A poetisa carioca faz sucesso até hoje com seus poemas, marcados pelos temas reflexivos, como tempo, amor, solidão, saudade e sofrimento.
Cecília Meireles é uma poetisa brasileira que nasceu em 1901, no Rio de Janeiro, que começou a trabalhar como professora primária quando tinha apenas 16 anos de idade. Responsável por uma poesia intimista, visceral e intensa, ela é considerada uma das maiores escritoras da literatura brasileira, e fez parte da segunda geração do modernismo.
Em seus poemas, todos muito musicais, era frequente falar sobre solidão, a passagem do tempo, o abandono, a efemeridade da vida e a perda. Durante a vida, Cecília Meireles passou pelo jornalismo, crônica, ensaio, poesia e literatura infantil, e até hoje é muito famosa pelo seu trabalho. Confira abaixo algumas poesias inesquecíveis dela!
1. Encomenda
“Desejo uma fotografia
como esta — o senhor vê? — como esta:
em que para sempre me ria
como um vestido de eterna festa.
Como tenho a testa sombria,
derrame luz na minha testa.
Deixe esta ruga, que me empresta
um certo ar de sabedoria.
Não meta fundos de floresta
nem de arbitrária fantasia…
Não… Neste espaço que ainda resta,
ponha uma cadeira vazia.”
- Biografias: Biografia de Bruno de Luca
Esse poema faz parte do livro “Vaga Música”, de 1942, e fala sobre as angústias, dores e medos do eu-lírico, que faz uma verdadeira busca dentro de si. O eu quer uma fotografia que seja alegre, como o que está mostrando ao fotógrafo. Com rimas, ele traz influência do simbolismo, e tem um tom sombrio, e apesar do eu-lírico aceitar a passagem do tempo, ele não pretende disfarçar seu sofrimento, assumindo sua solidão como as próprias rugas em seu rosto, representado pela cadeira vazia.
2. Retrato
“Eu não tinha este rosto de hoje,
Assim calmo, assim triste, assim magro,
Nem estes olhos tão vazios,
Nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
Tão paradas e frias e mortas;
Eu não tinha este coração
Que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
Tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdida
a minha face?”
O poema de Cecília Meireles é um retrato profundo do sujeito poético, com uma comparação entre o que aconteceu antes e como ele se encontra agora, no presente. Os versos se referem tanto à aparência física, como a angústia existencial interior, por causa da passagem do tempo e como algumas partes do seu corpo mudou, citando-as em seu relato. A solidão, a melancolia e a angústia estão presentes, até que no final, o eu-lírico percebe como mudou, sem saber identificar o que pode ter acontecido para isso acontecer.
3. Motivo
“Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.”
Este o primeiro poema do livro “Viagem”, de 1939, época do Modernismo, mostrando um processo de construção de si próprio, cheio de metalinguagem. Cecília Meireles descreve o eu-lírico com uma vida completa, suficiente, e que escrever fazia parte da sua ideia essencial de vida. Seus versos, com certo grau de melancolia, existencialismo e transitoriedade da vida, falam de ideias opostas, como a alegria e a tristeza, além de ser marcado por musicalidade também.
4. Interlúdio
“As palavras estão muito ditas
e o mundo muito pensado.
Fico ao teu lado.
Não me digas que há futuro
nem passado.
Deixa o presente — claro muro
sem coisas escritas.
Deixa o presente. Não fales,
Não me expliques o presente,
pois é tudo demasiado.
Em águas de eternamente,
o cometa dos meus males
afunda, desarvorado.
Fico ao teu lado.”
O poema fala sobre uma entrega de corpo e alma, no qual é muito importante para o eu-lírico viver e sentir o momento, sem se preocupar com o que já aconteceu ou o que irá acontecer. Sem se prender ao passado e ao futuro, ele quer refletir de maneira dramática sobre a própria vida. Além disso, apesar das hipóteses, tem a única certeza de que quer permanecer ao lado do amado.
5. A bailarina
“Esta menina
tão pequenina
quer ser bailarina.
Não conhece nem dó nem ré
mas sabe ficar na ponta do pé.
Não conhece nem mi nem fá
Mas inclina o corpo para cá e para lá
Não conhece nem lá nem si,
mas fecha os olhos e sorri.
Roda, roda, roda, com os bracinhos no ar
e não fica tonta nem sai do lugar.
Põe no cabelo uma estrela e um véu
e diz que caiu do céu.
Esta menina
tão pequenina
quer ser bailarina.
Mas depois esquece todas as danças,
e também quer dormir como as outras crianças.”
Este poema de Cecília Meireles está presente no livro infantil “Ou isto ou aquilo”, de 1964, e foi construído em versos livres e com forte musicalidade para atrair as crianças. Com uma graça particular, ele é leve e informal e tem uma sonoridade agradável. Além disso, na menina, vemos as angústias naturais de uma criança e seu sonho de ser bailarina, que mesmo não tendo conhecimento técnico para tal, imita as bailarinas profissionais, instigando a imaginação das outras crianças.
6. Despedida
“Por mim, e por vós, e por mais aquilo
que está onde as outras coisas nunca estão,
deixo o mar bravo e o céu tranquilo:
quero solidão.
Meu caminho é sem marcos nem paisagens.
E como o conheces? – me perguntarão.
– Por não ter palavras, por não ter imagens.
Nenhum inimigo e nenhum irmão.
Que procuras? – Tudo. Que desejas? – Nada.
Viajo sozinha com o meu coração.
Não ando perdida, mas desencontrada.
Levo o meu rumo na minha mão.
A memória voou da minha fronte.
Voou meu amor, minha imaginação…
Talvez eu morra antes do horizonte.
Memória, amor e o resto onde estarão?
Deixo aqui meu corpo, entre o sol e a terra.
(Beijo-te, corpo meu, todo desilusão!
Estandarte triste de uma estranha guerra…)
Quero solidão.”
Presente no livro “Flor de Poemas”, publicado em 1972, os versos desse poema mostram a procura do locutor pela solidão, que faz parte de um processo importante. Nele, o sentimento de solidão é uma paráfrase da vontade de morrer, que é expressada no fim dos versos. As dúvidas pairam no ar e mostra individualidade várias vezes ao longo do poema.
7. Ou isto ou aquilo
“Ou se tem chuva e não se tem sol,
ou se tem sol e não se tem chuva!
Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!
Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.
É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo nos dois lugares!
Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.
Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo…
e vivo escolhendo o dia inteiro!
Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranquilo.
Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.”
Voltada para o público infantil, esse poema de Cecília Meireles é um clássico, que deu nome ao livro que reúne 57 poemas da poetisa, em 1964. Ele fala sobre escolhas, bem como a indecisão, muito característica nas crianças. O eu-lírico mostra que escolher é sempre abrir mãe de algo em troca de outra coisa, e que não escolher também é uma escolha. Não é possível fugir das decisões do dia a dia, e ele deixa claro alguns exemplos práticos para ensinar essa lição.
8. As meninas
“Arabela
abria a janela.
Carolina
erguia a cortina.
E Maria
olhava e sorria:
“Bom dia!”
Arabela
foi sempre a mais bela.
Carolina,
a mais sábia menina.
E Maria
apenas sorria:
“Bom dia!”
Pensaremos em cada menina
que vivia naquela janela;
uma que se chamava Arabela,
uma que se chamou Carolina.
Mas a profunda saudade
é Maria, Maria, Maria,
que dizia com voz de amizade:
“Bom dia!””
Famoso e repleto de musicalidade, esse poema pertence ao livro infantil “Ou isto ou aquilo”, de 1964, que fala brevemente de três meninas, o que elas fazem e como cada uma é. Os versos cheios de rimas e repetições facilitam a leitura das crianças e as fazem ler e reler o poema várias vezes. Quanto às meninas, apesar de diferentes, tem ações simples e visuais, mas é Maria quem encanta com sua simplicidade e delicadeza.
9. Reinvenção
“A vida só é possível
reinventada.
Anda o sol pelas campinas
e passeia a mão dourada
pelas águas, pelas folhas…
Ah! tudo bolhas
que vem de fundas piscinas
de ilusionismo… — mais nada.
Mas a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.
Vem a lua, vem, retira
as algemas dos meus braços.
Projeto-me por espaços
cheios da tua Figura.
Tudo mentira! Mentira
da lua, na noite escura.
Não te encontro, não te alcanço…
Só — no tempo equilibrada,
desprendo-me do balanço
que além do tempo me leva.
Só — na treva,
fico: recebida e dada.
Porque a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.”
Esse poema de Cecília Meireles está presente no livro “Vaga Música”, de 1942, e tem rimas alternadas em três estrofes, enquanto o refrão não possui rimas. De maneira geral, ele mostra a necessidade de se olhar ao redor, com novas perspectivas, redescobrindo coisas. Além disso, a solidão característica da poetisa também está presente, ao mesmo tempo em que o eu-lírico tem consciência das dores da vida, mas tem esperança de um dia melhor.
10. Elegia
“Neste mês, as cigarras cantam
e os trovões caminham por cima da terra,
agarrados ao sol.
Neste mês, ao cair da tarde, a chuva corre pelas montanhas,
e depois a noite é mais clara,
e o canto dos grilos faz palpitar o cheiro molhado do chão.
Mas tudo é inútil,
porque os teus ouvidos estão como conchas vazias,
e a tua narina imóvel
não recebe mais notícias
do mundo que circula no vento.”
Dedicado à memória de Jacinta Garcia Benevides, a avó materna de Cecília Meireles, o poema mostra um mundo em seu funcionamento normal e cotidiano, mas no fim, é possível enxergar a ausência e o luto. Ele ajuda o eu-lírico a se libertar da dor, ao mesmo tempo em que também se encontra vazio sem a presença da pessoa amada.
11. Lua Adversa
“Tenho fases, como a lua.
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua…
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.
Fases que vão e vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.
E roda a melancolia
seu interminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases como a lua…)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua…
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu…”
Muito famoso, esse poema de Cecília Meireles fala sobre as diferentes fases do eu-lírico, que também acontece na vida das pessoas no geral. Comparando a vida com as fases da lua, o poema possui certa melancolia, além de figuras de linguagem, e traz também as oscilações, o isolamento e um destino não afirmativo.