Muito criticado pela extrema-direita, o sacerdote atua há mais de três décadas com direitos humanos e com a população em situação de vulnerabilidade social e econômica.
A polarização política tem fragilizado o cuidado com pessoas mais vulneráveis, e muitas atualmente vivem nas ruas, sem o olhar atento do Estado. A fome, a miséria, a falta de teto e de cuidados básicos como segurança e saúde reduzem a expectativa de vida da população, mas também matam sonhos, deixando muitos à mercê de um mercado econômico que só visa o lucro de grandes corporações.
Mas existem personalidades que se empenham em cuidar de quem precisa, e exemplos como o Padre Júlio Lancellotti preenchem de esperança e amor a vida daqueles que se tornaram invisíveis para a sociedade. Aos 74 anos, ele não demonstra querer parar de militar pelos direitos humanos, alimentando a população em situação de rua, mas também lidando com outras minorias que também precisam de atenção.
Trabalhando há mais de três décadas, o Padre Júlio Lancellotti fundou as Casas Vida I e II, pensadas originalmente para acolher crianças com portadoras do vírus HIV, e é vigário da Pastoral do Povo da Rua de São Paulo. “O movimento LGBT, a defesa dos trans, dos discriminados, dos presos, da população de rua – que é amálgama do que não se quer –, dos doentes, dos prostituídos, dos dependentes químicos. Enfim, desses que são considerados restos que incomodam os que sentam à mesa”, explica o sacerdote sobre sua área de atuação.
A fim de homenagear essa figura tão importante para o Brasil, separamos os 14 momentos em que o Padre Júlio Lancellotti inspirou quem estava a sua volta, mostrando que o amor, o perdão e a compaixão são necessários para uma comunidade de bem. Confira abaixo a lista:
1.Beijo nos pés de Sheila
Em 2016, na véspera da Páscoa, Padre Júlio Lancellotti surpreendeu os fiéis da igreja de São Miguel Arcanjo, na Mooca, em São Paulo, ao pedir perdão e beijar os pés de Sheila, uma transexual. Se desculpando pelo descaso e pela intolerância do cristianismo à comunidade LGBTQIA+, em especial à população trans, ele disse em uma entrevista ao jornal Extra que decidiu realizar o ato na frente de todos como forma de dar o exemplo de compaixão ao próximo.
Sabendo que Sheila era mais vulnerável que os demais presentes, e sempre censurada em qualquer espaço que tente ocupar, ele revela que quis demonstrar a todos os presentes que Deus a ama igualmente, uma mensagem que se estende a todas as pessoas. Por mais que a atitude tenha sido apenas para provocar amor, o padre chegou a receber ameaças de morte da extrema-direita conservadora.
2.Trabalho diário com população em situação de rua
Todos os dias, o Padre Júlio Lancellotti se dedica ao cuidado da população em situação de rua, oferecendo alimentação, água e, principalmente, acolhimento. Em múltiplas ocasiões, o sacerdote frisou que convive com essas pessoas, e que não devem ser vistas como uma parte de seu trabalho. Com refeições diárias, ele lutou principalmente na pandemia para auxiliar no cuidado de quem poderia morrer de fome, sofrendo os impactos do descaso da política atual.
3.Ajudou a formular o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
O Padre Júlio Lancellotti fundou a Pastoral das Crianças, e seu trabalho com crianças fez com que fosse convidado a integrar o time das pessoas que ajudaram a pensar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Em entrevista à Revista Educação, o sacerdote explica que uma das principais riquezas do documento está na construção em conjunto com as comunidades, dos agentes de pastoral, juristas e com a deputada federal Rita Camata, que foi quem apresentou o projeto.
Na constituinte de 88, Lancellotti lutou pela aprovação do artigo 227, que afirma que crianças e adolescentes são prioridade absoluta e também para manter a maioridade penal em 18 anos. Assim que esses artigos foram aprovados na Constituição Federal, o grupo foi para a lei ordinária, que é o ECA. Por mais que o estatuto seja um dos conjuntos de leis que protegem crianças e adolescentes mais completo do mundo, ainda assim foi combatido.
4.Eleito o Intelectual do Ano de 2022
O Padre Júlio Lancellotti foi eleito o intelectual brasileiro de 2022 no Prêmio Juca Pato, realizado pela União Brasileira dos Escritores. Isso porque os projetos em que o sacerdote está envolvido, que permeia a política e finda na sociedade, em busca de qualidade de vida para as pessoas vulneráveis, são bem-sucedidos.
5.Via Sacra das Rosas
A Via Sacra é uma encenação que relembra o caminho de Cristo ao Gólgota, onde foi crucificado, na primeira Sexta-Feira Santa. Em São Paulo, há mais de três décadas, a Pastoral do Povo de Rua de São Paulo realiza a Via Sacra do Povo de Rua de São Paulo, na ruas do centro da capital. Em 2018, o Padre Júlio Lancellotti caminhou ao lado de pessoas em situação de rua, entoando a frase: “Recebemos bombas, entregamos flores”, enquanto distribuíam rosas brancas a policiais e guardas municipais, pedindo por paz e menos violência policial.
6.Parcerias em trabalhos relevantes
Sempre em busca das melhores soluções que facilitem a vida das pessoas em situação de rua, Júlio trabalha ao lado de outros líderes religiosos, como o Sheikh Rodrigo Jalloul, primeiro brasileiro nato a se tornar clérigo xiita, que tem o sonho de criar o hábito da doação entre os muçulmanos.
7.Copa do Mundo do Povo de Rua
Segundo reportagem da Revista Piauí, durante a Copa do Mundo de 2014, a Pastoral de Rua criou um torneio entre os sem-teto, que usaram camisetas com a frase: “Povo da rua, primeiro eliminado da Copa”. Antes da realização dos jogos, ele participou ativamente das manifestações contra o evento no país, e em muitas ocasiões recebeu bomba de policiais como resposta.
8.Hábito de participar de manifestações
O Padre Júlio Lancellotti não fica sentado quando o assunto é defender os direitos das minorias, e se envolve em todas as manifestações e operações policiais conduzidas na capital paulista. Com o intuito de participar de eventos democráticos e denunciar qualquer abuso de poder e uso da violência, o sacerdote tenta alcançar um mundo mais progressista, onde os direitos humanos sejam verdadeiramente respeitados.
9.Refeições para população em situação de rua na pandemia
Por mais que fizesse parte do grupo de risco da Covid-19, assim que a pandemia estourou e o isolamento social passou a ser a única medida de controle eficaz da doença até que as vacinas fossem produzidas, o Padre Júlio não conseguiu assistir a população de rua completamente desolada, sem nenhuma assistência e alimentação, e partiu para as ruas para alimentar quantas vezes conseguisse diariamente, o máximo de pessoas possível.
10. Contra a arquitetura hostil
Com luta ativamente a favor da inclusão social, nada mais justo do que denunciar com frequência a arquitetura hostil das cidades, criada para afastar pessoas em situação de rua, fazendo com que não tenham locais seguros e com cobertura para dormir. Em diversas ocasiões, o sacerdote chamou voluntários para quebrar pedras embaixo de viadutos e remover grades e qualquer forma arquitetônica capaz de isolar ainda mais os cidadãos.
11. Luta para salvar pessoas do frio
Sempre que as ondas de frio invadem o país, as pessoas mais vulneráveis são as que encaram a miséria e não possuem casa para morar. Quantas vezes não vemos pessoas em situação completa de abandono social ao relento e pouco ou quase nada fazemos? Para o Padre Júlio Lancellotti essa é mais uma questão de extrema urgência, e no ano passado ele chegou a intervir em um caso de hipotermia nas ruas de São Paulo, conseguindo salvar o homem em situação de rua.
12. Criação das “Casas Vida”
Assim como dissemos no início do texto, o Padre Júlio Lancelloti lutou para proteger crianças portadoras do vírus HIV, apoiando e cuidando do estado de saúde delas. O projeto foi concebido em 1991 junto com outros religiosos, e as crianças que tinham perdido os pais ou foram abandonadas, eram acolhidas, recebiam afeto e podiam brincar livremente.
13. Lutou contra a tortura na Febem
Atualmente conhecida como Fundação Casa, Padre Júlio Lancelloti trabalhou durante muitos anos na Febem, que na década de 1970 era formada por crianças abandonadas e jovens infratores que era colocados sob custódia. Alguns desses locais eram descritos pelo sacerdote como campos de concentração, que em plena ditadura militar torturavam crianças. Naturalmente idealista, Júlio se esforçava o quanto podia para apurar e denunciar todos os casos que conseguisse, e sempre acabava recebendo apoio das pastorais sociais da Igreja Católica.
14. Luta contra a aporofobia
Basta analisar a história de vida do Padre Júlio Lancellotti para ter a certeza de que ele luta ativamente contra os maus-tratos que a população em extrema pobreza e vulnerabilidade sofre, sendo totalmente contrário a aporofobia, aversão, medo e desprezo por pessoas pobres. É por isso que ele não ajuda as pessoas em situação de vulnerabilidade, ele sempre faz questão de frisar que convive com elas.