Passadas mais de 12 horas do temporal que causou uma tragédia em Petrópolis, Região Serrana do Rio, o cenário é de destruição e desespero de famílias que ainda procuram por parentes desaparecidos, entre eles, muitas crianças. No Morro da Oficina, ao menos dois corpos já foram resgatados por equipes do Corpo de Bombeiros que trabalham desde o fim da noite de terça-feira. Nesta região, que fica bairro Alto da Serra, estima-se que cerca de 80 casas tenham sido afetadas. Por volta das 6h20, mais um corpo foi resgatado. A dificuldade é tanta que um dos militares chegou a ficar preso na lama.
Uma das cenas marcantes da tragédia em Petrópolis foi a de Gizelia de Oliveira Carminate, de 36 anos, usando uma enxada para cavar a lama e tentar encontrar parentes soterrados. No início da tarde, a agonia se transformou em dor: a moradora de Juiz de Fora (MG) recebeu a confirmação de que a filha, Maria Eduarda Carminate de Carvalho, de 17 anos, tinha tido o corpo reconhecido.
“Minha filha era a coisa mais linda que tem no mundo. Te juro por deus. Uma princesa, 17 anos”, disse Gizelia, muito emocionada.
A mãe saiu ainda de madrugada, de Juiz de Fora, a cerca de 120 quilômetros de Petrópolis, para buscar pela filha. Usou as mãos e outros objetos para tentar escavar. Chegou a perder a unha de tanto tentar cavar.
Gizelia contou que Duda foi encontrada no sofá abraçada à madrinha, Tânia, e à neta dela, a bebezinha Helena, de 1 ano.
Mais cedo, Gizelia cobrava ajuda para tentar achar os parentes. “Tem que mexer, mas ninguém tá mexendo. É uma bebê de 1 ano sem respirar debaixo dessa lama. Você consegue?”, questionou.
Duda era uma das dezenas de soterradas no Morro da Oficina, um dos locais mais devastados pela chuva em Petrópolis. Em seis horas, choveu o previsto para todo o mês de fevereiro. Segundo os moradores, uma estamparia e um bar estavam em pleno funcionamento no começo do temporal.
Estudante e digital influencer
Além de cursar o ensino médio, Duda trabalhava em um salão de cabeleireiro e estava investindo na carreira de digital influencer. Tinha o sonho de ser modelo. Estava em Petrópolis havia quatro dias.
No Instagram, tinha mais de 16 mil seguidores, que deixaram mensagens nesta quarta.
“Deus conforte os familiares e amigos”, escreveu um usuário.
Relatos
— Única coisa que ouvimos é que tinha havido um desabamento, mas só tive a dimensão quando cheguei aqui — disse ele, bastante emocionado.
O cenário foi descrito por um oficial bombeiro como uma “catástrofe”. Mais militares devem chegar nas próximas horas para ajudar na buscas por vítimas no Morro da Oficina. A enfermeira Teresa Lima ficou presa por quase três horas na rodoviária da cidade e só chegou em casa às 4h.
— Estava no trabalho, em Itaipava, mas lá não choveu. Minha filha me ligou para dizer que estava caindo tudo aqui. Meu neto, de 8 anos, ficou preso no Colégio Municipal Vila Felipe e só saiu por volta das 21h.
Na área em que Gisele Arcaminate, mãe da adolescente Maria Eduarda, fazia as buscas pela filha há apenas familiares e amigos. Ela, que tem o nome da filha tatuado, a todo momento gritava “Duda”, na esperança de uma resposta. Com uma enxada nas mãos, ela ajuda, junto com outros moradores voluntários, a tentar resgatar a jovem sob a lama.
— Um bebê sem respirar embaixo dessa lama — disse Gisele, sobre a menina de 1 ano desaparecida, filha de Bruno, durante o resgate.
Conhecido como Lampião, um homem que mora no Morro da Oficina conseguiu resgatar duas pessoas com vida, mas perdeu a mãe no desastre. Segundo ele, os bombeiros já localizaram o corpo de Maria das Graças, mas ainda não conseguiram removê-lo dos escombros. Ele conta que estava no trabalho no momento em que ligaram para perguntar se o filho estava com ele. A preocupação com a família foi instantânea.
— Me ligaram e vim correndo para cá. Quando cheguei, disseram até que meu filho tinha morrido. Fiquei sem chão. Um vizinho me disse que sabia onde ele estava e fomos resgatá-lo. Escutei muitos pedidos de socorro na hora que fui resgatar o meu filho, mas já estava ficando escuro, sem luz. Deve ter muita gente embaixo dos escombros. Deixei meu filho no posto de saúde — conta ele, que mora ali há 44 anos.
Muito emocionado, João Belisardo aguarda notícias de sua filha Michele Aparecida, de 33 anos, e Larissa Afonso, de 5 anos. Elas estavam em uma casa de três andares que desabou durante a chuva, por volta das 18h.
— Moro em outro bairro, e minha filha até 18h estava falando comigo. Mas depois parou. Minha neta tem 5 anos e minha filha fez 33 na terça-feira. Era uma casa de três andares e tinha outros imóveis. Todo mundo que está aqui perdeu alguém — disse emocionado.
Com o amanhecer é possivel ver o tamanho da tragédia que atingiu o morro da oficina. Logo na entrada da Rua Frei Leão há somente três casas intactas. O restante sofreu algum dano ou está completamente destruída. A cada passo uma parte da historia de cada uma dessas famílias. Quem continua caminhando pela rua precisa escolher com cuidado onde pisar pois é dificil distinguir o que é lama ou cimento.
— Estamos a caminho de Petrópolis. Temos lá um caminhão frigorífico. Nossa preocupação é como vamos manter esses corpos após a necrópsia. Não dá para eles ficarem expostos. No posto de perícia na cidade tem um caminhão frigorífico. No decorrer dos resgates vamos preparar mais, se precisar. Estou subindo para preparar e administrar as perícias e necrópsias. E se for necessário vamos levar mais peritos — explica Denise Rivera, assessora técnica especial de assuntos de perícia da Polícia Civil.
Bombeiros trabalham com “inúmeros desaparecidos”
De acordo com o secretário da Defesa Civil e Comandante Geral do Corpo de Bombeiros, coronel Leandro Monteiro, só no Morro da Oficial entre 30 e 50 casas foram atingidas. Ele apontou “inúmeros desaparecidos”, sem especificar quantos de fato estão sumidos. No entanto, a corporação trabalha com a possibilidade de dezenas.
— São muitos desaparecidos, não existe essa número preciso. Estamos concentrando vários esforços para achar essas vítimas. A partir de agora, contamos com 400 militares. São vários pontos da cidade que chamaram os bombeiros. O foco principal de solicitação foi no Morro da Oficina. Só conseguimos chegar lá à 0h30. Tem várias informações desencontradas. Uns moradores falam em 50 casas atingidas, outros, 30. Estamos lá desde quando chegamos, resgatamos uma pessoa com vida que estava soterrada havia três horas.
A todo momento mais familiares de possíveis vítimas chegam ao local procurando informação. Muitos levam aos bombeiros informações de desaparecidos. Cães farejadores estão ajudando nas buscas. Mas estalos de pedras tem provocado a paralisação dos trabalhos. Os escombros mostram casas de até três andares destruídas e marcas de terra de cerca de um metro e meio nas paredes. Até o momento, as equipes da Defesa Civil contabilizam 207 registros, dos quais 171 são por deslizamentos.
— A situação é de uma tragédia. O Corpo de Bombeiros tem dificuldade de acessar os locais mais críticos porque há muitos carros, ônibus e abandonados nas ruas. São vários pontos de deslizamento — disse Monteiro, anunciando que será montado um hospital de campanha.
Em seis horas, o acumulado pluviométrico atingiu 259 milímetros — acima da média esperada para o mês de fevereiro, de 238,2 milímetros