O ato da leitura, independente do gênero literário que você goste, está muito longe de ser encarado como somente um hobby. Pesquisas apontam que o exercício constante da leitura tem ajudado inúmeros pacientes com problemas de saúde mental.
Debruçar-se sobre um bom livro, traz inúmeros benefícios para a saúde e os pesquisadores têm se voltado a entender como a leitura atua no córtex pré-frontal, bem como a leitura pode propiciar uma expectativa de vida mais longa.
Estudos recentes, segundo o site Psychology Today, sugerem que pacientes que fizeram uso da biblioterapia junto com a terapia cognitivo-comportamental têm tido uma melhor resposta ao período de luto. Outros estudos apontam uma melhoria nos sintomas depressivos em pacientes que foram operados, bem como também ajudaram a diminuir os sintomas cognitivos e emocionais em pacientes com demência.
Além dos benefícios para adultos, crianças também podem ter uma melhoria no aprendizado da leitura. Por ser um gênero literário relativamente fácil, os textos curtos terminam fazendo com que as crianças consigam descobrir a riqueza e a liberdade da nossa linguagem.
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Ainda há quem diga que os poetas são uma raça quase em extinção, dado sua maior sensibilidade em transcrever sentimentos em textos, que podem, ou não, seguir regras de ritmo, como os sonetos, ou simplesmente ser escrito de maneira livre e rebelde.
Para que você possa iniciar a leitura desse gênero textual literário, nós d’O Segredo trouxemos alguns poemas para ajudar sua incursão nesse universo maravilhoso. Devido a questões autorais, nos reservamos os direitos de publicar apenas trechos das obras, mas você pode buscar mais trabalhos dos autores na internet ou em livrarias.
Carlos Drummond de Andrade – “A Máquina do Mundo”
Sem dúvida, “A Máquina do Mundo” é considerado como um dos maiores poemas e obra-prima do escritor mineiro. Drummond, segundo o Brasil Escola, faz parte da segunda fase do modernismo brasileiro, que durou entre 1930 a 1945.
Dividido em seis partes, “Claro Enigma” foi publicado em 1951 como um livro de poesias. O poema “A Máquina do Mundo” trata sobre a vida moderna.
E como eu palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco
se misturasse ao som de meus sapatos
que era pausado e seco; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas
lentamente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,
a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.
Abriu-se majestosa e circunspecta,
sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável
pelas pupilas gastas na inspeção
contínua e dolorosa do deserto,
e pela mente exausta de mentar
toda uma realidade que transcende
a própria imagem sua debuxada
no rosto do mistério, nos abismos.
- Biografias: Warwick Estevam Kerr: o brasileiro que criou abelhas assassinas e transformou a apicultura
Abriu-se em calma pura, e convidando
quantos sentidos e intuições restavam
a quem de os ter usado os já perdera
e nem desejaria recobrá-los,
se em vão e para sempre repetimos
os mesmos sem roteiro tristes périplos,
convidando-os a todos, em coorte,
a se aplicarem sobre o pasto inédito
da natureza mítica das coisas.
Manuel Bandeira – “Vou-me Embora para Pasárgada”
O pernambucano fez parte da primeira geração modernista do Brasil. Em suas obras, é possível identificar referências ao parnasianismo, simbolismo e concretismo. Uma das características da primeira geração modernista brasileira é a liberdade de criação e a aproximação entre a fala e a escrita, além de elementos regionalistas.
“Vou-me Embora para Pasárgada” faz parte de “Libertinagem”, de 1930, onde o poeta conseguiu reinventar o lirismo. Segundo o Guia do Estudante, Bandeira consegue trabalhar, em versos livres, o coloquial com uma simplicidade proposital.
O autor entrou para a Academia Brasileira de Letras em 1940.
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d’água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcaloide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.
Ferreira Gullar – “Poema Sujo”
Ferreira Gullar, pseudônimo de José Ribamar Ferreira, foi um dos maiores expoentes do neoconcretismo. “Poema Sujo”, segundo a Enciclopédia Itaú Cultural, foi escrita durante seu exílio em Buenos Aires, Argentina, em 1975.
Em seu trabalho é possível ver a necessidade do poeta em resgatar uma “vida vivida”, onde ele apela às recordações de São Luís, cidade onde nasceu e que cimenta a memória afetiva e social.
turvo turvo
a turva
mão do sopro
contra o muro
escuro
menos menos
menos que escuro
menos que mole e duro
menos que fosso e muro: menos que furo
escuro
mais que escuro:
claro
como água? como pluma?
claro mais que claro claro: coisa alguma
e tudo
(ou quase)
um bicho que o universo fabrica
e vem sonhando desde as entranhas
azul
era o gato
azul
era o galo
azul
o cavalo
azul
teu cu
tua gengiva igual a tua bocetinha
que parecia sorrir entre as folhas de
banana entre os cheiros de flor
e bosta de porco aberta como
uma boca do corpo
(não como a tua boca de palavras) como uma
entrada para
eu não sabia tu
não sabias
fazer girar a vida
com seu montão de estrelas e oceano
entrando-nos em ti
bela bela
mais que bela
mas como era o nome dela?
Não era Helena nem Vera
nem Nara nem Gabriela
nem Tereza nem Maria
Seu nome seu nome era…
Perdeu-se na carne fria
perdeu na confusão de tanta noite e tanto dia
Vinícius de Moraes – “Soneto da Felicidade”
Vinícius de Moraes dispensa qualquer tipo de apresentação. O autor foi considerado um dos artistas mais completos do século XX, dada à sua vasta obra, como é também um dos mais lembrados e homenageados até hoje.
O carioca não só ficou no âmbito literário, como criou, também, várias músicas memoráveis, participando ativamente da Música Popular Brasileira (MPB) em seu início. Entre suas obras, também estão “Garota de Ipanema”, que se tornou um dos símbolos da Bossa Nova.
Boa parte da obra do “poetinha”, segundo o Brasil Escola, tem a temática do amor, das mulheres, dos amigos e até arriscando alguns temas nacionais.
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
Olavo Bilac – “Via Láctea”
O carioca foi um dos perseguidos por Floriano Peixoto devido ao seu jornalismo político, e sendo preso em 1892, como também um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras.
Considerado como “Príncipe dos Poetas”, boa parte de sua obra é marcada pelo sentimentalismo e, segundo o Brasil Escola, o jornalista foi um dos poetas mais famosos do século XX, tendo se vinculado ao parnasianismo brasileiro, que tinha como características a objetividade, o descritivismo e o rigor formal, que presa pela metrificação e pelas rimas.
“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto…
E conversamos toda a noite, enquanto
A Via Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”
E eu vos direi: “Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas.”
João Cabral de Melo Neto – “O Cão Sem Plumas”
Considerado um dos maiores intelectuais de seu tempo, João Cabral de Melo Neto prezava muito pelo cálculo e a objetividade em seu trabalho com os versos. Devido a essa característica, acabou sendo chamado de “poeta-engenheiro”.
O brasileiro, segundo o Brasil Escola, foi o primeiro a ganhar o Prêmio Camões e é considerado, até hoje, um dos maiores poetas da literatura nacional. Sua obra se caracteriza pela tendência surrealista, mas depois acabou tomando forma própria e racional. Seu trabalho rejeita a sentimentalidade, trabalhando mais a favor da reflexão crítica.
A cidade é passada pelo rio
como uma rua
é passada por um cachorro;
uma fruta
por uma espada.
O rio ora lembrava
a língua mansa de um cão
ora o ventre triste de um cão,
ora o outro rio
de aquoso pano sujo
dos olhos de um cão.
Aquele rio
era como um cão sem plumas.
Nada sabia da chuva azul,
da fonte cor-de-rosa,
da água do copo de água,
da água de cântaro,
dos peixes de água,
da brisa na água.
Sabia dos caranguejos
de lodo e ferrugem.
Sabia da lama
como de uma mucosa.
Devia saber dos povos.
Sabia seguramente
da mulher febril que habita as ostras.
Aquele rio
jamais se abre aos peixes,
ao brilho,
à inquietação de faca
que há nos peixes.
Jamais se abre em peixes.
Gonçalves Dias – “Canção do Exílio”
Um dos trabalhos mais famosos do brasileiro, traz à tona a saudade de quem está longe de seu país. O Brasil é construído como um lugar paradisíaco, onde existe a nostalgia e o forte desejo de retorno.
“Canção do Exílio” foi escrita por Gonçalves Dias enquanto ele estava em Portugal, em 1846. À época, ele recebeu forte influência do trabalho de Friedrich Schiller. Fez parte da primeira geração do Romantismo brasileiro.
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar — sozinho, à noite —
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Augusto dos Anjos – “As Cismas do Destino”
Talvez o autor seja um dos mais lidos e mais reeditados até hoje no Brasil. Considerado como o mais sombrio de todos os poetas brasileiros, Augusto dos Anjos tem somente um livro de poemas e não se encaixa em nenhuma escola literária.
Seu trabalho faz alusão a uma onda de pessimismo, onde ele expõe todos seus sentimentos viscerais em poesias consideradas “violentas” para alguns. Por mais que ele tenha recebido influência do Simbolismo, segundo o Brasil Escola, o autor tem um trabalho que se aproxima muito da obra de Arthur Schopenhauer.
Após sua morte, Olavo Bilac, famoso à época, conheceu a obra do paraibano de Sapé, e ao ouvir um de seus trabalhos disse: “Fez bem em morrer, não se perde grande coisa”.
Recife. Ponte Buarque de Macedo.
Eu, indo em direção à casa do Agra,
Assombrado com a minha sombra magra,
Pensava no Destino, e tinha medo!
Na austera abóbada alta o fósforo alvo
Das estrelas luzia… O calçamento
Sáxeo, de asfalto rijo, atro e vidrento,
Copiava a polidez de um crânio calvo.
Lembro-me bem. A ponte era comprida,
E a minha sombra enorme enchia a ponte,
Como uma pele de rinoceronte
Estendida por toda a minha vida!
A noite fecundava o ovo dos vícios
Animais. Do carvão da treva imensa
Caía um ar danado de doença
Sobre a cara geral dos edifícios!
Tal uma horda feroz de cães famintos,
Atravessando uma estação deserta,
Uivava dentro do eu, com a boca aberta,
A matilha espantada dos instintos!
Era como se, na alma da cidade,
Profundamente lúbrica e revolta,
Mostrando as carnes, uma besta solta
Soltasse o berro da animalidade.
E aprofundando o raciocínio obscuro,
Eu vi, então, à luz de áureos reflexos,
O trabalho genésico dos sexos,
Fazendo à noite os homens do Futuro.
Raimundo Correia – “As Pombas”
Considerado como um dos maiores destaques do parnasianismo brasileiro, a crítica especializada considera o poema “As Pombas” como uma das maiores obras-primas do autor.
Segundo o Brasil Escola, Raimundo Correia foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira de número 5.
Vai-se a primeira pomba despertada…
Vai-se outra mais… mais outra… enfim dezenas
De pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada.
E à tarde, quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada.
Também dos corações onde abotoam,
Os sonhos, um por um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais;
No azul da adolescência as asas soltam,
Fogem… Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles aos corações não voltam mais.
Jorge de Lima – “Invenção de Orfeu”
Classificado como um dos maiores projetos ambiciosos e ousados da literatura brasileira, “Invenção de Orfeu” conta a história de uma “mal dormida viagem”. Seus 11 mil versos se dividem em dez cantos, uma alusão direta a “Os Lusíadas”, de Luís de Camões, segundo a Enciclopédia Itaú Cultural.
A obra de Jorge de Lima trabalha o misticismo, as recordações da infância e possui uma forte influência da cultura negra. Tendo em um princípio forte influência do parnasianismo e do simbolismo, posteriormente Jorge de Lima terminou aderindo ao modernismo.
1.
Um barão assinalado
sem brasão, sem gume e fama
cumpre apenas o seu fado:
amar, louvar sua dama,
dia e noite navegar,
que é de aquém e de além-mar
a ilha que busca e amor que ama.
Nobre apenas de memórias,
vai lembrando de seus dias,
dias que são as histórias,
histórias que são porfias
de passados e futuros,
naufrágios e outros apuros,
descobertas e alegrias.
Alegrias descobertas
ou mesmo achadas, lá vão
a todas as naus alertas
de vaia mastreação,
mastros que apoiam caminhos
a países de outros vinhos.
Está é a ébria embarcação.
Barão ébrio, mas barão,
de manchas condecorado;
entre o mar, o céu e o chão
fala sem ser escutado
a peixes, homens e aves,
bocas e bicos, com chaves,
e ele sem chaves na mão.
2.
A ilha ninguém achou
porque todos o sabíamos.
Mesmo nos olhos havia
uma clara geografia.
Mesmo nesse fim de mar
qualquer ilha se encontrava,
mesmo sem mar e sem fim,
mesmo sem terra e sem mim.
Mesmo sem naus e sem rumos,
mesmo sem vagas e areias,
há sempre um copo de mar
para um homem navegar.
Nem achada e nem não vista
nem descrita nem viagem,
há aventuras de partidas
porém nunca acontecidas.
Chegados nunca chegamos
eu e a ilha movediça.
Móvel terra, céu incerto,
mundo jamais descoberto.
Indícios de canibais,
sinais de céu e sargaços,
aqui um mundo escondido
geme num búzio perdido.
Rosa-de-ventos na testa,
maré rasa, aljofre, pérolas,
domingos de pascoelas.
E esse veleiro sem velas!
Afinal: ilha de praias.
Quereis outros achamentos
além dessas ventanias
tão tristes, tão alegrias?