Enquanto a cultura do Hip-Hop celebra seu jubileu de ouro, a Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) realiza uma conquista sem precedentes ao conceder o título de doutor honoris causa a Pedro Paulo Soares Pereira, conhecido como Mano Brown, líder do Racionais MC’s, um grupo de rap de destaque no Brasil.
Originários do Capão Redondo, região sul de São Paulo, e composto por Mano Brown, Ice Blue, Edi Rock e KL Jay, os Racionais atingem 35 anos de trajetória, desempenhando um papel crucial na difusão do rap e na disseminação da cultura hip hop.
Na manhã desta quarta-feira (16), a concessão da honraria foi aprovada de forma unânime durante a reunião do Conselho Universitário. O parecer apresentado destaca Mano Brown como uma figura singular e detalha seu papel crucial na cultura brasileira, principalmente entre os jovens.
Muitos deles, mesmo alheios ao sistema educacional formal, encontram nas letras do rap uma compreensão da realidade das periferias do Brasil, além de incentivos para confrontar as desigualdades e retomar os estudos.
A atribuição do título honoris causa (expressão latina que significa “por causa da honra”) é uma tradição universitária que visa reconhecer o notável conhecimento e as relevantes contribuições nos campos acadêmico, humanístico e social para a sociedade, bem como para o progresso do país em várias esferas.
A sugestão de conceder o título a Mano Brown partiu da pró-reitoria de Extensão e Cultura da UFSB, reconhecendo a relevância desse artista que vai além do hip hop e do rap, sendo elogiado por sua autenticidade e por dar voz às comunidades periféricas.
Natural do próprio Capão Redondo, Brown nasceu há 53 anos e possui raízes nordestinas. Sua mãe, Dona Ana Soares, que faleceu em 2016, era natural de Riachão do Jacuípe, localizado a 186 km de Salvador, enquanto seu avô materno era da região da Chapada Diamantina.
Músicas de Mano Brown estimulam a autoestima e engajamento político
Richard Santos, doutor em Ciências Sociais e pró-reitor de Extensão e Cultura da UFSB, demonstrou grande entusiasmo pela proposta:
“Esse reconhecimento é totalmente merecido por Mano Brown, ao mesmo tempo, não é exclusivo, é algo que diz respeito à importância do hip-hop, ao seu legado e às possibilidades que antes não tínhamos nem em nossos sonhos”, observou.
Nascido no Rio de Janeiro, Richard Santos é um dos precursores da cultura hip-hop no Brasil. Reconhecido como o rapper Big Richard, ele atuou como cantor e produtor musical, além de ter levado o rap para a televisão entre o final dos anos 1990 e o início dos anos 2000.
Richard Santos acumulou vivências em diferentes emissoras, incluindo MTV, Bandeirantes, Rede Record (nas séries “Turma do Gueto” e “Domingo da Gente”), Rede Globo (no quadro “Nós Na Fita” do programa “Fantástico”), e, por fim, como apresentador dos programas “Paratodos” e “Caminhos da Reportagem” na TV Brasil. Sua trajetória o tornou um dos poucos negros a liderar atrações na televisão aberta.
“Uma titulação como essa não é algo único e individual. Não é para quem recebe, no caso o Pedro Paulo, Mano Brown, não é para quem reconhece a importância dele como artista e liderança. É algo que aponta para a importância do que o Hip Hop nos tem deixado de legado ao longo dos anos, a identidade das periferias e a possibilidade do sonho diante de tanta miséria e sufocamento”, enfatizou Richard Santos, professor da UFSB e escritor.
Comandando o programa Evolução Hip-Hop, transmitido há 16 anos pela rádio Educadora FM da Bahia, Hamilton Oliveira, popularmente conhecido como DJ Branco, dedica 23 anos de sua vida ao movimento hip hop, promovendo sua cultura e trabalhando para exaltar essa expressão. Em sua participação na coluna, ele também celebrou o título honorífico que será conferido a Mano Brown.
“Já estava mais do que na hora de reconhecer a contribuição de Mano Brown no processo educativo de crianças, jovens e adultos das periferias. Brown sempre foi um professor, com ensinamentos a partir das suas letras. São músicas de resgate da autoestima, que provocam para a transformação social e para o engajamento político e que contribui para o empoderamento dos jovens”, comemorou Dj Branco.
Segundo o DJ, inúmeros artistas provenientes das comunidades periféricas do Brasil, não apenas do rap, mas de diversos gêneros musicais, conseguiram ultrapassar as estatísticas da violência e das desigualdades, construíram suas trajetórias, alcançaram reconhecimento em múltiplas esferas e, tudo isso, influenciados pelas letras de Mano Brown.
“Além dos artistas, muitos pretos e pretas, que sofrem pelo racismo e pela falta de oportunidades foram estimulados aos estudos e ingressaram na universidade por conta das músicas dos Racionais. Eu posso dizer que só estou vivo hoje, graças à música rap, graças aos Racionais, graças a Mano Brown”, encerrou DJ Branco, fundador em 2021 da Casa do Hip Hop da Bahia, localizada no Pelourinho, no Centro Histórico de Salvador.
Podcast mais ouvido do país
O parecer que passou pela análise do Conselho Universitário enfatizou as significativas contribuições de Brown para a educação no Brasil, seja por intermédio de suas composições musicais ou por meio de projetos especiais, como a série de Podcast “Mano a Mano”. Nesta série, ele conduz entrevistas com figuras destacadas das áreas de artes e política do país, promovendo diálogos francos e diretos sobre os desafios enfrentados pela nação.
O Podcast “Mano a Mano” alcançou um feito notável ao se tornar a produção original mais ouvida no Brasil na plataforma Spotify em 2022.
“Quando a Universidade se propõe a conceder o título de doutor honoris causa ao cidadão que provoca o questionamento da identidade através da apropriação da pedagogia da mídia, ela trata de abordar uma política na educação que é parte desta história humana”, ressalta o comunicado, redigido pelo professor doutor Francisco Nascimento, decano da UFSB.
Se o título for aceito, a cerimônia de concessão da honra ocorrerá em uma sessão solene marcada para o mês de novembro.
Hip Hop como Patrimônio Imaterial do Brasil
No começo de agosto, o vice-presidente do Brasil, Geraldo Alckmin, compartilhou um vídeo em que usava um boné de hip hop para celebrar o 50º aniversário desse movimento global. Durante essa ocasião, Alckmin recebeu membros da Construção Nacional do Hip Hop em seu gabinete. O grupo busca a aprovação de um decreto nacional para o reconhecimento e promoção da cultura hip hop no país.
“A reunião com o vice-presidente reforçou o diálogo que tem sido feito desde o início deste ano com o governo federal, por meio de vários ministérios, como Cultura, Educação, Justiça e Direitos Humanos, em busca de políticas públicas que fortaleçam as ações de educação e cultura que o movimento hip hop desenvolve nas periferias do Brasil”, explicou DJ Branco à coluna UOL.
Ele relata que um dossiê foi elaborado e enviado ao IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) com o propósito de pleitear o reconhecimento do hip hop como patrimônio imaterial do Brasil.
Agora, com um doutor honrado pela academia, a cultura hip hop recebe um reforço adicional para assegurar o merecido reconhecimento por seus serviços à cultura e à sociedade brasileira.