Um número recorde de 123 milhões de telespectadores americanos sintonizaram este ano para assistir ao Super Bowl, o evento final da principal liga de futebol americano dos Estados Unidos.
Além de testemunhar o maior evento esportivo do país e um espetáculo de grande porte no intervalo, bem como várias aparições de Taylor Swift entre a multidão, eles também foram expostos a seis comerciais de 30 segundos da Temu – uma empresa chinesa de comércio eletrônico.
Descrita como uma fusão entre Shopee e Shein, a empresa estaria se preparando para entrar no mercado brasileiro ainda neste semestre, de acordo com informações do site Exame Insight, vinculado à revista Exame, e do colunista Lauro Jardim, do jornal O Globo.
A BBC News Brasil procurou a Temu para comentar sobre sua possível entrada no mercado brasileiro, mas não recebeu resposta até a publicação desta matéria.
A grande varejista chinesa tem sido alvo de críticas de políticos no Reino Unido e nos EUA – uma investigação do governo americano concluiu que há um “risco extremamente alto” de que os produtos vendidos pela Temu possam ter sido fabricados por meio de trabalho semelhante à escravidão.
A Temu afirma que “proíbe rigorosamente” o uso de trabalho forçado, penal ou infantil por parte de todos os seus fornecedores.
Lançada nos EUA em 2022 e posteriormente no Reino Unido e em outras partes do mundo, a empresa vende uma variedade de produtos – de roupas a eletrônicos e móveis.
Desde então, tem se mantido no topo dos rankings globais de downloads de aplicativos, com quase 152 milhões de americanos utilizando a plataforma mensalmente, de acordo com dados da ferramenta de análise SimilarWeb.
É a Amazon com esteroides diz Neil Saunders
Sob o lema “compre como um bilionário”, a plataforma ganhou enorme popularidade, atendendo clientes em aproximadamente 50 países ao redor do globo.
![Por que Temu se tornou uma ameaça para gigantes do varejo como Shopee, Shein e Amazon](https://osegredo.com.br/wp-content/uploads/2024/03/tamu_propaganda.jpg.webp)
Estratégia de Marketing
Durante o Super Bowl deste ano, a Temu investiu em seis comerciais de 30 segundos, que custam aproximadamente US$ 7 milhões (R$ 35 milhões) cada.
É muito dinheiro para um comercial muito curto diz Saunders
Mas ele é visto por um número enorme de pessoas e sabemos que depois daquele comercial os downloads da Temu dispararam acrescenta
De acordo com os dados da SimilarWeb, houve um aumento de quase 25% no número de visitantes únicos da plataforma durante o dia do Super Bowl em comparação com o domingo anterior, totalizando 8,2 milhões de pessoas navegando no site e no aplicativo da Temu.
Nesse mesmo período, as visitas ao site da Amazon e do eBay diminuíram em 5% e 2%, respectivamente.
Eles também gastaram muito dinheiro em micromarketing, convencendo influenciadores a promover produtos e sugerir compras na plataforma por meio de redes sociais como TikTok e YouTube diz Saunders
Ines Durand, especialista em comércio eletrônico da SimilarWeb, aponta que esses influenciadores geralmente possuem menos de 10 mil seguidores.
Os microinfluenciadores têm comunidades fortes, por isso seu apoio significa uma forte confiança nestes produtos explica ela
A Temu é controlada pela grande empresa chinesa Pinduoduo Holdings, descrita por Shaun Rein, fundador do China Market Research Group, como “um gigante do comércio eletrônico na China”.
Em toda a China, todos compram produtos na Pinduoduo, desde caixinhas de som até camisetas ou meias diz ele
Do Fabricante ao Consumidor
![Por que Temu se tornou uma ameaça para gigantes do varejo como Shopee, Shein e Amazon](https://osegredo.com.br/wp-content/uploads/2024/03/aviao_carga.jpg.webp)
A Temu rivaliza com a Alibaba pela posição de empresa chinesa mais valiosa listada na bolsa de valores dos EUA.
Atualmente, sua avaliação está um pouco abaixo de US$ 150 bilhões (R$ 750 bilhões – para referência, a Petrobras, a empresa mais valiosa da bolsa brasileira, está avaliada em cerca de R$ 478 bilhões).
Com uma base de consumidores sólida na China, a Pinduoduo Holdings expandiu seus horizontes para o mercado internacional através da Temu, seguindo o mesmo modelo que impulsionou seu sucesso anterior.
De acordo com Rein, residente em Xangai, a empresa tornou-se uma fonte significativa de orgulho e patriotismo.
Eles [os chineses] estão orgulhosos de que as empresas chinesas possam matar os dragões do comércio eletrônico dos Estados Unidos, como a Amazon afirma
Ao navegar rapidamente pelo aplicativo ou site da Temu, é possível encontrar uma ampla gama de produtos, desde tênis com biqueira de aço até dispositivos projetados para auxiliar idosos e mulheres grávidas a colocar meias. Segundo Rein, essa coleção diversificada de produtos manufaturados é principalmente proveniente de fábricas na China.
A Temu usa um sistema incrível baseado na coleta de dados em grande escala diz Ines Durand
Eles coletam dados sobre tendências de consumo, os produtos mais pesquisados e clicados, e fornecem [essas informações] aos fabricantes individuais.
Segundo Durand, enquanto a Amazon cobra um alto preço pelos dados dos fabricantes, a Temu fornece essas informações gratuitamente aos produtores. Isso permite que eles “testem o mercado” com um número reduzido de produtos.
A plataforma utiliza imagens geradas por inteligência artificial para acompanhar as últimas tendências, o que significa que o produto disponível para venda pode ainda não existir, como explicou Durand.
Esses produtos são então enviados aos consumidores por via aérea.
Isso significa que os produtos não precisam ser armazenados. Eles não precisam ir para estoques, uma vez que são enviados de avião, vão direto para o cliente diz Ines Durand
Disparidade Tributária
Um terço dos pacotes que chegaram aos Estados Unidos no ano passado, explorando uma disparidade tributária, eram provenientes da Temu e de sua concorrente Shein, conforme relatório do Congresso norte-americano.
Vários países estabelecem um limite para isenção de impostos em compras internacionais, visando facilitar a importação de bens pelos cidadãos.
No Brasil, essa questão se tornou controversa durante a campanha de varejistas locais por igualdade tributária com plataformas asiáticas como Shein e Shopee.
Essas empresas se aproveitam de uma isenção de impostos para compras de até US$ 50, originalmente destinada apenas a remessas entre pessoas físicas.
O setor varejista brasileiro pede o fim dessa isenção, porém isso gera críticas de consumidores atraídos pelos preços baixos das lojas virtuais asiáticas.
A Temu, que envia seus produtos diretamente das fábricas aos consumidores, eliminando intermediários, beneficia-se de vantagens semelhantes nos mercados dos Estados Unidos e do Reino Unido.
Entretanto, é possível que novas regulamentações estejam surgindo para fechar brechas no comércio internacional, como aponta Mickey Diaz, diretora de operações da empresa global de frete Unique Logistics.
O Reino Unido já começou a olhar para a Temu com algum escrutínio, incluindo a venda de armas que de outra forma não seriam permitidas no Reino Unido, que estavam sendo importadas devido a essas brechas explica ela
Trabalho
A Temu tem sido alvo de críticas relacionadas às suas cadeias de fornecimento, com políticos do Reino Unido e dos Estados Unidos acusando a gigante do comércio eletrônico de permitir a venda de produtos em seu site que foram fabricados com trabalho semelhante à escravidão.
No ano passado, a deputada britânica Alicia Kearns, líder do comitê seletivo de relações exteriores, expressou à BBC a necessidade de uma investigação mais rigorosa do marketplace online para assegurar que “os consumidores não estejam inadvertidamente financiando genocídios, como o dos uigures”.
Kearns, que pertence ao Partido Conservador do Reino Unido, referia-se às alegações de violações dos direitos humanos cometidas pelo governo chinês contra os uigures e outras minorias étnicas e religiosas.
Por sua vez, a Temu afirma “proibir estritamente” o uso de trabalho forçado, penal ou infantil por parte de todos os seus fornecedores.
A empresa também comunicou à BBC que exige que todos os seus parceiros comerciais “respeitem todos os padrões regulatórios e requisitos de conformidade”.
Os comerciantes, fornecedores e outros terceiros devem pagar seus funcionários e contratados em dia e cumprir todas as leis locais aplicáveis sobre salários e horários disse um porta-voz da varejista
Nossos padrões e práticas atuais não são diferentes de outras grandes plataformas de comércio eletrônico em que os consumidores confiam, e as alegações a esse respeito são completamente infundadas acrescentou o representante
Apesar das controvérsias, analistas preveem um crescimento ainda maior para a Temu.
Provavelmente veremos as equipes começarem ampliar sua oferta, talvez apostando em alguns produtos com preços ligeiramente mais elevados prevê o analista de varejo Neil Saunders
De acordo com Shaun Reid, o objetivo é ampliar ainda mais a participação da empresa no mercado.
Nos próximos dois ou três anos, a estratégia deles será apenas aumentar o reconhecimento da marca e a participação no mercado. Eles não se importam com os lucros afirma
Foi exatamente isso que aconteceu com a Pinduoduo quando foi lançada na China. Eles estavam oferecendo produtos incrivelmente baratos apenas para conquistar participação de mercado.