Catarina Maurer, de 19 anos, é uma influenciadora digital que atualmente atua como modelo e participa de campanhas publicitárias. Em 2021, quando tinha apenas 15 anos, sua vida passou por uma transformação após sentir intensas dores abdominais.
Naquele ano, após procurar atendimento em uma unidade privada em Brasília, Catarina recebeu o diagnóstico de infecção urinária. No entanto, a situação se agravou rapidamente e, algumas semanas depois, ela despertou de um coma sem a perna direita e com o braço esquerdo em estado de necrose.
Atualmente, ela utiliza as redes sociais para dividir com o público detalhes de sua rotina, suas vitórias pessoais e, acima de tudo, o modo como descobriu forças para servir de inspiração a outras pessoas que também vivem com alguma deficiência.
Desespero e diagnóstico incorreto
Eu tinha uma dor muito forte na barriga, absurdamente forte. Desmaiava de dor e achava que era apendicite ou algo assim relata Catarina.
O estado de saúde de Catarina se agravou rapidamente, manifestando-se através de uma diarreia severa e episódios frequentes de vômito, a ponto de ela não conseguir reter nem mesmo um gole de água. Apesar de apresentar diarreia com presença de sangue, o diagnóstico inicial que recebeu foi, segundo ela, incorreto: uma infecção urinária.
Os médicos disseram que era infecção urinária, me passaram remédio e viraram as costas. Eu vomitava tudo e, mesmo assim, me liberaram para voltar para casa.

Sem encontrar alívio, ela retornou ao hospital alguns dias depois, com seu estado de saúde deteriorando rapidamente. “Cada vez que tentava comer, vomitava o remédio. Desmaiei em casa e, no caminho de volta para o hospital, não me lembro de mais nada. Desmaiava, acordava, desmaiava, acordava.”
Ao chegar ao hospital, sofreu uma parada cardíaca que durou cerca de 20 minutos antes de ser colocada em coma induzido. A família foi orientada a se despedir. “A médica disse para minha mãe orar, que eu tinha menos de 1% de chance de sobreviver e provavelmente ficaria em estado vegetativo.”
Sonhos e a realidade da amputação
Catarina passou por um período de coma que durou três dias. Durante esse tempo, mesmo estando inconsciente, ela descreve ter experimentado sonhos vívidos. “Tinha sonhos conscientes, me via me arrastando pelo chão, sentia que estava perdendo a perna. Quando acordei do coma, já estava sem a perna e meu braço estava totalmente preto”, recorda.
Acostumada a viver de forma independente, a jovem não conseguiu compreender de imediato o que havia acontecido. “Sentia tanta dor na perna que pedia para tirarem, achava que ainda estava lá. Quando me contaram que tinha sido amputada, não conseguia entender como doía tanto.”
Somente após 20 dias de internação, Catarina começou a perceber a gravidade de sua condição. Ela enfrentou complicações decorrentes de uma sepse, que é uma resposta desregulada do corpo a uma infecção já existente. Como consequência, precisou passar pela amputação de um braço.
“Aceitei bem a perda, mas era difícil: não conseguia mexer o pescoço e nem levantar meus braços, estava traqueostomizada e não falava”, relata ela.
“Eles colocaram uma cânula maior do que eu precisava. Mesmo assim, a fonoaudióloga tentava fazer com que eu falasse, mas não saía voz nenhuma. Foi frustrante”, conta.
Somente após a substituição por uma cânula apropriada, sob o efeito de anestesia local, Catarina conseguiu recuperar a capacidade de falar: “Assim que trocaram, comecei a falar naquele momento. Até então, acordei completamente confusa e não conseguia nem entender o que estava acontecendo.”
Desafios da recuperação e a luta pela autonomia
Depois de deixar a UTI, Catarina enfrentou um extenso período em que sequer conseguia se sentar sem ajuda.
“Meus primeiros dias depois da alta foram horríveis. Pensei que era melhor no hospital, onde conversava com pessoas. Em casa, eu só olhava para o teto. Fiquei com traqueostomia, quase me asfixiei quando meu pescoço cedeu por não conseguir sustentar o peso”, relembra.

A estudante iniciou sessões de fisioterapia cerca de uma semana depois de sair do hospital, mas levou entre três e quatro meses para conseguir usar próteses.
“Meu caso era muito sério: fiquei em dieta zero [nutrição parenteral por meio endovenoso] muito fraca, precisava fortalecer tudo antes de usar a prótese. Meu coto [área amputada] apresentava necrose reversível, exigiu raspagem para não amputar mais”, recorda.
Os primeiros dias com próteses foram frustrantes. Não conseguia ficar em pé sem muletas, tive muitos vômitos de frustração e chorava. Achava que, ao sair do hospital, voltaria à vida normal, mas não foi assim Catarina Maurer.
Aproximadamente seis meses depois, Catarina alcançou um marco significativo em sua jornada de recuperação. Ela conseguiu caminhar sem a necessidade das muletas, um feito que foi possível graças à dedicação à musculação, que lhe proporcionou o equilíbrio e a autonomia desejados.
A academia foi fundamental. Comecei a musculação, depois descobri esportes adaptados como remo e natação. Hoje, apesar da resistência ainda prejudicada, não há dor que me faça parar os treinos
Catarina Maurer.
Uma jornada de superação e autoestima
Catarina realizou o sonho de se tornar modelo, afirmando que, após essa conquista, sua autoconfiança e autoestima aumentaram significativamente em comparação a antes de se tornar uma pessoa com deficiência.
Com uma presença marcante nas redes sociais, ela acumula mais de 400 mil seguidores no Instagram e TikTok. Em suas plataformas, Catarina compartilha vídeos cheios de humor, nos quais aborda sua condição e sua rotina diária de maneira leve e inspiradora.
Me sinto plena, mais confiante do que antes de amputar. Perdi um braço e uma perna, mas ganhei uma missão: mostrar que a vida continua e que não há limites para quem escolhe seguir em frente Catarina Maurer.
“Quando me chamaram para meu primeiro ensaio como modelo, foi emocionante. Percebi que, ali, eu poderia mostrar a outras pessoas que existe espaço para a diversidade, para quem vive em cadeiras de rodas e usa próteses. Esse poder de transformação é o que me motiva todos os dias“, diz Catarina.

Não tenho mais medo de nada. Sei o que é estar na cama de um hospital achando que não vou conseguir. Então, se eu consegui sair dali, não há nada que me impeça no mundo Catarina Maurer.
Infecção e amputação
A sepse é uma resposta do organismo a uma infecção. Sempre que uma infecção ocorre — mesmo que seja uma gripe comum — o sistema imunológico ativa suas defesas para combater a enfermidade, resultando em inflamação local. Contudo, essa resposta pode se desregular e, assim, prejudicar o corpo. Isso caracteriza a sepse.
Para tratar a sepse, pode ser necessário o uso contínuo de noradrenalina, um medicamento vasopressor que eleva a pressão arterial. No entanto, esse fármaco pode causar necrose nos membros. “Ela provavelmente teve quadro de sepse e choque séptico, com queda violenta da pressão arterial. A noradrenalina foi necessária para manter a perfusão dos órgãos vitais, mas um dos efeitos colaterais é a necrose em extremidades, o que explica a perda dos membros“, esclarece o médico Marcelo Neubauer, especialista em infectologia pela USP.
Embora a noradrenalina seja essencial no manejo de estados de choque, sua vasoconstrição pode comprometer regiões periféricas. Além disso, quadros graves como sepse e meningite geram alterações na coagulação, contribuindo para isquemia e necrose de extremidades, mesmo quando não há extravasamento da medicação vasopressora [noradrenalina] Jessica Lídia de Souza, anestesiologista e especialista em dor pela USP.