Em um mundo onde a conexão entre humanos e animais de estimação se fortalece a cada dia, perfis de Instagram dedicados exclusivamente a esses companheiros peludos se tornam cada vez mais comuns.
Eles são tratados com um carinho que ultrapassa o simples cuidado, ganhando espaços em creches especializadas, onde seus donos os deixam durante o dia, como se fossem crianças no jardim de infância. Quando as famílias saem de férias, não é raro que esses animais se hospedem em hotéis especialmente projetados para eles.
A atenção aos detalhes é tamanha que muitos animais recebem terapia e treinamento para lidar com problemas comportamentais, além de uma variedade de roupas para todos os tipos de clima, calçados para caminhada e uma infinidade de fantasias.
Não é incomum encontrar camas e móveis personalizados, e até mesmo quartos inteiros dedicados a eles. Festas de aniversário são organizadas com bolos de carne magra, cortes de cabelo da moda e ensaios fotográficos profissionais.
Esses exemplos ilustram como os animais estão assumindo um papel central na vida humana, transformando a relação tradicional de dono e animal de estimação em algo mais próximo de uma relação entre pais e filhos. De fato, muitos jovens estão optando por ter animais de estimação em vez de filhos.
Outro dia estava andando na rua e vi um casal com um carrinho de bebê. Quando chegamos ao semáforo, aproveitei e olhei para fora. E tive uma surpresa. Não havia bebê nenhum, era um cachorrinho relata Magdalena Vera Vionnet, residente de Palermo, Buenos Aires.
“Na rua você vê mais carrinhos de cachorro do que de bebê. Juro, é ridículo”, comenta Mariana Kerestezachi, expressando sua surpresa diante da cena inusitada.
Embora existam países e cidades onde a tendência de ter animais de estimação em vez de crianças, e tratá-los como tal, é mais comum, como: Tóquio, no Japão; Milão, na Itália; e Los Angeles e Miami, nos Estados Unidos, estamos falando de um fenômeno global com milhares de adeptos, especialmente entre as gerações mais jovens.
As razões por trás disso variam da falta de comprometimento ao amor pela liberdade individual, estresse econômico e até mesmo consciência social.
“Famílias multiespécies estão se tornando mais comuns”, afirma Yulieth Cuadrado, uma terapeuta com especialização em neuropsicologia.
Segundo uma pesquisa realizada pela Growth from Knowledge (GfK), a Argentina, juntamente com o México e o Brasil, está entre os países que apresentam a maior porcentagem de animais de estimação por família. De fato, conforme um estudo da Kantar, 79% dos lares argentinos possuem animais de estimação e 77% dos entrevistados os consideram como integrantes da família.
Não faz muito tempo, realização pessoal significava ter uma família com muitos filhos. Hoje, porém, as ideias de felicidade e bem-estar giram muito mais em torno da realização individual, adaptada às próprias necessidades pondera Cuadrado.
Nesse contexto, a alternativa de ter um cachorro, gato ou animal de estimação é apresentada como uma forma de manter a individualidade sem abrir mão da satisfação de cuidar, criar e amar o outro.
Os animais não exigem tanta atenção quanto os humanos. Cuidar deles é qualitativamente mais simples e permite uma vida muito mais flexível reflete o psicólogo Nicolas Andersson.
Ele e a namorada deixam bem claro que não querem ter filhos porque não querem que suas vidas pessoais fiquem em segundo plano. Eles têm dois buldogues franceses, Odin e Floki, que “são como seus filhos, mas com menos responsabilidade”.
“O amor é o mesmo, só que não precisamos trocar suas fraldas, acordar às sete da manhã para levá-los à escola ou sacrificar os planos de fim de semana como nossos amigos com filhos fazem”, diz Andersson. “A obrigação de ter filhos não é tão estabelecida como costumava ser, e hoje temos mais poder de escolha”, afirma.
Na mesma linha, Lucía Bandol expressa que nunca se sentiu atraída pela ideia de ser mãe; primeiramente devido ao parto e, em segundo lugar, por todas as responsabilidades que isso acarreta.
“Sempre soube que não queria ter filhos e sempre me disseram que em algum momento isso mudaria. Que eu não me sentiria completa como mulher. Mas os anos foram passando e cada dia confirmo mais: não quero”, afirma ela com convicção. “Não estou disposta a colocar meu corpo à prova para a gravidez, nem para a maternidade, nem a parar de trabalhar para me dedicar à parentalidade.”
Bandol é tutora de dois gatos, Magnum e Silvestre, e ressalta que não é necessário desejar ser mãe para querer receber amor: é nesse ponto que os animais desempenham um papel importante. “Temos uma necessidade quase inata de dar e receber carinho, além do nosso parceiro ou de nós mesmos”, reflete ela.
Cuidar e proteger são habilidades humanas instintivas, afirma Cuadrado, e o ato de dar e receber amor é uma necessidade que traz múltiplos benefícios para o bem-estar pessoal. A psicóloga compartilha que, entre os benefícios que seus pacientes identificam em ter animais em casa, um se destaca particularmente: a “calma”
Quando olhamos nossos animais de estimação nos olhos, conversamos com eles ou os acariciamos, nosso cérebro secreta ocitocina, um neurotransmissor essencial em várias funções fisiológicas e sociais, incluindo a construção de vínculos emocionais, a redução dos níveis de cortisol e a regulação emocional explica
Benefícios dos animais de estimação para a saúde humana
Um estudo divulgado pelos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) revela que os animais de estimação desempenham um papel significativo na redução do estresse, contribuindo para a melhoria da saúde cardíaca. Além disso, eles auxiliam no desenvolvimento das habilidades emocionais e sociais das pessoas, promovendo um senso de responsabilidade e comprometimento.
Posso não ter animais, mas eles me fazem feliz. Eles são empáticos e estão sempre lá para nos trazer de volta à realidade. Acredito nos sentimentos deles e nos laços que criam conosco, e esse amor, para mim, é mais do que suficiente conclui Bandol.
O fator econômico, num mundo de rumo incerto
Os aspectos econômicos são uma razão significativa que faz com que muitos jovens optem por ter animais de estimação em vez de filhos. Um exemplo é o de Ignacio Martínez Larrea. “Ter filhos é caro e ganhar dinheiro é complicado”, afirma ele. Entre seu círculo de seis amigos, cinco compartilham dessa mesma visão.
Os entrevistados concordam que a decisão de ter um filho envolve a capacidade de cobrir aspectos fundamentais de segurança financeira. Isso inclui a possibilidade de arcar com uma moradia adequada, seja por meio do aluguel ou da compra de um imóvel espaçoso o suficiente, além de garantir uma educação de longo prazo, como faculdade e possivelmente universidade.
Também é necessário considerar todos os cuidados médicos essenciais para manter uma boa saúde e proporcionar atividades recreativas. “Embora animais de estimação envolvam despesas, elas são substancialmente menores”, conclui Martínez Larrea.
Conheço pessoas que tiveram filhos antes de poderem comprar casa própria e agora, com tudo o que têm para pagar pela criação deles, é impossível. Vira um ciclo vicioso diz Bandol.
Ele observa que “já é difícil pensar em alcançar a estabilidade financeira necessária para se sustentar, quanto mais para sustentar os outros. O fator econômico é um fator muito forte”, conclui.
Por outro lado, há um pessimismo generalizado em relação ao futuro do planeta. Em muitos casos, isso faz com que a ideia de ter um filho pareça mais uma decisão inconsciente do que um ato movido pelo amor.
A mudança climática é uma realidade. O tempo do planeta está se esgotando e não consigo imaginar dar à luz alguém que terá que suportar eventos cada vez mais catastróficos, como escassez de água, elevação do nível do mar, secas e incêndios argumenta Bandol.
“Não acho que valha a pena trazer uma criança ao mundo, dado o estado em que se encontra hoje e como parece que continuará sendo. Com a quantidade de sofrimento que existe, não é razoável trazer outra pessoa ao mundo para sofrer também”, acrescenta Martínez Larrea.