milhões de profissionais de saúde até 2040, conforme projeções do governo. Essa realidade já é evidente na prisão de Tochigi, onde agentes penitenciários solicitam que detentas qualificadas na área de enfermagem ajudem outras presas mais velhas, relata Megumi, agente penitenciária.
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Enquanto isso, o número de idosos encarcerados continua a crescer, refletindo um sistema sobrecarregado e uma sociedade em transformação.
Medo e vergonha após a liberdade
Akiyo concluiu sua sentença em outubro. No entanto, um mês antes de ser libertada, ela admitiu sentir vergonha e medo de enfrentar seu filho. Embora desejasse se desculpar e pedir perdão, confessou sua preocupação:
“Tenho medo de como ele pode me ver.”
Ela também refletiu sobre o impacto do isolamento em sua vida: “Estar sozinha é algo muito difícil, e me sinto envergonhada por ter chegado a essa situação”, declarou à CNN.