Gostaria muito de espiar alguns dos textos dos quase 3 milhões de jovens que, no último domingo, 05, foram surpreendidos pelo tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
Os estudantes foram desafiados a escrever sobre o trabalho invisível realizado por um exército de mulheres que desempenham um papel crucial no cuidado da família.
O tema pode ter pego alguns estudantes de surpresa, mas a questão em si não é estranha. Aos candidatos do Enem, bastaria olhar para dentro de seus próprios lares e refletir sobre a desigualdade entre homens e mulheres no que diz respeito ao tempo dedicado às tarefas domésticas e ao cuidado da família.
Por mais que esse trabalho seja invisível, é facilmente perceptível que as mulheres são as principais responsáveis por cuidar de tudo, mesmo quando são a principal provedora do lar.
Isso implica horas incontáveis dedicadas a tarefas domésticas, como limpeza, preparação de refeições, lavagem e organização das roupas da família.
![Como seria o mundo se o cuidado não fosse exercido só por mulheres? Como Seria O Mundo Se O Cuidado Não Fosse Exercido Só Por Mulheres?](https://osegredo.com.br/wp-content/uploads/2023/11/Design-sem-nome-2023-11-08T091752.465.png.webp)
Além disso, elas precisam encontrar tempo para fazer compras, comparecer a consultas médicas e resolver questões relacionadas à saúde da família. Que mulher não está familiarizada com essa rotina que consome grande parte de seu dia?
A ONG Think Olga, dedicada ao estudo e sensibilização da sociedade em questões de gênero, calcula que, se somarmos o tempo que todas as mulheres em todo o mundo dedicam ao trabalho não remunerado de cuidado, o total alcançaria quase 13 bilhões de horas diárias.
Você pode imaginar o impacto econômico dessa contribuição “voluntária”? Isso representa quase US$ 11 trilhões de dólares anualmente, uma quantia superior à gerada pelas empresas de tecnologia no Vale do Silício, na Califórnia, que incluem a Apple, Google, Uber e Facebook.
Isso nos leva à conclusão de que, se as responsabilidades de cuidado fossem distribuídas de maneira mais equitativa entre os gêneros, o cenário seria substancialmente diferente.
As mulheres não apenas teriam menos exaustão e melhor preservação de sua saúde mental, mas também obteriam remunerações mais justas em profissões relacionadas ao cuidado.
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Atividades predominantemente desempenhadas por mulheres, como diaristas, babás, enfermeiras, cuidadoras e professoras, foram, ao longo dos séculos, frequentemente vistas como uma extensão das tarefas domésticas.
A lógica predominante há muito tempo sustentou que, se as mulheres cuidam tão bem dos filhos e da família, não haveria pessoas melhores para cuidar dos filhos e das famílias dos outros.
A elas foi atribuída a responsabilidade de desempenhar tarefas que, de alguma forma, foram “destinadas” a elas, como se o ato de cuidar fosse inerente à natureza feminina.
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Portanto, por que remunerá-las adequadamente? Como poderíamos colocar um preço no afeto, esse sentimento que parece abundar nas mulheres? Essa conveniência foi introduzida pelo patriarcado em sua narrativa há muito tempo.
Em 24 de outubro de 1975, as mulheres da Islândia demonstraram sua força ao cruzarem os braços em busca de igualdade de direitos e equidade salarial.
Nesse dia, as islandesas decidiram que não trabalhariam nem cuidariam das tarefas domésticas, deixando seus parceiros responsáveis pelo cuidado dos filhos. O resultado foi um caos na rotina do país.
As escolas não funcionaram devido à predominância de professoras do sexo feminino. Os voos nos aeroportos foram cancelados, pois as companhias aéreas não dispunham de profissionais para substituir as comissárias de bordo.
![Como seria o mundo se o cuidado não fosse exercido só por mulheres?](https://osegredo.com.br/wp-content/uploads/2023/11/Design-sem-nome-2023-11-08T092114.682.png.webp)
Homens tiveram que levar seus filhos ao trabalho, resultando em uma redução na produtividade. Lojas tiveram que operar com capacidade reduzida devido à escassez de vendedoras. Para agravar a situação, os supermercados da Islândia registraram um aumento nas vendas de salsichas.
Por meio da redação do Enem, talvez uma geração de jovens possa realizar reflexões mais profundas sobre os efeitos prejudiciais do trabalho invisível que afeta as mulheres em todo o mundo.
Esse tempo precioso, frequentemente solitário, poderia ser empregado de maneiras mais significativas, em vez de aprisioná-las. O tempo livre poderia ser a chave para transformar a realidade de milhões de mulheres em todo o mundo.