É ironicamente triste que a morte seja uma presença tão cotidiana em nossa vida e que ao mesmo tempo estejamos tão desacostumados com ela. Todos nós já superamos em algum momento a morte de amigos, conhecidos, familiares ou personalidades famosas do meio social ou midiático. Ela acontece todos os dias, em qualquer idade e em todas as partes do mundo. Sempre houve desde que a vida surgiu e sempre haverá até onde sabemos, seja entre nós seres humanos, ou no restante da natureza. A morte é tão certa quanto à vida. Algumas formas com que ela vem nos assustam mais, outras não nos chocam tanto. Porém uma coisa é certa: é que a dor vem com ela. Por isso é que nunca estamos preparados para presenciar a morte, e muito menos para morrer.
Mas a morte vem…
O que fazer? O que dizer? O que pensar? Como viver?
Não existe uma fórmula unânime e eficaz para lidarmos com a morte. Isso se dá porque talvez ainda não saibamos o que ela é.
Então eu vou te dizer: a morte não existe.
Porém, ao mesmo tempo… ela existe, e ocorre a todo o tempo.
Parece contraditório, contudo não é.
Se você encara a morte no sentido do fim absoluto, de algo que existia e se desfez, de uma coisa que havia e depois desapareceu completamente, tenho que lhe informar de que você passou a vida acreditando em uma mentira. Pois nada… nada no Universo inteiro deixa de existir. O que chamamos de inexistente simplesmente não existe. Só existe o existir. O nada é uma invenção.
Mas como assim?
Pensamos que as coisas podem deixar de existir, mas elas não podem. O Universo não cria nada de novo. Tudo que existe de certa forma sempre existiu. Tanto é assim que você não consegue conceber “o nada”, o máximo que você imagina é um espaço vazio, ou em branco, mas ainda assim um espaço. Ou seja, sempre imaginamos alguma coisa.
A ciência já nos diz que tudo na natureza é reciclável. Quando um ser vivo “morre” seus compostos são “desmontados” pelos organismos decompositores e ficam disponíveis no meio para serem reutilizados por outros seres vivos. Ou seja, cada átomo que hoje compõe suas moléculas existe desde o princípio do Universo, e já compôs outras coisas e irá compor outras tantas depois que você deixar seu corpo. Por isso que Carl Sagan dizia que “nós somos poeira das estrelas”, porque somos compostos das mesmas moléculas de carbono, hidrogênio, oxigênio e nitrogênio que elas.
Então os elementos básicos que compõe sua estrutura corporal ou de qualquer outro ser vivo ou objeto não morrem, eles continuam existindo. Eles apenas se reorganizam, se transformam e viram outra coisa.
Então, se você compreende a morte no sentido de transformação ela existe sim, e existe há todos os instantes. O corpo que você teve quando criança mudou em relação ao de hoje, e este irá mudar no futuro. A cada dia células morrem e nascem em seu corpo. A todo instante seu ambiente muda, as pessoas mudam, o tempo muda. A cada segundo você está vendo a morte desfilar diante de seus olhos na roupa da transformação. Tudo muda, tudo se transforma, tudo fica diferente. É um movimento constante e infinito. Já dizia Heráclito: “Você nunca entra duas vezes no mesmo rio”.
É diante deste fato que eu lhe digo que a morte como um fim não existe. O que existe é a transformação.
A organização molecular que se organiza na forma de nosso corpo tem prazo de validade. Um dia ela vai precisar se dissipar e se reorganizar de um diferente modo. Porém, a morte de nossa vestimenta física nada nos prova do fim de nossa consciência. Afinal, o corpo é um aparelho que serve para experimentarmos essa dimensão. Uma vez que não funcione mais não poderemos nos comunicar aqui. Se você usa um aparelho celular para conversar com alguém que está distante, obviamente que se ele quebrar você não poderá mais utilizá-lo pra falar com aquela pessoa. Isso não significa que você ou a pessoa não existe mais, significa que precisarão de outro aparelho igual, que tenha conexão para poderem se comunicar. E até terem outro ficarão sem se falar.
Com a consciência é igual. Para se manifestar na matéria ela precisa de um instrumento material. Isso não significa que deixou de existir porque seu aparelho material não funciona mais.
Você não encontra a consciência nas células, no corpo ou no cérebro, pois a consciência é o que anima a matéria, é o que da vida a ela. Como então poderia a matéria afetar ela? Não pode…. Ela o ajuda no seu processo de transformação, de autodescoberta, de autoconsciência. Nós mudamos interiormente a todo o tempo, e nem por isso “morremos” ou deixamos de existir. Você convive com transformações externas e internas e sobrevive a elas. A transformação não pode matar o espírito, por isso que a morte não pode por fim a vida.
Portanto a morte é apenas mais uma transformação das tantas que vivenciamos todos os dias. É o atravessar não de uma fronteira física pelo corpo, mas de uma fronteira dimensional pelo espírito. Pois, as dimensões são como continentes e a morte é como o navio que nos leva de uma terra para outra.
O que nos dói não é a morte, são nossas ilusões. Pois toda dor é fruto da ilusão, e toda ilusão é a distorção da verdade. Choramos porque temos a ilusão de que nunca mais veremos essa pessoa… choramos pois pensamos que ela deixou de existir… choramos porque pensamos que a morte é castigo… choramos porque em nosso egoísmo queremos a pessoa perto de nós e nos esquecemos que cada pessoa tem seu processo evolutivo, e que ela precisa seguir seu caminho… choramos porque esquecemos que ninguém é de ninguém… Choramos pelas ilusões que cultivamos…
Com certeza você não passa vinte e quatro horas do seu dia do lado de uma pessoa. Você não chora todas as vezes que ela sai pra trabalhar, estudar ou fazer alguma coisa. Porque sabe que não precisa estar perto para amar, para gostar, para saber que está bem. Não se deixe enganar pela distância. Não se deixe iludir por uma simples questão de presença física. O sentimento aproxima muito mais que um toque ou um olhar. Se alguém que você conhece se foi, não se revolte querendo ela perto de você, apegando-se a uma rotina que já se foi imaginando a possibilidade daquela pessoa ter “fugido da morte”, pensando em “como seria” se ela estivesse aqui”, acreditando que ela é “coitada” porque morreu, alimentando a crença de que ela partiu “cedo demais” e de que tinha “muito ainda” por viver.
Pois ela ainda vive, ainda ama, ainda sente. Todos estes seus pensamentos são distorções de uma realidade que mostra que ela não “está” mais ali. Você pode não saber por que ela se foi, mas sabe que ela se foi então aceite a realidade, pare de se torturar. Um dia você talvez saiba os motivos. Na vida tudo tem um por quê.
Os momentos ao lado desta pessoa foram especiais apenas porque foram únicos. Você almoça todos os dias e ás vezes nem lembra o que comeu. Apenas os almoços muito especiais ou diferentes você lembra. O que muito se repete perde o brilho, o que é único vive com luz própria.
Então em vez de se torturar agarre-se nos seus sentimentos, sabendo que esta pessoa ainda vive e que precisa de novas experiências. O que ela viveu foi único e é especial por isso, mas o ciclo de transformações precisa continuar para o bem de todos.
A morte não dói, são suas ilusões de vida que te machucam. Chega de sofrer!
Entenda a morte como doce amiga e companheira de todos os dias. Como um instrumento de Deus que leva o velho e nos traz a experiência do novo. Como uma sábia mestra que coloca tudo no lugar que precisa estar. Pois o nascer e morrer é a eterna pulsação da vida, o nascer e morrer é o eterno batimento do coração da existência; o nascer e morrer é o eterno piscar dos olhos de Deus.
Enquanto a ilusão do fim dói, a verdade da eternidade nos liberta. Nós somos infinitos e isso é algo que os braços da morte nunca vão conseguir abraçar.
Pois, a morte é apenas a transformação da paisagem, mas a jornada do caminhante sempre continuará pela eterna estrada da vida…