Se perguntarmos para muitos dos leitores qual o lugar lhes traz mais memórias afetivas, boa parte deles responderá que é a cozinha.
Os odores, sabores e a constância à mesa serão as referências. Pode ser a cozinha da própria casa, da avó, de tios distantes. Porém, se a pergunta for quanto ao móvel que traz esta lembrança afetiva, a mesa será a campeã.
Acredito que muitos têm boas histórias para contar cujo enredo se dá em torno de uma mesa. Nem sempre pela comida farta, pratos luxuosos ou requintados. Todo mundo tem uma história de pão com ovo, uma sopa ou qualquer coisa tão simples quanto, aquecendo o coração.
A memória de estar ao redor da mesa da cozinha enquanto se aguardava a comida, se escolhia o arroz ou se assistia a mágica da mistura de farinha, ovos, sal e leite e dali surgirem bolos e doces.
Outros devem ter memórias do tempo em que se divertiam com os amigos à mesa em um jogo de baralho ou mesmo de tabuleiro. Aquele tempo que passavam sem que ninguém desse conta do adiantado da hora. Lembrança de gente rindo; do blefe; do grito de truco. Ou ainda dos amigos sisudos concentrados nas cartas até que um dos jogadores desanda com o jogo ao fazer uma piada da situação.
Quem nunca esteve numa mesa a dois, mãos dadas sobre ela, quase repetindo a cena de ‘A dama e o vagabundo’, como o casal canino dividindo a macarronada e terminando em um beijo por estarem comendo o mesmo fio de macarrão?
Não precisa haver velas, guardanapos de tecido e flor de centro. Apenas amor. Amor,carinho e unidade representados na fartura de conversa olho no olho, solta e franca, entremeada de risada, projetos e dedicação integral um ao outro.
Há quem possa mencionar ainda as memórias criadas em torno de mesas de bar, confraternizando com os amigos. Lembranças muitas vezes impublicáveis, mas que ganham ares de lenda, pois são recontadas e recriadas em todos os encontros depois de certo tempo de amizade com reverência e solenidade, ainda que seu conteúdo possa ser “proibido para menores”.
Minhas melhores lembranças de família são em torno de mesas. Ainda que estivéssemos sentados na cozinha bebendo água. Não era pela comida. Era pelo poder agregador que ela trazia. A possibilidade de se colocar os cotovelos nela e poder segurar o queixo com as mãos enquanto escutava as histórias das minhas irmãs, tias, primos. Ou ainda deitar a cabeça nos braços e continuar a participar da escuta.
Foram milhares de conversas iniciadas, muitas vezes, no lanche da tarde e quando percebíamos estava anoitecendo, sem que houvéssemos parado de conversar.
Foram conversas em torno da mesa baixa na varanda da casa da praia durante um jogo de buraco. São lembranças usando uma banqueta como mesa enquanto tomávamos sol na praia e vinha o rapaz gritando – Olha o mate! Olha o sorvete! Conversas ao redor da mesa na cantina da faculdade enquanto matávamos aula (pouquíssimas vezes).
Conversas com meus filhos enquanto faziam a lição da escola na mesa da sala.
Estou aqui, na mesa do escritório, tentando me lembrar de porque resolvi escrever sobre mesas e lembranças e me dei conta de que foi numa mesa com alguns amigos que não via há tempos. A sensação que tive foi de que parecia somente um instante desde o último encontro. Do tanto que rimos, contamos casos e criamos planos para viagens futuras.
Durante um tempo eu analisei a cena. Não julgando. Simplesmente desfrutando de tamanha amizade e criando mais memórias. Reforcei em meu coração o porquê de gostar tanto deles e o quanto espero podermos estar novamente sentados ao redor de uma mesa, com a mesma vibração.
Direitos autorais da imagem de capa licenciada para o site O Segredo: stockbroker / 123RF Imagens