Martinho da Vila, aos 86 anos, revela em uma entrevista à revista Veja seus próximos passos na carreira e suas reflexões sobre a vida e a arte.
Com um novo show em mente, o icônico sambista planeja uma celebração alegre, repleta de convidados, incluindo alguns de seus filhos, apesar da agenda atribulada e da idade avançada.
Vai ser um show alegre, com convidados, alguns dos meus filhos. Queria fazer um dia só, porque também estou com agenda complicada e agora também diminuí bastante minhas atividades. Já estou com 86, devia estar aposentado, trabalho desde cedo. Eu sempre falo: ‘vou dar um tempo agora’. Mas a pessoa mais idosa é que nem um carro velho, não pode deixar parado na garagem, porque quando for ligar não anda (risos).
Sobre seu próximo álbum, ele compartilha sua hesitação inicial, mas cede à pressão da gravadora, prometendo uma abordagem inovadora com violões e cavaquinhos, afastando-se do tradicional chorinho.
Já gravei muitos discos, não queria mais, mas não tenho palavra. A gravadora pediu um disco novo e falei: ‘ninguém mais está fazendo disco, fazem uma, duas músicas e colocam na internet’. E eles: ‘faz, a gente de dois em dois meses vai promover uma música’. Já fiz mais de 50 discos, tinha que fazer algo diferente. Vão ser violões e cavaquinhos, mas nada de chorinho. A intenção era fazer nova leitura de músicas que já gravei, sambas ritmados, com muitos instrumentos. Por isso o violão e o cavaquinho, quem gosta de poesia vai curtir mais.
Além disso, discute sua visão sobre a Academia Brasileira de Letras, ponderando sobre uma possível candidatura e sua percepção das dinâmicas internas da instituição.
Não [me candidataria de novo], eu gostaria de fazer parte, mas cheguei à conclusão, observando, que não adianta se candidatar. Ninguém deve se candidatar à Academia, porque a diretoria da casa de Machado de Assis se reúne e cada um tem um candidato que gostaria de colocar. A diretoria escolhe um e manda ele se candidatar. Ele já vai se candidatar absoluto.
Ele afirma, entretanto, que aceitaria integrar a ABL se recebesse um convite:
Lá tem os intelectuais para trocar ideias, conversar. É sempre bom trocar figurinha. A Academia foi fundada por um negro e na história da academia poucos tiveram acesso. Sou ligado aos movimentos negros e eles dizem: ‘você tem que ir para lá, temos que ocupar os espaços’. Mas não estou pensando nisso agora não.
Por fim, Martinho aborda uma recente polêmica envolvendo a cantora Ludmilla e questões de intolerância religiosa, oferecendo sua perspectiva pessoal sobre a fé e a coexistência religiosa.
Ludmilla não entende muito desse assunto de religiões africanas. Essa frase: “Só Jesus expulsa o Tranca Rua das pessoas”. Tranca Rua é Exu. No passado, Exu era visto como o demônio pelas pessoas. E não é assim, Exu é mensageiro. Nós, católicos, temos anjo-da-guarda; e nós, da religião africana, temos Exu. Pegou mal. Parava por aí: “só Jesus salva”, na fala dos evangélicos. Sou religioso, acordo todos os dias e falo: “Salve Jesus, Saravá meus orixás”. Misturo tudo. E vamos levando, devagar e sempre.
Ludmilla enfrentou acusações de intolerância religiosa por exibir no telão a frase “Só Jesus expulsa o Tranca-Rua das pessoas”.