Pamela Silva, viúva do tesoureiro do PT Marcelo Arruda, assassinado em 2022 pelo bolsonarista Jorge Guaranho, expressou alívio após a condenação do ex-policial penal a 20 anos de prisão, nesta quinta-feira (13).
A policial civil afirmou que a família de Marcelo “venceu a guerra“. “Que alívio, vencemos essa guerra, ele foi condenado e agora vai ter que cumprir a pena na prisão e repensar muito tudo o que ele fez, e o que destruiu“, declarou em entrevista ao portal UOL logo após o término do júri popular.
Jorge Guaranho foi sentenciado a 20 anos de prisão em regime inicial fechado por homicídio duplamente qualificado, por motivo fútil e perigo comum.
Pamela enfatizou que a sentença não traz Marcelo de volta, mas representa uma vitória da justiça. “Eu sei que a gente não vai ter o Marcelo de volta, as crianças não vão ter o pai de volta, mas hoje a verdade prevaleceu, isso demonstra que a intolerância não vale a pena“, disse.
A mulher acrescentou que sempre se manteve fiel à verdade. “A gente, em nenhum momento dessa batalha, mudou a nossa narrativa. Eles viviam mudando de história“.
Detalhes sobre o julgamento
A juíza Mychelle Pacheco Cintra Stadler impôs uma pena total de 20 anos de prisão ao réu. Guaranho, que estava sob prisão domiciliar, poderá apelar da decisão, mas será levado novamente preso ao sair do tribunal.
O Departamento de Polícia Penal do Paraná determinará para qual unidade prisional o réu será enviado. O julgamento ocorreu na Vara Privativa do Tribunal do Júri do Foro Central de Curitiba dois anos e meio após a morte de Arruda.
Na sua decisão, a juíza mencionou que Guaranho usou uma arma da União para cometer o crime. Ela destacou a intolerância política demonstrada pelo ex-policial penal em suas ações.
A magistrada leu a sentença na tarde desta quinta-feira (13). A maioria dos sete jurados considerou Jorge Guaranho culpado pela morte de Marcelo.
Os jurados foram escolhidos por sorteio eletrônico e consistiram em quatro mulheres e três homens. As decisões em um júri popular são tomadas por maioria de votos, sem necessidade de unanimidade.
Júri contou com depoimentos do réu, peritos e nove testemunhas
O julgamento se estendeu por três dias. Nos dois primeiros, foram ouvidas nove testemunhas, além do réu e dos peritos. Hoje, a defesa e a acusação apresentaram seus argumentos, que constituíram a fase final do júri. Após o encerramento, os jurados se dirigiram à sala secreta, onde cada um votou de forma anônima e individual.
Jorge Guaranho, o ex-policial penal, chegou hoje ao tribunal utilizando muletas. Ele teve uma breve conversa com os jornalistas e reiterou que a morte de Arruda foi uma “fatalidade“.
Que os jurados tenham entendido que não cheguei atirando como foi dito por aí, isso ficou muito claro ali, que ele apontou a arma para mim antes, andou para cima de mim, tacou pedra em mim e no meu filho. Então era eu ou ele ali naquele momento. Eu jamais atirei no Marcelo por causa de política, foi uma fatalidade declarou.
No dia anterior, o réu foi ouvido durante o júri, respondendo apenas às perguntas de seus advogados. Ele falou por aproximadamente duas horas, expressando arrependimento pelo crime e pedindo perdão.
Guaranho revelou que se dirigiu ao local da festa com a intenção de confrontar a vítima, mesmo sem conhecê-la, para esclarecer uma situação anterior em que Marcelo havia atingido o olho de seu filho ao jogar terra no carro do acusado. O ex-policial também afirmou não se lembrar de muitos detalhes sobre a própria ação.
Guaranho negou qualquer conotação política em seu ato. Ele argumentou que a filiação partidária não teria relevância se Marcelo não tivesse avançado contra ele armado, forçando-o a reagir com um disparo. “Eu mesmo namorei uma menina que era do Partido dos Trabalhadores“, ressaltou, enfatizando que o crime foi um acidente e não teve motivação política.
O acusado comentou que vive constantemente pensando nos filhos de Marcelo, que agora não têm mais pai, mas também mencionou que sua própria família sofreu devido à situação. “Arrependimento vai ser para sempre. Marcelo morreu, eu quase morri“, concluiu.
Júri começou na terça-feira com depoimento de viúva
O júri popular teve início por volta das 11h na terça-feira, dia 11. A primeira testemunha a ser ouvida foi Pamela Silva, esposa do tesoureiro do PT, Marcelo Arruda. O julgamento está sendo realizado na Vara Privativa do Tribunal do Júri do Foro Central de Curitiba.
Pamela Silva afirmou que ela e seu esposo não tinham conhecimento sobre quem era Guaranho. De acordo com ela, quando o ex-policial penal chegou ao evento, pensou que ele fosse um convidado. “Quando eu vi a arma eu imediatamente me aproximei, pensei ‘meu Deus, o que tá acontecendo aqui?’“, declarou durante o julgamento.
A viúva ainda acrescentou que Marcelo mantinha uma boa relação com pessoas que não eram simpatizantes do PT. “Ele tinha 28 anos como guarda municipal e, dentro da corporação, era minoria. As pessoas até se referiam a ele como o PT, o petista, de brincadeira“, comentou em resposta à promotora de Justiça Ticiane Louise Santana Pereira.
O julgamento começou após três adiamentos. Inicialmente, estava marcado para 7 de dezembro de 2023, mas devido a pedidos da defesa, foi remarcado para 4 de abril de 2024.
Naquela ocasião, a defesa deixou o plenário, o que impediu a continuidade do julgamento. Uma nova data foi então agendada para maio de 2024. Contudo, no dia 7 de abril, a defesa protocolou um pedido de desaforamento, solicitando que o julgamento ocorresse em outro local.
A Justiça do Paraná acatou a solicitação da defesa de Guaranho para que o júri fosse realizado em Curitiba. Os advogados argumentaram que se o julgamento ocorresse em Foz do Iguaçu, onde o crime aconteceu, haveria risco de parcialidade entre os jurados. A juíza Mychelle Pacheco Cintra Stadler preside o júri popular de Jorge Guaranho.
O Ministério Público do Paraná requereu a condenação de Jorge Guaranho por homicídio qualificado em duas modalidades: por motivo fútil e por perigo comum. Ao apresentar a denúncia contra o ex-policial penal, a Promotoria considerou como motivo fútil a “preferência político-partidárias antagônicas dos envolvidos” e destacou que o réu colocou em risco a vida de terceiros ao disparar.
Conforme a acusação feita pelo MP, Guaranho teria declarado que “petista vai morrer tudo” antes de efetuar os disparos. A assistência da acusação manifestou sua confiança de que Jorge Guaranho será condenado.
“Assim como acreditávamos na absoluta imparcialidade dos jurados de Foz do Iguaçu, também confiamos na imparcialidade, na integridade e no senso de justiça dos jurados de Curitiba“, afirmou uma nota divulgada pelo escritório Botelho e Raffaelli Boito Advocacia, representado pelos advogados Rogério Oscar Botelho e Alessandra Raffaelli Boito.
A defesa de Jorge Guaranho declarou que ele foi “injustamente acusado” de um crime político. “Desde o início, buscamos garantir um julgamento justo, conforme a lei. Estamos preparados para apresentar os fatos de maneira clara e objetiva, longe de narrativas políticas“, expressou uma nota enviada pelo advogado Samir Mattar Assad.
Relembre o caso
A vítima foi assassinada durante a comemoração de seus 50 anos. No dia 9 de julho de 2022, Arruda festejava seu aniversário com amigos em Foz do Iguaçu, em uma festa temática do PT — o guarda municipal era eleitor de Lula.
Segundo depoimentos, Guaranho invadiu a celebração gritando “Bolsonaro” e “mito“. O homem ameaçou os convidados e deixou o local. Em seguida, ao reencontrar Arruda, disparou contra o aniversariante, que também estava armado e revidou — mas não conseguiu sobreviver.
Arruda era casado e pai de quatro filhos. Ele ocupava o cargo de diretor do Sindicato dos Servidores Municipais de Foz, era tesoureiro do PT local e havia se candidatar ao cargo de vice-prefeito. Sua família incluía uma menina de seis anos e um bebê com apenas um mês.
Os advogados de Guaranho afirmam que o policial penal agiu em legítima defesa, pois Arruda estava com a arma em mãos quando Guaranho invadiu a festa onde o crime ocorreu.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, exonerou o policial penal. Guaranho foi demitido devido a três infrações disciplinares. O Ministério da Justiça e Segurança Pública divulgou que a demissão ocorreu pelo uso indevido de recursos da repartição em atividades pessoais, por improbidade administrativa e por conduta inadequada. Ele usou sua arma profissional para cometer o crime.
Um acordo garantiu uma indenização à família de Marcelo. Em fevereiro deste ano, a AGU (Advocacia-Geral da União) anunciou que irá assegurar o pagamento de R$ 1,7 milhão à companheira e aos quatro filhos de Marcelo Arruda.
A indenização será custeada pela União. O acordo considerou que, entre outros aspectos, o autor do crime utilizou sua posição como agente público para acessar o local da festa e disparar com uma arma pertencente à União.