Os dados de abandono paterno continuam batendo recordes, fazendo com que as crianças sofram de um mal silencioso: a ausência de responsabilidade do homem.
O último Censo Escolar, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2013, revelou um dado alarmante: cerca de 5,5 milhões de crianças não têm o nome do pai na certidão de nascimento, ou seja, nunca foram registradas pelos pais. Esse número, de acordo com especialistas, esconde as subnotificações, isso porque a pesquisa, além de ter sido feita há quase 10 anos, contabilizou apenas as crianças matriculadas na rede pública de ensino.
No ano passado, uma reportagem da CNN mostrou mais um alerta: quase 100 mil crianças nascidas de janeiro a agosto de 2021 não foram registradas pelos pais, mostrando aumento no número de casos pelo quarto ano consecutivo, segundo informações da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil).
Esses números apenas colaboram para a sobrecarga materna, uma realidade em cerca de metade dos lares brasileiros, de acordo com levantamento do Instituto Brasileiros de Geografia e Estatística (IBGE) de 2018.
Mais de 11 milhões de mães solo sofreram diretamente o impacto da pandemia, sendo 28% composta de mulheres brancas e 61% de mulheres negras. Desse total, 40% das mães solo brancas do Brasil vivem abaixo da linha da pobreza, enquanto 63% das mães solo chefes de família negras vivem nas mesmas condições. Os dados representam uma pequena parcela das dificuldades que mães e crianças enfrentam juntas quando é permitido pela sociedade e pelo Estado que o homem ignore suas obrigações paternas.
Os dados acima mostram grande parte da ausência de registro paterno, mas também precisamos lembrar que ainda existem aqueles que até fazem constar seu nome na certidão de nascimento dos filhos, mas não se comprometem em dividir as despesas da criança ou mesmo cumprir sua parte na convivência com ela, causando aquilo que chamamos de abandono afetivo, que é capaz de causar traumas profundos que acompanham esses filhos também na vida adulta.
O pediatra e sanitarista Daniel Becker, durante o VII Simpósio Internacional de Desenvolvimento da Primeira Infância, promovido pelo Núcleo Ciência pela Infância, disse de maneira categórica que nós, como sociedade, já passamos do ponto de dizer que “o pai ajuda em casa” ou que a mulher “deu sorte em ter um pai que se importe com o filho”, quando na realidade esses são deveres do homem, estando ou não casado com essa mulher.
“É mais do que obrigação do homem dividir as tarefas domésticas com a esposa e, especialmente, as tarefas que envolvem o cuidado com o filho. Com exceção da amamentação, todas as tarefas podem ser compartilhadas. Portanto, não existe mais o pai que ajuda, existe o pai presente e a mãe presente, que trabalham juntos pelo bem da família e pelo bem da criança”, disse o pediatra.
Ainda no que se refere à amamentação, é possível, segundo os mais recentes estudos sobre o assunto, dividir sim o momento do aleitamento, principalmente quando essa mulher precisa retornar ao trabalho remunerado ou tem outras necessidades que implicam em sua ausência em casa. Isso não significa que a família precisa desmamar a criança, inserir o consumo de fórmula, mamadeiras ou chupetas, pelo contrário, com uma rotina de extração e disponibilidade do cuidador para oferecer esse leite em um copo ou colher dosadora, a mãe pode continuar amamentando sem medo.
Essa necessidade de fortalecer a rede de apoio exige que os homens se comprometam com os próprios filhos, com os afazeres domésticos, a administração de uma casa, o cuidado de pessoas, entre outros trabalhos invisíveis não remunerados que há anos sobrecarregam apenas as mulheres.
Confira abaixo o vídeo de Daniel Becker falando sobre o assunto: