Quando bloqueamos um contato do WhatsApp ou do Facebook , ofendemos e magoamos a pessoa bloqueada da mesma forma que se batêssemos a porta na cara. Não há tanta diferença assim. Como escreveu a psicóloga Rosely Sayão, muitos acham que cortesia e respeito são dispensáveis no meio virtual, como se não houvesse um ser humano por detrás do smartphone ou do notebook.
Sim, a série Black Mirror exibida pelo Netflix não mostra uma realidade futura. Ela fala sobre o presente com uma boa lente de aumento por cima. Tampouco, o tema central é a alta tecnologia em si, mas o que a alta tecnologia nos permite fazer de cruel.
No primeiro episódio da terceira temporada, provavelmente o mais emblemático, vemos uma protagonista lindinha no sentido mais politicamente correto da palavra, desesperada para obter likes, que recalca um ódio profundo para poder agradar a todos e se encaixar num sistema em que as pessoas precisam ser fúteis e falsas para se darem bem. Parece muito distante da nossa realidade das selfies, do eu sou mais eu, do pega, mas não se apega? Parece muito distante da nossa realidade com as ditaduras do pensamento positivo e do estilo de vida fitness?
Aparentar felicidade se tornou mais importante do que ser feliz. E se antigamente, a gente fotografava os momentos realmente memoráveis como uma festa de aniversário, um casamento, a reunião de amigos de longa data, um evento profissional, uma viagem para um lugar exótico, hoje muitos fotografam a própria imagem na frente do guarda-roupa do quarto.
O ser humano sempre ansiou e buscou por aprovação. As pessoas querem ser aceitas, elogiadas, notadas, queridas. E quando não existe nada de interessante para dizer ou mostrar, publica-se qualquer coisa. Além das selfies, outro recurso bem comum para chamar a atenção sem ter um conteúdo digno é dizer que levou um susto, que está arrasado, frustrado, mas sem dizer o porquê. Sem dizer o que motivou o susto, a tristeza , a frustração. É uma forma de atrair perguntas ansiosas, preocupadas, mesmo que falsamente preocupadas.
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É diferente de publicar, por exemplo, que está arrasado porque foi assaltado, que está frustrado pois não aguenta mais os escândalos políticos do país… Este tipo de postagem dá a oportunidade para as pessoas debaterem, trocarem ideias. Quando não se diz o porquê do sentimento, chama-se a atenção simplesmente.
Outro episódio de Black Mirror que vale a pena comentar é o quarto da segunda temporada , em que munidas por um minúsculo controle remoto, as pessoas podem se bloquear na vida real e no lugar do bloqueado, vê-se apenas um borrão e escuta-se um zumbido. Mais uma vez eu pergunto: é muito distante da nossa realidade?
Quando bloqueamos um contato do WhatsApp ou do Facebook, ofendemos e magoamos a pessoa bloqueada da mesma forma que se batêssemos a porta na cara. Não há tanta diferença assim. Como escreveu a psicóloga Rosely Sayão, muitos acham que cortesia e respeito são dispensáveis no meio virtual, como se não houvesse um ser humano por detrás do smartphone ou do notebook.
No segundo episódio da segunda temporada, já nos deparamos com pessoas que lutam bravamente para conseguirem um lugar nas mídias e desta forma terem uma vida com mais prestígio e um trabalho mais light. Alguma novidade até este ponto? E quando não se consegue a vaga desejada, topa-se pegar outra colocação mesmo que vá contra os valores mais pessoais.
Neste episódio, as pessoas simplesmente trabalham no sentido de produzir. Não no sentido de se realizarem. Neste episódio, quem se diverte são os avatares das pessoas enquanto as pessoas passam seu pequeno tempo livre em quartos minúsculos. Soa familiar? Trabalhamos cada vez mais, moramos em lugares cada vez menores e somos muito mais expressivos nas redes sociais do que no dia.
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Sim, Black Mirror não é futurista, não é ficção científica. É a nossa realidade. É a vida centrada na tela escura do smartphone.