Em busca da verdadeira família e de quem de fato é há quase duas décadas, Isabella dos Santos saiu da França aos 25 anos para encontrar seus pais biológicos.
Caracterizado como o “recrutamento, transporte, transferência, alojamento ou o acolhimento de pessoas por meio de ameaças ou uso da força, coerção, abdução, fraude, engano, abuso de poder ou de vulnerabilidade, ou pagamentos ou benefícios em troca do controle da vida da vítima”, o tráfico de pessoas é um crime enfrentado no mundo inteiro.
Os principais objetivos da rede de tráfico de pessoas incluem exploração, prostituição, exploração sexual, trabalhos forçados, escravidão, remoção de órgãos e práticas similares. No Brasil, de acordo com o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, de janeiro de 2020 a junho de 2021, foram registrados pelo Disque 100 mais de 300 casos de tráfico de pessoas, mais da metade eram crianças e adolescentes.
A história de Isabella dos Santos, publicada pelo jornal O Globo, mostra similaridade no processo descrito pelas autoridades. Protagonista de um enredo que pode ser considerado de filme, sua história teve início na década de 1980, em São Paulo, quando foi sequestrada e vendida no mercado de adoções ilegais. Enviada para viver com uma família de classe média na França, a mulher, hoje com 34 anos, conta um pouco de sua história de abusos e da incessante busca pela família biológica.
Isabella conta que nunca passou natais felizes com familiares na infância, muito menos teve avós que lhe pudessem contar um pouco das histórias passadas. Aos 25 anos, decidiu sair sozinha da França, apenas com uma mala, e acabou encontrando a família de sua mãe biológica, que tinha morrido assassinada apenas três anos depois de seu nascimento.
O pai adotivo hoje tem 92 anos e está doente, enquanto sua mulher, que era bipolar, morreu há alguns anos. Quando chegou aos braços desse casal, Isabella tinha apenas 2 meses, com o nome alterado para Charlotte Merryl Cohen-Tenoudji. Foi com eles que descobriu os abusos numa rotina que incluía alcoolismo e agressividade.
Além de sofrer abandono e medo, ela conta que assim que descobriu que não era filha legítima do casal, passou a questioná-lo sobre sua verdadeira origem, mas sempre recebia a resposta de que tinha sido achada no lixo. Os abusos eram tantos, que o casal perdeu o direito de criá-la, por isso foi morar num abrigo público. Mesmo que as condições não fossem ideais, Isabella ganhou o direito de estudar, e hoje é formada em Cinema e Letras pela Universidade de Sorbonne, além de falar quatro idiomas.
A história da mulher ganhou potência quando foi publicada em vários tabloides e jornais do mundo todo. Isabella explica que muitos tentaram fazer com que sua história fosse dividida em pequenos pedaços, mas ela recolhe cada um deles há quase 20 anos. Há cerca de quatro anos, ela conseguiu, por um teste de DNA, comprovar que sua mãe biológica era empregada doméstica na casa do casal que a vendeu e a enviou para a França.
Jacira Lima dos Santos foi assassinada em 1991, com apenas 25 anos, alguns dias depois de dar à luz outro bebê. Até hoje as circunstâncias do crime não foram esclarecidas. Mas Isabella conseguiu encontrar Lucélia, sua irmã mais velha, em Campinas, onde finalmente ouviu as primeiras palavras que lhe trouxeram um pouco de conforto.
![Sequestrada e levada para a França ainda bebê, jovem reencontra família biológica no Brasil](https://osegredo.com.br/wp-content/uploads/2022/01/2-Sequestrada-e-levada-para-a-Franca-ainda-bebe-jovem-reencontra-familia-biologica-no-Brasil-300x400.jpg)
A irmã lhe contou que tinha sido muito amada pela mãe biológica e que o maior desejo de Jacira era reencontrar a filha. Para a vítima do tráfico infantil, esse foi o maior presente que recebeu, o que deu forças para sua reconstrução, e ela não parou por aí. Agora pretende confirmar quem é seu pai biológico, mas mantém as suspeitas em sigilo, já que abriu um processo judicial e depende de os irmãos por parte de pai aceitarem fazer o exame de DNA, já que ele foi cremado.
Assim que conseguir confirmar judicialmente a paternidade, sua próxima meta é fazer nova certidão de nascimento. Isabella agora prepara um documentário com o Canal Brasil e tem planos de escrever sua biografia, o que pode também ser um símbolo, uma forma de responder a todas as pessoas que a colocaram nesta situação, omitindo suas origens e seu verdadeiro nome.
![Sequestrada e levada para a França ainda bebê, jovem reencontra família biológica no Brasil](https://osegredo.com.br/wp-content/uploads/2022/01/3-Sequestrada-e-levada-para-a-Franca-ainda-bebe-jovem-reencontra-familia-biologica-no-Brasil-300x400.jpg)
Assim que chegou ao Brasil, Isabella recebeu ajuda de Wal Ferrão, da ONG Portal Kids, também chamada de projeto Mães do Brasil. As duas conseguiram descobrir um esquema de tráfico ilegal de crianças partindo do Lar das Crianças Menino Jesus, em São Paulo, um orfanato que era comandado pelo casal italiano Franco e Guiomar Morselli. Ambos, que já faleceram, chegaram a ser chamados depor à CPI do Tráfico de Pessoas, tudo por conta da luta pessoal de Isabella, mas nunca foram punidos.
Isabella foi negociada com apenas 2 meses por Guiomar Morselli por 15 mil euros e registrada em nome de uma “mãe laranja”, como se fosse gêmea de outra criança, isso permitia que dois bebês de uma só vez. Além de Lucélia, ela descobriu que tem um irmão mais novo e uma irmã que também foi vítima do tráfico de crianças, a qual foi enviada para um casal estrangeiro, mas ainda não se sabe o seu paradeiro.