Aos 36 anos, a vendedora ambulante Dayana Bárbara dos Santos Coqueiro vê a vida ganhar novos rumos por meio da educação. A brasiliense viveu nas ruas da capital dos 8 aos 21 anos. Após esse tempo, se dedicou aos estudos e, agora, conquistou uma aprovação na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).
A futura universitária já se mudou para a capital carioca e, por telefone, contou, nesta sexta-feira (7), que vai cursar letras, com foco em literatura, a partir do segundo semestre de 2022. A área escolhida tem relação com umas de suas paixões: Dayana também é compositora e autora de diversos poemas.
“Ainda cabe sonhar. Enquanto houver ar nos pulmões, sonhar é possível. A conquista pode demorar, mas a gente não pode desanimar. Minha meta era ser aprovada, e fui“, disse Dayana.
Ainda criança, Dayana saiu de casa e deixou para trás uma história de violência. Morou em abrigos, de onde fugia constantemente para viver nas ruas. Aos 14 anos voltou a frequentar a sala de aula.
Foi na Escola Meninos e Meninas do Parque (EMMP), na Asa Sul, que a estudante trilhou grande parte do caminho. A unidade é da rede pública do DF (veja detalhes abaixo), especializada no ensino de pessoas em situação de vulnerabilidade, como é o caso de sem-teto.
Rotina de estudos
Ao concluir o ensino básico, em 2014, a brasiliense chegou a parar de estudar. Foi, ao perceber que “somente por meio da educação” poderia garantir um futuro melhor para o filho, um adolescente de 14 anos, que Dayana decidiu se preparar para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
“Pelo menos uma hora por dia eu estudava pela internet, em sites gratuitos. Lia as referências de livros que poderiam ser temas da redação. E, assim, consegui ser aprovada na UERJ“, conta.
Nesse período, a vendedora ambulante trabalhava na rodoviária do Plano Piloto e precisou lidar com comentários de pessoas que, segundo ela, duvidavam de que a vida universitária seria possível. “Eu continuei a estudar porque sou teimosa. A cada vez que alguém falava que eu não conseguiria me formar, aí que eu queria ainda mais.”
“Sabia que só conseguiria mudar minha realidade com a educação. Também queria mostrar isso para o meu filho. A única forma de mudar a realidade é sabendo ler e escrever. Busquei essa formação para o meu bem-estar, para preencher meu vazio e para mostrar pra ele [filho]“, conta a estudante.
![Ex-moradora de rua é aprovada na UERJ: "Enquanto houver ar nos pulmões, sonhar é possível"](https://osegredo.com.br/wp-content/uploads/2022/01/Morador-de-predio-ft1-400x269.jpg)
Dayana acredita que, com a aprovação na UERJ, as possibilidades para um futuro de sucesso aumentaram. Para concorrer à vaga em Letras, ela usou a nota do Enem de 2019, quando tirou 790 pontos na redação.
“Não sei como é ser universitária, mas, como as pessoas têm dito: vou ficar gigante. Quero estudar mais, ler muito e escrever vários livros“, afirma.
Educação diferenciada
A Escola Meninos e Meninas do Parque, onde Dayana concluiu o ensino fundamental, foi criada em 1995 e, atualmente, atende 212 pessoas.
Além das aulas, o colégio público também oferece refeições e espaços para que os alunos, muitos em situação de rua, tomem banho. Os estudantes são divididos por faixa etária e recebem itens de higiene pessoal e material escolar.
Para a diretora da escola, Amelinha Araripe, a conquista de Dayana é uma referência de que as políticas educacionais e sociais são capazes de modificar a realidade das pessoas.
“Ela é uma prova de que nossa escola está no caminho certo e que ações cotidianas diferenciadas, adaptações curriculares e o uso da arte e cultura nas aulas fazem a diferença“, disse a gestora.