A jornada de dor e superação de Mirtes Renata Santana de Souza ganhou um novo capítulo nesta terça-feira (10). Quase cinco anos após a trágica perda do filho Miguel, que tinha apenas 5 anos, ela apresentou o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) da graduação em Direito, alcançando a nota máxima.
O tema abordado foi “escravidão contemporânea“, uma escolha que reflete sua vivência e a luta que decidiu enfrentar desde então.
Miguel Otávio Santana da Silva faleceu em junho de 2020 ao cair do nono andar de um edifício de luxo no Recife. Ele estava sob os cuidados de Sarí Corte Real, ex-primeira-dama da cidade de Tamandaré, enquanto Mirtes, na época empregada doméstica da família, havia saído para passear com o cachorro dos patrões.
A tragédia alterou completamente a vida de Mirtes e a motivou a buscar a justiça como meio de transformação social.
Passei por muitos momentos difíceis, pensei em desistir várias vezes. Mas o que me motivou a continuar foi o meu filho. Estou concluindo esse curso por ele declarou emocionada.
Aprovada com nota 10 pela banca examinadora, Mirtes utilizou em seu TCC exemplos de casos emblemáticos relacionados ao trabalho análogo à escravidão, como os de Madalena Gordiano e Sônia Maria de Jesus. Ela também incorporou trechos de sua própria história e dos abusos que observou durante seus anos como trabalhadora doméstica.
“Foi pesado escrever, porque mergulhei nas histórias de outras mulheres, com trajetórias marcadas por exploração e violações. A maioria delas, mulheres negras, com pouca escolaridade e em situação de vulnerabilidade“, comentou Mirtes, que atualmente trabalha como assessora parlamentar na Assembleia Legislativa de Pernambuco e planeja seguir carreira como advogada trabalhista.
Apesar da apresentação bem-sucedida, a formatura oficial está agendada para dezembro, quando finalizará as disciplinas restantes.
Cinco anos sem Miguel
A apresentação do TCC ocorreu poucos dias após o quinto aniversário da morte de Miguel. No último dia 2, Mirtes participou de um protesto no Recife exigindo agilidade na Justiça pernambucana. O movimento foi desencadeado pela recente redução da pena de Sarí Corte Real, que passou de 8 anos e meio para 7 anos.
O Ministério Público de Pernambuco deve se pronunciar até a próxima segunda-feira (16) sobre a decisão do Tribunal de Justiça de Pernambuco. A defesa de Mirtes está avaliando recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília, para tentar reclassificar o crime de abandono de incapaz para homicídio.
Esperamos que a Justiça seja feita não só por Miguel, mas por tantas outras mulheres e crianças que vivem sob a invisibilidade e o descaso. Essa luta é por todos nós afirmou Marília Falcão, uma das advogadas do caso.
A trajetória de Mirtes, marcada pela dor, se transforma em inspiração e exemplo de resistência na busca por um país mais justo.