Desde o final de agosto, incêndios devastadores têm consumido áreas verdes em várias partes do Brasil, exacerbando os desafios já enfrentados pelos cafeicultores devido à seca prolongada.
Em São Paulo, especificamente, as chamas destruíram cafezais, forçando os agricultores a replantar, o que desloca a colheita de 2025 para 2027.
Essas plantações, muitas vezes situadas próximas a áreas de preservação ou canaviais, são cruciais para a projeção internacional do Brasil como fornecedor de um dos cafés mais populares do mundo.
Os danos já causados pelo fogo comprometem não só a safra atual, mas também a próxima, prevista para iniciar em 2025. A recuperação dos prejuízos e o replantio devem atrasar significativamente a produção.
A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) anunciará os impactos iniciais desses incêndios em 19 deste mês, enquanto outras organizações ainda lutam para avaliar a extensão dos danos, já que muitas áreas continuam sob ameaça das chamas.
A pessoa vai ter que plantar uma nova lavoura agora em janeiro de 2025, ela vai colher café só em 2027 explica o engenheiro agrônomo Marcelo Jordão, diretor da Fundação Pró-Café
Dimensão dos estragos nos cafezais
Marcelo Jordão, engenheiro agrônomo e diretor da Fundação Pró-Café, indica que cerca de 100 hectares de café foram destruídos apenas nos arredores de Franca, São Paulo, em locais como Altinópolis e Pedregulho. Segundo Jordão, essas áreas, que geralmente ficam próximas a canaviais e matas, nunca haviam experimentado incêndios dessa magnitude.
Em muitos dos municípios paulistas mais afetados desde 21 de agosto, os danos são visíveis, como em uma propriedade da família Quércia, em Pedregulho, onde um galpão de maquinário também foi consumido pelas chamas.
Lucas Ubiali, engenheiro agrônomo e vizinho da fazenda afetada, detalha os esforços intensos para conter o fogo, que incluíram o uso de caminhões-pipa, pulverizadores e mobilização de vizinhos. Apesar dos esforços, o risco de novos focos persiste.
Características dos incêndios em cafezais
Os cafezais, apesar de terem menor propensão à queima em comparação com canaviais devido à menor biomassa, ainda são vulneráveis devido ao acúmulo de folhas secas e à baixa umidade.
As últimas chuvas significativas na região ocorreram em abril, e novas precipitações só são esperadas com a chegada da primavera em setembro.
Maurivan Rodrigues, produtor de café há 40 anos, explica que mesmo as plantas verdes podem queimar se o fogo for intenso e o ar estiver seco.
Nos casos que fiquei sabendo o fogo começou no canavial e foi para o café. É difícil começar um incêndio na lavoura de café diz
Em sua fazenda, o fogo foi contido antes de atingir o cafezal, graças à topografia do terreno e aos aceiros. No entanto, outros produtores não tiveram a mesma sorte, especialmente aqueles com plantações próximas a canaviais.
Consequências permanentes dos danos
Quando um café é atingido pelo fogo, raramente é possível recuperá-lo. Marcelo Jordão esclarece que o fogo danifica severamente as gemas que poderiam gerar novos ramos.
Diferentemente das geadas, que afetam apenas a parte superior das árvores, o fogo destrói o interior das plantas, tornando impossível a rebrota. A única opção é replantar, o que leva em média dois anos para um ciclo completo de produção.
Foi uma luta. Caminhão-pipa de usina, a gente usou pulverizador pra auxiliar, vizinhos se mobilizaram com funcionários, com batedor de fogo pra abafar, bomba costal. (…) Fizemos aceiros com trator com aquela grade aradora pra poder controlar. [O fogo] estava subindo em uma mata sentido à minha propriedade afirma o engenheiro agrônomo e produtor rural Lucas Ubiali
Lucas Ubiali menciona que outra técnica, a recepa, poderia ser considerada, mas muitas vezes não é viável e pode custar tanto quanto plantar novas mudas.
Além disso, o clima seco atual complica ainda mais o replantio, com muitas mudas morrendo devido à falta de irrigação.
Ficamos quarta, quinta e sexta, só ali devia ter umas 60 pessoas. Todos os vizinhos se mobilizaram. Está sob controle, mas a gente está em alerta. Como pegou muita vegetação, os troncos ficam queimando por dias. Enquanto não chover não vai normalizar a situação e a gente vai estar em alerta sempre
Segundo o último relatório do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), os preços do café têm aumentado desde dezembro do ano passado, influenciados pelos efeitos do El Niño. A expectativa é que os preços continuem a subir se o clima não melhorar nas próximas semanas.
Impacto no mercado e na economia local
Os aumentos nos preços do café, conforme relatado pelo Cepea, têm um impacto significativo não apenas para os agricultores, mas também para toda a cadeia de valor do café, incluindo exportadores, varejistas e consumidores finais.
Com o Brasil sendo um dos maiores produtores de café do mundo, qualquer alteração na produção pode afetar significativamente os preços globais do café.
Além disso, as comunidades locais que dependem da agricultura do café enfrentam desafios econômicos quando as plantações são destruídas.
O emprego, que é amplamente sustentado pelas fazendas de café, sofre um impacto direto, levando a uma possível elevação nas taxas de desemprego na região. Isso pode resultar em um ciclo vicioso de pobreza e redução do desenvolvimento econômico local.
Estratégias de mitigação e adaptação
Para combater os desafios impostos pelos incêndios e pelas alterações climáticas, especialistas como Marcelo Jordão e Lucas Ubiali sugerem a adoção de práticas agrícolas mais sustentáveis.
O uso de sistemas de irrigação eficientes e o desenvolvimento de variedades de café mais resistentes ao fogo e à seca podem ajudar a mitigar alguns dos riscos associados.
Outra abordagem é a diversificação das culturas, que não só reduz a dependência econômica de uma única cultura, mas também minimiza o risco de perda total de produção devido a desastres naturais.
Além disso, políticas públicas de apoio aos agricultores, como subsídios para o replantio e seguros agrícolas, podem fornecer uma rede de segurança financeira em tempos de crise.
Os incêndios em plantações de café representam um desafio significativo para os agricultores, a economia local e o mercado global de café. Enquanto o replantio é muitas vezes a única solução viável após um incêndio, técnicas e políticas sustentáveis são essenciais para garantir a resiliência a longo prazo da indústria do café.
Com o clima mudando rapidamente, é imperativo que todos os envolvidos, desde agricultores até governos, trabalhem juntos para adaptar e proteger essa valiosa commodity.
Ao enfrentar esses desafios de frente e investir em soluções inovadoras, pode-se esperar não apenas a recuperação das áreas afetadas, mas também um futuro mais sustentável para o café brasileiro no cenário global.
Investimentos em pesquisa e desenvolvimento também são cruciais para a evolução do setor. Novas variedades de café que são mais resistentes ao fogo e às alterações climáticas podem ser desenvolvidas, ajudando a prevenir as perdas futuras. Além disso, técnicas avançadas de manejo do solo e da água podem ser implementadas para aumentar a resiliência das plantações de café às condições ambientais adversas.
É também fundamental aumentar a conscientização sobre práticas agrícolas sustentáveis entre os cafeicultores. Workshops, seminários e programas de treinamento podem ensinar métodos mais eficazes e menos prejudiciais ao meio ambiente, garantindo que os agricultores estejam bem equipados para enfrentar os desafios impostos pelas mudanças climáticas.
Essas iniciativas podem ser apoiadas tanto por organizações governamentais quanto por entidades privadas interessadas na sustentabilidade da indústria do café.
Por fim, a colaboração internacional entre países produtores de café também pode desempenhar um papel vital na mitigação dos impactos dos incêndios em plantações. A troca de informações, experiências e tecnologias entre nações pode acelerar a implementação de soluções inovadoras e eficazes.
Este esforço conjunto não apenas fortalece a posição global do café brasileiro, mas também promove uma abordagem mais coletiva e integrada para resolver problemas que afetam a cafeicultura mundialmente.
Em resumo, enfrentar os desafios impostos pelos incêndios nas plantações de café requer um esforço coordenado e multifacetado.
Através da implementação de técnicas agrícolas modernas, políticas de apoio e cooperação internacional, podemos assegurar que o café continue a ser uma fonte de renda e prazer para milhões de pessoas em todo o mundo, ao mesmo tempo em que se mantém como um símbolo de resiliência e inovação no cenário agrícola global.