Jeander Vinícius da Silva Braga, preso na sexta-feira (2) pelo assassinato do ator Jeff Machado, relatou à polícia que o produtor Bruno de Souza Rodrigues, também acusado pelo crime e atualmente foragido desde quinta-feira (1º), dopou os oito cães de Jeff ao deixar a residência com o corpo da vítima em um baú.
Inicialmente, em seu primeiro depoimento à polícia, Jeander afirmou que um miliciano conhecido apenas como Marcelo foi o responsável pelo assassinato do ator, uma hipótese que já havia sido descartada pela polícia antes de sua prisão. Agora, o garoto de programa, que também exerce as profissões de padeiro e pedreiro, negou a existência de Marcelo.
O G1 também teve acesso às conversas relacionadas aos cães que, de acordo com a polícia, foram trocadas entre Bruno e Diego Machado, irmão da vítima, pelo WhatsApp de Jeff. As mensagens, sempre em formato de texto, foram trocadas no início de fevereiro, quando alguns dos cães já haviam sido encontrados.
O destino dos setters
Durante seu depoimento, Jeander revelou que, em 25 de janeiro, dois dias após tê-los dopado, Bruno o chamou para levar os cachorros a um terreiro desativado em Santa Cruz. O produtor havia contratado um serviço de “táxi dog” para o transporte.
Esse terreiro pertencia a Jorge Augusto Barbosa Pereira, um pai de santo e ex-namorado de Jeander, que foi ouvido como testemunha. Jorge informou à polícia que, alguns dias depois, recebeu uma reclamação de uma vizinha sobre o barulho dos latidos dos cães e o odor fecal, então entrou em contato com Jeander para resolver a situação.
A polícia acredita que Bruno abriu o portão do terreiro e provocou os cães para que saíssem.
ONG descobriu de quem eram
O primeiro cão resgatado, em 30 de janeiro, foi o setter Cazuza – todos os cães tinham nomes de ídolos da MPB. O animal, bastante exausto, vagava por Santa Cruz e chamou a atenção de uma moradora, que acionou a ONG Indefesos.
No dia seguinte, em 31 de janeiro, outro cão de Jeff, Vinícius de Moraes, foi encontrado em condições semelhantes às de Cazuza, também em Santa Cruz. Em 1º de fevereiro, Nando Reis e Tim Maia foram localizados, o que levantou suspeitas sobre o “abandono” de setters em Santa Cruz.
Uma amiga da ONG informou em sua página que essa raça é restrita no Brasil e que os criadores costumam utilizar chips de identificação nos animais.
Foi assim que se descobriu a identidade do dono dos quatro cães: todos eles pertenciam ao ator Jeff Machado. Ele passou a ser procurado para resgatar os animais ou ser responsabilizado pelo abandono.
Em 3 de fevereiro, foram encontradas as cadelas Elis Regina, em Paciência, também na Zona Oeste, e Rita Lee, infelizmente sem vida, vítima de atropelamento no mesmo bairro.
No dia 4, foi a vez de Caetano Veloso ser localizado em Campo Grande, o mesmo bairro onde o corpo de Jeff foi encontrado. O animal estava gravemente ferido. Gilberto Gil nunca foi localizado.
Com a repercussão do caso, que inicialmente era tratado como abandono, Bruno começou a se comunicar com o irmão da vítima, tentando se passar por Jeff.
Na história inventada, o ator afirmava estar em São Paulo gravando.
Os diálogos
“Os bichos que estão me deixando preocupados, porque 4 fugiram. Aí tô aqui, mas com a cabeça lá”, escreveu Bruno, fingindo ser Jeff, em 2 de fevereiro.
“Tomei a pior atitude pra vir pra SP e tô sendo massacrado no RJ. Vontade de largar tudo aqui e voltar pra vida triste que tinha lá. Só pra não ficarem me acusando de abandono de animal”, continuou.
“Não faz isso, nego. Segue o teu caminho. Pedra vai ter sempre”, respondeu Diego.
“Estão me acusando de abandono, estão falando em processo. Vou ignorar”, acrescentou Bruno. Diego concordou: “Não dá ibope!”
No dia seguinte, em 3 de fevereiro, o falso Jeff envia outra mensagem para o irmão: “A pressão do RJ tá grande. Se entrarem em contato com a mãe, você acalma ela, pra não ficar preocupada”, pede. “Diz a ela que falou comigo e que eu tô bem.”
“Respira”, responde Diego. “Vai dar tudo certo. Controla tuas emoções. É hora de controlar tudo isso”, aconselha.
À tarde, Diego pergunta: “Jeff, consegue me ligar? Tais aonde? Preciso falar contigo.”
Bruno desconversa. “Assim que acalmar aqui eu tento. Tá tudo bem?”, diz ele, afirmando estar “em São Paulo”, “no estúdio”, “trabalhando com produção e marketing”. “Quando sair te ligo”, promete.
Minutos depois, o falso Jeff alega que seu “celular caiu na privada” e que ele “não consegue escutar nada direito”.
“Só te peço pra blindar a mãe, pra ela não ficar preocupada. Ela me ligou várias vezes e eu estava megaocupado”, pede a Diego.
“Não vou admitir que acreditem que abandonei meus cachorros. Se ela perguntar se falou comigo, diz que falamos sim, que conseguiu falar comigo por ligação. Avisa que no final de semana do dia 11 [de fevereiro] estarei no RJ”, afirma o falso Jeff.
Mais tarde, Diego menciona que Patrícia Triacca, criadora de setters e amiga de Jeff, iniciou uma mobilização para salvar os cães do ator.
“Por favor, se falar com essa maluca da Patrícia, diz a ela que conseguiu falar comigo por telefone, que tô bem e que volto dia 11”, escreve Bruno.
“Ela está pedindo dinheiro”, responde Diego.
“Eu mando pra eles. Se puder me ajudar, faz só isso por favor. Já vai me ajudar muito”, continua o falso Jeff.
Diego concorda em pagar R$ 800 e ser reembolsado.
Horas depois, ainda no dia 3 de fevereiro, Diego muda o tom da conversa ao saber do estado precário dos setters.
“Estão perguntando se tais normal. Só falo contigo se me ligar. É sério. Eles não estão brincando, ONG envolvida. Se não dar satisfação eles podem ir na sua casa. Você está jogando tudo fora. Elas dizem que tem provas que você abandonou. Isso é verdade?”
“Não deixa a mãe saber de nada. Não quero ela mal. Não quero ela passando mal por minha causa”, responde o falso Jeff.
O irmão responde: Jeff, deu! Quando puder, me liga. Teus cachorros nessa situação e você aí? Eles querem te pegar. Acabasse com tua carreira!”
No final da noite, como o irmão não recebeu uma ligação, Diego envia mais mensagens. “Jeff, por favor cara, o que você quer da gente? Para nem da satisfação? Até amanhã, se você não ligar, vou acionar a polícia e estou indo até o Rio”, diz ele.
“Deixa o telefone pra tocar. Eu vou sair e vou te ligar. Prometo de verdade”, responde Bruno.
No dia 4 de fevereiro, Diego vai à polícia para registrar um boletim de ocorrência de desaparecimento – e Bruno o acompanha.
“Tem noção que ele foi comigo à delegacia para registrar a queixa? E que ele sabia o tempo todo onde o Jeff estava? Que Jeff dizia que ele era o melhor amigo dele, e ele teve o carão de entrar com a gente lá? É muita crueldade e frieza”, disse Diego Machado ao g1.
“Ele conversava com a mãe, mentiu e mentiu muito. Disse que pegou dinheiro para ração dos cães. Eu mandava dinheiro para cuidar dos cachorros, quando eles foram aparecendo. Disse que Jeff tinha HIV, tenho exames do Jeff aqui, não tem nada disso”, acrescentou indignado.
A descoberta dos cães abandonados em bairros da Zona Oeste foi crucial para a família acabar com as dúvidas de que não era Jeff quem estava se comunicando com eles pelo WhatsApp.
A mãe do ator, Maria das Dores, já suspeitava do modo como a pessoa se expressava, mas não tinha como provar que não era seu filho e que ele estava realmente desaparecido. O abandono dos cães foi uma prova fundamental para a polícia iniciar a busca por Jeff, considerando o dia 28 de janeiro como a data de seu desaparecimento.
O abandono dos cães pela Zona Oeste também indicou uma direção de onde Jeff poderia estar.