O vídeo em que o Dalai Lama dá um selinho forçado em um menino e pede para que ele “chupe” sua língua, durante um evento público, colocou em debate a credibilidade do guia espiritual dos budistas tibetanos e personalidade adorada no Ocidente.
Seus apoiadores alegaram que foi uma brincadeira e que mostrar a língua é uma tradição tibetana.
O líder dos tibetanos no exílio, Penpa Tsering, e seu antecessor, o também refugiado tibetano Lobsang Sangay, afirmaram que esticar a língua é uma das formas de saudação no Tibete. Ambos defenderam o Dalai Lama na última quinta-feira (14).
Há de fato registros de que estirar a língua para fora, o que em muitos países demonstra ofensa e desprezo, é uma saudação e demonstração de respeito no Tibete – região na China de onde o Dalai Lama, atualmente exilado na Índia, provém.
A prática de mostrar a língua, de acordo com um estudo da pesquisadora de arte asiática Julia White, da Universidade da Califórnia, é uma tradição na região do século IX.
“De acordo com o folclore tibetano, um rei cruel do século XIX tinha uma língua negra, então as pessoas estiravam a língua para mostrar que não eram como ele, e nem sua reencarnação”, relata o estudo.
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Mas não há registros de que tocar ou chupar a língua alheia, como pediu o Dalai Lama a uma criança, seja um hábito ou brincadeira comum no Tibete.
E, segundo o maior templo budista da América Latina, o Zu Lai, de São Paulo, os preceitos da religião não permite sequer o toque em outras pessoas. O Zu Lai ressalva não pertencer a nenhuma escola de budismo tibetano.
Abuso de crianças é comum na Índia
O Dalai Lama vive atualmente em Dharmsala, no norte da Índia, onde ele estabeleceu um governo tibetano no exílio – ele se refugiou para a região após uma revolta fracassada contra a China pelo controle do Tibete, onde o líder budista governava.
Portanto, atualmente ele responde às leis da Índia, onde ocorreu, também, o evento gravado em vídeo no qual o Dalai Lama beija um menino.
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Procurada pelo g1, a Promotoria indiana disse que ainda não há investigação aberta sobre o caso e, por enquanto, nem previsão para isso.
O abuso e a violência sexual contra crianças são práticas comuns em várias regiões da Índia. De acordo com um estudo da Comissão Nacional para a Proteção dos Direitos das Crianças, do governo indiano, cerca de 55% das crianças indianas já sofreram algum tipo de abuso (o que também inclui casos de estupro).
“Escudo moral”
Visto como uma espécie de referência da paz e sabedoria por parte dos ocidentais – ele recebeu o Nobel da Paz em 1989 –, o Dalai Lama tem uma série de livros de autoajuda que chegaram aos topos de listas de mais vendidos em países da Europa e nos Estados Unidos.
“O Dalai Lama é um escudo moral do Ocidente contra uma China opressora. É uma pedra no xadrez geopolítico”, disse o professor Elias Kalhil Jabour, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).
“É injustificável o Ocidente tentar relativizar essa cena, que é reprovável sob qualquer código ético e moral.”
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Jabour, que fez pesquisas no Tibete, afirmou ainda que os tibetanos não gostam do líder espiritual. “Eles têm a referência de um sistema que mutilava e torturava as pessoas e restringia a liberdade das mulheres”, completou o professor, em referência ao período em que o Dalai Lama governava a região.
Mas por que, então o Dalai Lama pediu a uma criança que chupasse sua língua em um evento público e sabendo que estava sendo filmado?
Não há respostas claras até o momento – o próprio Dalai Lama, através de sua conta no Twitter – disse apenas se desculpar se suas palavras ofenderam a família do menino ou outras pessoas, e só mencionou um abraço, sem qualquer referência ao beijo ou à língua.
Aliados defendem líder
Ao longo da semana, representantes tibetanos no exílio – que também vivem em Dharmsala, no norte da Índia – saíram em defesa do Dalai Lama.
O deputado tibetano Dawa Tsering defendeu o Dalai Lama e chamou o beijo forçado de “brincadeira”. “É tudo parte de uma brincadeira com uma criança. Não devemos ir além disso”, declarou, em entrevista à rede Al-Jazeera.
Se você presenciar um episódio de violência contra crianças ou adolescentes, denuncie o quanto antes através do número 100, que está disponível todos os dias, em qualquer horário, seja através de ligação ou dos aplicativos WhatsApp e Telegram.
O mesmo número também atende denúncias sobre pessoas idosas, mulheres, pessoas com deficiência, pessoas em restrição de liberdade, comunidade LGBT e população em situação de rua. Além de denúncias de discriminação étnica ou racial e violência contra ciganos, quilombolas, indígenas e outras comunidades tradicionais.
Também é possível denunciar casos de maus-tratos e negligência a crianças e adolescentes nos Conselhos Tutelares, Polícias Civil e Militar e ao Ministério Público, bem como através dos números Disque 181, estadual; e Disque 156, municipal.