Oi, pai, como cê tá? Espero que bem. A sua dor nas costas passou? A fisioterapia está dando resultado? Espero que sim.
Sabe, pai, eu queria te dizer umas coisas olhando nos seus olhos, mas ironicamente, você que sempre foi tão frio está vivendo no lado quente enquanto eu estou tentando me virar no lado de cá – na cidade mais caótica do país.
Durante um bom tempo – quase a minha vida toda – eu tentei encontrar um motivo que justificasse a sua desistência, a sua falta de interesse em saber como a minha vida caminhava. Eu me olhava no espelho e não via nada feio, nada que repelisse seu afeto, nenhum indício de que eu tinha feito algo de errado. NADA, pai! Você não estava lá e eu não entendia o porquê.
Você perdeu todos os momentos que transformaram a menina medrosa em MULHER. A sua ausência te privou da metamorfose difícil que eu sofri, mas que foi de suma importância pra formar o ser que sou hoje.
Aos treze, pai, eu precisei lidar com os desafios de viver numa cidade nova. As pessoas tiravam sarro de mim constantemente. Riam do meu sotaque, das roupas que eu vestia, do meu jeito desengonçado, da minha timidez. Na primeira semana, eu quis me trancar em casa, mas na subsequente, enfrentei todos eles e continuei vivendo sem permitir que as pessoas me menosprezassem.
Aos quinze, quebraram o meu coração pela primeira vez e mesmo sem você lá perguntando quem foi o monstro que machucou sua princesa, eu me curei.
Aos dezessete conseguiu um emprego. Fiquei tão feliz, sabe?
Aos dezenove entrei na faculdade que me custava todo o dinheiro daquele emprego que eu arrumei.
Aos 21 eu me formei. Foi lindo! Eu vesti uma beca azul, eu subi num salto quinze, eu estava maravilhosa. A minha mãe estava na primeira fileira da plateia em prantos, não parava de tirar fotos minhas. A cadeira ao lado dela não estava vazia, na verdade ela nem existia – eu parei de te esperar.
Aos 24 eu decidi esquecer. Eu cansei de andar por aí com os olhos vermelhos e nariz entupido. Eu parei de imaginar como teria sido a minha vida se você tivesse sido o herói. As lágrimas cessaram quando me dei conta do quão patético é chorar por alguém que não está nem aí pra mim, sabe? Eu esqueci tudo de ruim que me prendia e não me deixava seguir. Eu desatei o nó que enforcava o meu coração. Abandonei as mágoas e é por isso que eu estou te escrevendo, pra dizer: tá tudo bem, pai.
Não precisa me ligar a cada seis meses – motivado pelo peso na consciência – pra reclamar das costas e perguntar se eu já acabei aquele curso lá, sério, tá tudo bem. Fico feliz por você ter mudado, por ter largado o álcool, os jogos, a vida promíscua. Fico feliz por você ter se reestruturado, por ter construído uma nova família e, sobretudo, fico feliz em saber que sua filha mais nova não vai passar pelo que eu passei – amadurei cedo demais, pai, foi bom pra mim, mas doeu demais.
Se o destino for generoso com a gente e se houver tempo, você ainda poderá me conduzir até o altar. Poderá brincar de Vôzão com os filhos que eu terei, ou se eu tiver sorte, nos encontraremos no lançamento de um possível livro. Nos abraçaremos enquanto as pessoas a nossa volta emocionadas, notarão que essa não é só mais uma história que escrevi – é a NOSSA HISTÓRIA.
Com amor e sem ressentimentos,
Rani / passarinho, como você costumava me chamar…