O amor romântico é carregado de expectativas, idealizações e ideias que algumas vezes fogem da realidade. Isso não o impede de ser o objetivo final milhões de pessoas em todo o mundo, mas nos últimos tempos vários homens e mulheres têm despertado para o fato de que pode ter mais na vida do que só esse tipo de amor romântico, e estão dispostos a trocar os relacionamentos sérios por uma nova construção de vida.
A psicanalista Regina Navarro Lins, autora de “Novas Formas de Amar” disse em entrevista ao Folha, que a ideia de amor romântico se trata de uma “concepção cultural” que permeia a nossa sociedade nos últimos séculos, mas que a sua existência pode estar com os dias contados.
Ao que tudo indica, a sociedade está cada vez menos disposta a acreditar no “príncipe encantado”, na “mulher perfeita”, e até mesmo na “alma gêmea”. Essas pessoas feitas sob medida para nós, que em algum momento entrarão em nossas vidas e acabarão com os problemas estão se tornando um mito.
Um exemplo disso são as pessoas que nunca tiveram um relacionamento e não sentem a necessidade de ter um parceiro do lado para completar as suas vidas, e até mesmo aqueles que escolheram deixar uma relação séria para explorar o mundo e viver novas experiências de vida.
A geração, especialmente de mulheres, que passou toda a adolescência e começo da vida adulta romantizando relacionamentos e idealizando a vida a dois, influenciada pelos livros e filmes de romance, está começando a acordar para uma nova fase da vida.
Seja pelas suas próprias experiências com o amor romântico, pelas notícias e pelos relacionamentos falidos de outras pessoas, essa geração agora está mais focada em viver a sua própria vida e fazer tudo aquilo que deseja do que esperar pela pessoa certa e achar que o amor romântico é a solução para todos os seus vazios e problemas.
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Essas pessoas enxergam o amor romântico com um olhar mais crítico. Ao invés de uma “salvação” e uma maneira digna e feliz de viver, elas questionam se esse tipo de amor não é apenas uma forma de economizar nas contas, proteger os seus bens, de manter a família feliz e satisfazer as expectativas da sociedade.
Isso sem contar a monogamia, que cada vez mais tem sido vista como uma forma de reprimir e controlar as mulheres.
O problema com a concepção de amor romântico atual, segundo essas pessoas, é que ele não está pautado no respeito a individualidade. Em uma sociedade onde buscamos explorar as nossas forças, desenvolver novas habilidades e conquistar uma vida verdadeiramente plena, esse tipo de amor parece nos prender a apenas uma pessoa, limitando as opções de evolução e felicidade.
O amor romântico é tão essencial assim?
![Desistir de viver um amor romântico é realmente ruim?](https://osegredo.com.br/wp-content/uploads/2024/02/1-desistir-de-viver-um-amor-romantico-e-realmente-ruim.jpg.webp)
Essa pergunta tem se tornado mais comum especialmente entre as mulheres, que são as mais afetadas com um tipo de amor romântico onde são tratadas como frágeis, inferiores, e sempre em busca de um príncipe que as escolha entre todas as outras opções, libertando-as das mazelas e garantindo um final feliz para a sua história.
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Será que o amor romântico é tão imprescindível para uma vida feliz e realizada, ou é apenas algo que a sociedade nos impôs ao longo dos anos?
A obra “Antropologia do Amor – Do Oriente ao Ocidente“, de Josefina Pimenta Lobato, traz um conhecimento interessante sobre a realidade da Europa durante o início da Idade Moderna. Naquela época, segundo Lobato, sentimentos de paixão eram tidos como algo indispensável para conquistar um casamento feliz e uma vida plena.
Dentro desse novo padrão de pensamento, várias coisas que eram tidas como normais naquela época, como por exemplo os pais escolherem os parceiros românticos dos seus filhos, passaram a ser vistos de uma forma negativa. O objetivo final era encontrar um amor maior do que tudo, que não se dobrasse às normas da sociedade e que durasse até o final de ambas as vidas.
Mas segundo Lobato, esse tipo de amor romântico onde o casal é obrigado a manter o seu sentimento com a mesma intensidade até o final da vida também não se sustenta, isso porque vai contra a própria natureza efêmera do amor apaixonado.
É aqui que a famosa frase de Charles Bukowski passa a fazer ainda mais sentido: “Como pode dizer que ama uma pessoa quando há dez mil outras no mundo que você amaria mais se conhecesse? Mas a gente nunca conhece”.
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Para as muitas pessoas que já desistiram do amor romântico, muitas vezes os relacionamentos entre casais não são necessariamente motivados pelo sentimento de amor, mas sim pelo “Fomo” (‘fear of missing out’, sigla em inglês para o medo de ficar de fora). Vemos tantos casais aparentemente felizes e bem-sucedidos que nos convencemos de que também precisamos encontrar a nossa metade da laranja.
A fisioterapeuta Milene Martins, também ouvida pelo Folha, afirmou que não tem desejo ou paciência para buscar um amor romântico com quem construir uma vida. E tudo isso começou com uma necessidade de proteção contra a rejeição.
Além de precisar lidar com a separação dos pais, que aconteceu quando ainda era bebê, ela também passou por maus bocados na época da escola. Ela era vista como o patinho feio da turma, e isso a colocava constantemente como alvo de atitudes maldosas.
Os anos se passaram, mas as implicâncias continuaram. Por conta disso, Milene não teve uma vida amorosa movimentada. Quando se envolveu com um rapaz, não durou muito tempo para que os ataques começassem. As pessoas a apelidaram de Dragão e o rapaz de São Jorge. Esses e outros episódios cobraram um preço muito alto da sua autoestima.
Atualmente, ela enxerga as coisas que viveu como uma forma de salvação para o desejo do amor na vida adulta. Quanto mais observa as decepções que os seus amigos em relacionamentos românticos passam, mais se assegura de que tomou a decisão certa.
Milene afirmou que conhece poucos casais que realmente têm uma vida legal juntos, e que ela não quer esse tipo de desgaste mental em sua própria vida, ainda que incentive os amigos a ter um amor romântico.
Afinal, desistir de um amor romântico é ruim?
Todos os dias somos bombardeados de publicações nas redes sociais que mostram que todos conseguem fazer o amor romântico funcionar, menos nós. Mas como sabemos, isso não é necessariamente verdade.
O professor do Instituto de Psicologia da USP, Christian Dunker, defende que a maturidade passou longe do conceito de romantismo, porque ele defende um tipo de amor que no dia a dia é inviável.
E também por conta disso, esse tipo de amor, que consiste em casamento e filhos, tem sido fortemente substituído pela construção de vidas mais individuais, porém mais completas para cada indivíduo.
O foco agora não é mais na busca pela outra metade, mais sim pelo sucesso na carreira, pela construção de amizades duradouras, pelas viagens, tempo pessoal e amor próprio, quem têm tanto potencial de nos fazer felizes e completos quanto um relacionamento romântico.
Desistir de viver um amor romântico não é necessariamente ruim. Mas não é que não precisamos de amor, apenas precisamos encarar esse sentimento de forma madura e realista, sabendo reconhecer quando as coisas não deram certo e seguir em frente, sem idealizações.
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