A mãe do estudante de medicina, que foi fatalmente atingido pela Polícia Militar em uma abordagem na Zona Sul de São Paulo nesta quarta-feira (20), suspeita de xenofobia no ocorrido e expressa que “qualquer mãe vai se revoltar” ao ver seu filho “caído, com suas mãos tentando se defender, e o policial dando um tiro na barriga“.
O que justifica matar um menino de 22 anos, caído, e que ainda está sem camiseta, que não tem onde ocultar uma arma? O que está acontecendo com a polícia brasileira? indaga Silvia Mônica Cardenas Prado.
“Estou indignada. Nunca pensei chorar assim, mas estou com raiva e sinto uma tristeza tão grande…”
Silvia e seu esposo, Julio Cesar Acosta Navarro, são peruanos naturalizados brasileiros. Seu filho, Marco Aurélio Cardenas Acosta, nasceu no Brasil e tinha 22 anos.
“Um tiro que meus colegas médicos disseram que foi dado para matar, porque foi direto na [veia] ilíaca. Meu filho chegou sangrando, não tinha como salvar, e os policiais sabem onde disparar. Poderiam ter disparado no braço, na perna, de lado, para romper um fígado, um baço, mas não. Ele disparou no meio porque ele queria matar o meu filho”, afirma a mãe, também médica.
“E eles conseguiram matar, sim. Mataram minha família, meu esposo, mataram meus filhos. Que confiança eu vou ter agora? Daqui para frente? O que nós, como cidadãos decentes, fizemos para a polícia para fazerem isso? O que justifica disparar?”, questiona ela sobre a ação policial.
O desespero de um pai
Julio Cesar foi o primeiro a chegar no local do crime. “Fui lá, tinha 15 policiais, quatro viaturas. Ninguém me dava explicação, ninguém queria me levar ao hospital, todo mundo escondendo, cabo por aí, sargento por aí, tive que correr ao hospital, tive que correr ao Centro de Emergência e apareceram mais policiais”, relata ele, que conseguiu chegar ao hospital e viu seu filho ainda vivo.
Ele estava sofrendo, dizia: ‘Pai, me ajuda, pai, me ajuda’. A única coisa que me dizia, a única coisa que podia dizer conta o pai angustiado.
Silvia chegou posteriormente ao hospital e enfrentou dificuldades para ver o filho. “Eu falei que queria ver antes de ele morrer. Eu sou intensivista. Eu sei o que significa um tiro na [veia] ilíaca. Eu supliquei: ‘Me deixa entrar, sou médica’. Eu sei que não é um benefício, mas eu sei entrar na sala de emergência. Ninguém me deixou entrar“, lamenta ela.
O crime
Os oficiais de polícia envolvidos na morte do estudante de medicina durante a madrugada de quarta-feira (20) foram suspensos de suas atividades até a conclusão das investigações, conforme confirmado pela Secretaria da Segurança Pública (SSP).
A SSP também informou que os policiais prestaram depoimento e estão sendo investigados pelo inquérito.
Marco Aurélio, aluno de medicina na Universidade Anhembi Morumbi, foi fatalmente atingido por um disparo à queima-roupa na escadaria de um hotel localizado na Rua Cubatão, na Vila Mariana, Zona Sul de São Paulo. O incidente, que ocorreu aproximadamente às 2h50, foi capturado por uma câmera de segurança.
Os PMs, Guilherme Augusto Macedo e Bruno Carvalho do Prado, estavam patrulhando a área quando supostamente Marco Aurélio bateu no retrovisor da viatura e fugiu.
De acordo com o relato policial, Marco Aurélio correu para o Hotel Flor da Vila Mariana, onde estava hospedado com uma mulher, e se mostrou bastante agitado e agressivo.
As gravações mostram o jovem entrando no lobby do hotel sem camisa, sendo seguido pelos oficiais.
Um dos policiais tentou segurar Marco Aurélio pelo braço, enquanto o outro o chutou. Em meio ao tumulto, o policial Guilherme disparou no peito do estudante. Os oficiais alegaram no boletim de ocorrência que o jovem tentou tomar a arma de Bruno.
Marco Aurélio foi levado ao Hospital Ipiranga, onde sofreu duas paradas cardíacas e foi operado, mas faleceu por volta das 6h40 devido aos ferimentos.
Claudio Silva, ouvidor das Polícias de São Paulo, criticou a ação, descrevendo-a como “mais um reflexo da lógica que está instalada no estado de São Paulo, de polícia que mata. Polícia que não respeita a vida”.
Ele observou que as imagens de segurança mostram que “os policiais estão numericamente superiores à pessoa abordada, e o abordado, sem camisa, então, desarmado. E os policiais não fazem o uso progressivo da força, como está determinado por normas internas da própria Polícia Militar, então o uso excessivo da força foi feito. Isso culminou com a morte daquele jovem abordado“.
O caso foi registrado no Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) como morte decorrente de ação policial e resistência.
Os policiais tinham câmeras corporais acopladas, mas, segundo o boletim de ocorrência, esses dispositivos não foram ativados durante a abordagem.
O que diz a SSP
“As polícias Civil e Militar apuram as circunstâncias da morte de um homem de 22 anos, ocorrida na madrugada desta quarta-feira (20), na Vila Mariana, na capital paulista. Os policiais envolvidos na ocorrência prestaram depoimento, foram indiciados em inquérito e permanecerão afastados das atividades operacionais até a conclusão das apurações. Na ocasião, o jovem golpeou a viatura policial e tentou fugir. Ao ser abordado, ele investiu contra os policiais, sendo ferido. O rapaz foi prontamente socorrido ao hospital Ipiranga, mas não resistiu ao ferimento. A arma do policial responsável pelo disparo foi apreendida e encaminhada à perícia. As imagens registradas pelas câmeras corporais (COPs) serão anexadas aos inquéritos conduzidos pela Corregedoria da Polícia Militar e pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).”