Aos 44 anos, a artista Fernanda Rodrigues compartilhou que está distante do pai há mais de 30 anos. Em uma entrevista para o podcast “Quem Pode, Pod”, ela revelou que a relação entre os dois se desfez depois que ela encorajou sua mãe a se divorciar.
Eu nunca falo [dele]. Quando eu tinha 13 anos, minha mãe se separou porque eu falei para ela (…). Ela via que ele viajava muito, nunca estava presente, quando ele chegava, eu ficava doida para ele ir embora? e eu falei. No dia seguinte, ela se separou relatou.
Foi libertador, para nós [ela e a mãe] e para ele. Ele sumiu no mundo. Tive poucos contatos, eu encontrei ele umas quatro vezes, cinco Fernanda Rodrigues
Um número crescente de pessoas está limitando o contato ou se distanciando de seus familiares em busca de liberdade, para escapar de relacionamentos tóxicos ou em busca de apoio emocional.
Uma pesquisa conduzida pelo professor de sociologia Karl Andrew Pillemer, da Universidade de Cornell (EUA), e publicada em 2020 no livro “Fault Lines: Fractured Families and How to Mend Them”, revelou que, por exemplo, 65 milhões de americanos se afastaram de algum membro da família.
Essa parece ser também a situação no Brasil. Embora não haja uma pesquisa abrangente sobre o tema, profissionais da saúde mental observam que o rompimento com familiares está se tornando cada vez mais comum.
O desejo de se afastar surge da busca por liberdade, seja para escapar de relacionamentos tóxicos ou em busca de apoio emocional.
O afastamento familiar decorre principalmente dessa intransigência em aceitar o outro como ele é, com as suas escolhas pessoais, de religião ou por sua filiação política Larissa Alves Teixeira Castelo, especialista em terapia sistêmica familiar
Às vezes, afastar-se é solução para preservar saúde mental
A ideia de que a família é sagrada ou de que se deve permanecer nela por ter nascido nela ainda persiste. No entanto, está ocorrendo uma mudança; as escolhas individuais de cada pessoa devem ser levadas em conta.
Lúcia Freire, diretora do Cecaf (Centro de Estudos, Consultoria e Atendimento Familiar) de Recife (PE), argumenta que as agressões, de qualquer natureza, não devem ser minimizadas em nome da manutenção da unidade familiar.
Para ela, que coescreveu o livro “Terapia Familiar: Múltiplas Abordagens com Casais e Famílias”, o bem-estar mental do indivíduo deve ser colocado em primeiro lugar, e caso haja afastamento, a causa deve ser explorada na terapia.
Profissionais afirmam que é comum ocorrerem conflitos dentro de uma família e que o que mudou é a maneira como lidamos com eles.
Antigamente havia uma hierarquia de poderes, e isso foi sendo desconstruído ao longo do tempo. Hoje as relações são mais horizontais e o jovem se sente mais à vontade para contrariar os pais, por exemplo
Fabrício Rocha, doutorando e pesquisador do Núcleo de Pesquisa Dinâmica das Relações Familiares na UFRGS
Para Rocha, isso tem um aspecto bastante positivo, pois promove um equilíbrio nas relações e reduz a ocorrência de violência, tanto verbal quanto física.
Nossa geração já entende que bater em uma criança para educá-la não faz sentido, justamente por essa ideia de que todos somos iguais e merecemos respeito ressalta.
Os especialistas entrevistados afirmam que, embora a família tenha um papel crucial, é perfeitamente compreensível buscar pertencimento a um grupo onde se é acolhido, respeitado e amado.
Para eles, no entanto, antes de considerar a ruptura dos laços familiares, é fundamental, sempre que possível, buscar resolver os conflitos.
Na terapia familiar, os pacientes são levados a entender porque o outro pensa diferente e busca-se uma maneira para que possa haver o convívio respeitoso entre eles pontua Freire.
Quando questionada se perdoou o pai, Fernanda Rodrigues disse que sim:
Perdoei muito. Eu fui entender que era doído para ele. Se ele tivesse falecido, eu saberia. De vez em quando alguém fala alguma coisa.
Redução de danos
Diana Divecha, pesquisadora do Yale Center for Emotional Intelligence, desenvolveu orientações para aqueles que buscam resolver conflitos com membros da família:
Reconheça o erro. Inicialmente, procure compreender a dor que você causou. Não importa se foi intencional ou quais foram suas motivações. Este é o momento de desativar seu próprio sistema de defesa e focar em compreender e reconhecer a dor ou raiva da outra pessoa.
Demonstre arrependimento. Neste momento, um simples “sinto muito” é o bastante. Não há uma fórmula perfeita para um pedido de desculpas, desde que ele seja feito de uma maneira que reconheça a dor e busque a reconciliação. Existem diversas formas de pedir desculpas, com diferentes tons e qualidades.
Apresente seu ponto de vista. Se perceber que a outra pessoa está receptiva, pode dar uma breve explicação da sua perspectiva. Porém, é importante ter cautela, pois isso pode ser um terreno delicado.
Demonstre que você está comprometido em resolver o problema. Exponha sua sincera vontade de corrigir a situação e de evitar que ela se repita. Não se esqueça de perdoar a si mesmo também. O amor está na reparação.