Eu já acordei com 80 anos, e olha, é curioso ter 80.
É assim: primeiro você descobre que o tempo de fato passou. O corpo dói. É preciso buscar em si, um traço, fios ou corte de cabelo, um dente, qualquer coisa que lembre quem você foi um dia! Definitivamente o espelho não nos ajuda.
O tempo também não colabora, parece que ele está sempre acabando antes do que o previsto. A ampulheta dispara e a areia escorre mais depressa. A espinha se arrepia de saudades de quem a gente já foi, do que passou, de quem não volta mais. Parece que as lembranças unem-se e impõem-se a cada minuto. Os movimentos são lentos e o som parece que tem eco.
Mas existe algo muito bom nos 80: A sabedoria.
É por isso que quando a situação fica muito difícil, peço a Deus para voltar a ter 80. Pra acordar sabendo que o vento está assoviando pra avisar que vai chover, que quando meu filho chega pisando macio, brigou com a mulher, que quando a vizinha da esquerda chora baixinho, voltou da visita ao filho preso.
Para saber que o fermento que não espuma não deixa o bolo crescer, que molhar a forma evita que a massa transborde, que pau que nasce torto nunca se endireita, que Deus faz, Deus junta! Enfim, ter paz, para aceitar a vida como ela é.
Decididamente o dia em que acordei com 80 anos foi um dos dias mais felizes da minha vida. Não pense que eu me senti apenas conformada e triste. Senti-me viva, sábia e à frente de muita gente.
Gente mesquinha, que acha que pode ser jovem eternamente, que pode prender as pessoas, manipular sentimentos, forjar amores, impor condições, ser superior! Gente que tem muito, mas não tem nada e talvez nunca terá, nem aos 80, duas coisas: sabedoria e paz.
Ter 80 foi incrível. Pena que não é todo dia!
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