Na manhã de hoje, um protesto ocorreu devido ao assassinato do vendedor ambulante senegalês Ngange Mbaye, 34 anos, que foi baleado ontem por um policial militar no Brás, São Paulo.
A manifestação foi permeada por sentimentos de revolta e tristeza. O evento encerrou quando a PM utilizou bombas para dispersar os presentes.
O que aconteceu
Bombas de gás lacrimogêneo foram empregadas pelos policiais. A dispersão se iniciou depois que um indivíduo, ainda não identificado como manifestante, lançou um objeto em direção aos policiais. Isso gerou tumulto e correria. Comerciantes fecharam suas lojas enquanto pessoas buscavam refúgio das bombas. Um veículo blindado da Tropa de Choque e cavalaria da PM foram mobilizados, ambos equipados com escudos e armas.
Representantes da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção SP também foram afetados. Carla Mustafá, coordenadora do núcleo de imigrantes e refugiados da entidade, estava acompanhando o protesto e relatou ao UOL que uma bomba explodiu próximo a ela, resultando na perda de seu celular. A Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB-SP foi notificada.
Os manifestantes portavam cartazes exigindo justiça para o senegalês e criticando a PM, com dizeres como “a polícia brasileira é racista”. Gritos também eram dirigidos aos oficiais presentes. Amigos e familiares do falecido mostravam-se profundamente abalados; um amigo precisou ser consolado após um surto de choro e recusou-se a falar com a imprensa.
A manifestação atraiu centenas, predominantemente imigrantes senegaleses e brasileiros ambulantes locais. Mbaye foi morto pouco depois de retornar de uma oração em uma mesquita no Brás, cumprindo um ritual islâmico de oração às sextas-feiras após o meio-dia.
Quando voltamos da mesquita, nós nos separamos. Ele foi pegar a mercadoria dele, e eu fui para o meu box. Depois, recebi a ligação de um amigo dizendo que tinha acontecido algo com Ngange. Quando cheguei no local, já o vi no chão, contou um amigo senegalês de Mbaye ao UOL.
“Era um menino religioso, respeitoso e trabalhador. Um menino íntegro, que não quer nada de ninguém. Tava saindo pra trabalhar. É pecado trabalhar? Ele não é bandido. Bandido não fica na rua trabalhando em carrinho”, disse Mariama Bah, atriz e ativista pelos direitos dos imigrantes senegaleses.
Conhecidos descreveram Mbaye como tranquilo e altruísta. Marinês Souza, ambulante veterana no Brás, disse que ele era conciliador e evitava conflitos. No ano passado, quando enfrentou sérios problemas de saúde, Mbaye organizou uma vaquinha para ajudá-la.
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“Ele fez uma vaquinha pra mim com outros amigos. Me ajudou muito, sabe? É por isso que hoje eu estou aqui, muito revoltada, muito triste, pra lutar por ele”, compartilhou Marinês emocionada.
Mbaye residia no Brasil há aproximadamente 10 anos e mantinha sua família no Senegal com o dinheiro que ganhava como ambulante. Ele dividia um apartamento na região do Brás com um colega. Há esforços para enviar seu corpo para o Senegal; contudo, os custos são proibitivos.
Ambulantes percebem aumento na truculência policial
Vendedores ambulantes entrevistados consideram a morte de Mbaye uma “tragédia anunciada”, resultado do aumento na violência das abordagens policiais na área. Rita (nome fictício), com mais de duas décadas trabalhando no Brás, relatou ter sido agredida recentemente por policiais durante uma apreensão de mercadorias.
“Nem bandido tá apanhando igual a nós (ambulantes). Nós temos que levar o prato de comida pra casa. A gente trabalha na rua porque não tem outra opção, não tem emprego”, ela expressou revoltada.
“A gente não aguenta mais”, declarou Marinês sobre a violência policial contra ambulantes.
“Chega de matar. Chega de matar trabalhador.”
Carla Mustafá reiterou que essa escalada de violência já era conhecida por trabalhadores da área: “Isso é relatado há um tempo, tanto por brasileiros quanto por não-brasileiros, de uma abordagem muito violenta, principalmente em relação aos ambulantes.”
“A integridade física, a vida não pode ser violada. A dignidade é maior que uma mercadoria.”
Ambulante foi socorrido mas não resistiu
Ngange foi baleado após tentar impedir que a polícia levasse sua mercadoria apreendida. Socorrido pelo Samu, ele faleceu na Santa Casa de Misericórdia.
O imigrante reagiu com uma barra de ferro contra os policiais antes de tentar fugir com seus produtos; nesse momento, foi atingido por um tiro na barriga.
O caso ocorreu na rua Joaquim Nabuco em uma região comercial movimentada no centro da capital paulista.
A Ouvidoria das Polícias de São Paulo encaminhará o caso para investigação pela Corregedoria da Polícia Militar através do DHPP (Departamento Estadual de Homicídios e Proteção à Pessoa). O agente responsável pelo disparo foi afastado conforme informado pela SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública) em nota oficial.
A morte de Ngange gerou grande comoção entre a comunidade local e ativistas dos direitos humanos, que exigem justiça e uma revisão das práticas policiais. Manifestações foram organizadas em frente à Santa Casa e ao longo da rua Joaquim Nabuco, com participantes portando cartazes que clamavam por mudanças nas políticas de segurança pública e pelo fim da violência contra trabalhadores informais e imigrantes.
Em resposta ao incidente, a Secretaria de Segurança Pública prometeu uma investigação transparente e ágil. “É fundamental que todos os fatos sejam esclarecidos e as responsabilidades definidas”, afirmou o porta-voz da SSP-SP.
A polícia deve ser instrumento de proteção, não de medo.
Advogados especializados em direitos civis se envolveram no caso, oferecendo representação legal à família de Ngange. Eles argumentam que o uso excessivo da força e a letalidade em abordagens policiais são problemas persistentes que necessitam de abordagens reformistas urgentes.
Além disso, organizações não governamentais que atuam na defesa dos direitos dos imigrantes reforçaram a necessidade de políticas públicas mais inclusivas e seguras para essa população vulnerável. “Incidentes como este destacam a urgência de repensar nossa abordagem na integração e proteção dos imigrantes em nossa sociedade”, comentou o representante de uma dessas organizações.
Enquanto isso, a comunidade onde Ngange trabalhava segue prestando homenagens e pedindo justiça. Flores e velas foram colocadas no local onde ele foi baleado, transformando o espaço em um memorial improvisado. Mensagens de apoio à família do vendedor e apelos por justiça continuam a ser compartilhados nas redes sociais, ampliando a visibilidade do caso e pressionando as autoridades por respostas concretas.
O caso de Ngange permanece sob investigação, e muitos esperam que ele se torne um ponto de inflexão para mudanças significativas nas práticas policiais no Brasil, especialmente no trato com minorias e grupos marginalizados.