Não há nada mais leve do que estender a mão para alguém que esteja no chão. Só assim perceberemos que, aquilo que nos sobeja, será de valia e poderá estar renovando a esperança de outrem.
A pureza esquecida…
Amadurecemos, envolvidos em tantas responsabilidades e dores que até chegamos a pensar que, a criança que fomos, não existe mais. Deixamos de esgravatar nossas lembranças, para perceber o que foi perdido, ou para despertar a criança que continua lá. Incólume.
Arrependo-me de tê-la deixado no esquecimento!
Arrependo-me de ter permitido que sucumbisse, à poeira do tempo, a percepção que eu tinha em relação às pessoas. Como um cãozinho que fareja um lugar estranho, eu buscava, com meus olhos infantis, os objetos que formavam aquele lar desconhecido. E, enquanto os adultos conversavam, sondava a alma das pessoas.
Não tenho como explicar o que me movia e como conseguia buscar a essência no estranho, através de sua voz, seu riso e seus gestos. Principalmente, nos olhos, onde a alma se debruça em toda sua beleza, ou frialdade. Algumas causavam-me admiração e, outras, medo. Medo extremo, e, por consequência, a urgência de fugir dali.
A natureza humana carrega o instinto natural de buscar o belo, e é para lá que seus olhos seguem atraídos como por um imã. Os meus, seguiam o lado oposto, buscando o mais feio, o mais magro, e o mais triste dos pobres, de olhar apagado e esperanças mortas. As razões, que me levavam a agir assim, eu as desconheço. Prefiro pensar que Deus coloca, em cada um de nós, pitadas de razões tiradas de Suas próprias razões.
Devo ter tido muito medo da pobreza e da tristeza, para me sentir atraída pela necessidade de comparação diante dos andrajos da miséria.
Devo ter me aproximado dos tormentos humanos, para localizar meu lugar na prateleira do mundo, e saber se estava dentre a escassez da desesperança.
Ou devo ter tido apenas a doce ilusão (pois não há nada amargo, numa criança) de provocar risos e apagar o descontentamento da face a minha frente.
Hoje, busco entender o que nos fez esquecer essa maneira de olhar e sentir.
Em qual momento deixamos de ser puros e perceptivos, e nos tornamos egoístas e insensíveis?
Por que evitamos a culpabilidade, e a vergonha, com justificativas esfarrapadas de que não temos condições de ajudar?
Alguns amadurecem, levando consigo essas bagagens puras, que só vêm acrescer. Já, outros, preferem olvidar, e apenas interessam-lhes o fulgor do mundo, com suas festas carnais e suas abastadas reuniões, onde bailam os risos das conquistas, das vitórias, e da sede do poder.
Ah, adultos! Nós, esses veículos abarrotados da diversidade de cargas de nossas necessidades, onde não sobra espaço para a pureza, e, só por isso, nossas responsabilidades se fazem tão pesadas!
Esquecer a mazela de alguém é conveniente…Dizer frases que amordacem nossa consciência, também.
E seguimos nos cansando, pois, esquecer ou virar a face é um desgaste maior que a carga de nossos preciosos pertences.
Não há nada mais leve do que estender a mão para alguém que esteja no chão. Só assim perceberemos que, aquilo que nos sobeja, será de valia e poderá estar renovando a esperança de outrem. E não estou falando de um amigo, parente ou alguém próximo. O próprio Deus nos alerta de que não há grandiosidade nenhuma em ajudar a quem você ama.
Até bandidos se ajudam…
A necessidade da ajuda não está voltada para a utilidade ou valor que a pessoa tem. Ou grau de parentesco.
É possível experimentar, novamente, a pureza que possuímos um dia. Resgatar, trazer de volta o amor puro da criança que fomos, e que deveríamos tê-lo mantido. Despertar o amor incondicional da criança que ainda vive dentro de nós!
Mari Marques
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