Na cobertura de 202 metros quadrados com vista para o mar da Praia do Recreio, na Zona Oeste do Rio, há lembranças de Henry Borel Medeiros em todos os cômodos — em um quarto, roupas, sapatos e bonecos ocupam armários e prateleiras; no outro, documentos, desenhos e bilhetes estão nas gavetas; na varanda, uma bola de futebol está próxima à piscina; na sala, fotos, livros e um quadro com o nome dele exibe a senha do wi-fi do apartamento.
Às vésperas de completar um ano da morte do menino, Leniel Borel de Almeida diz não ter forças para se desfazer dos objetos do filho. O engenheiro conta que planeja doá-los para vítimas de violência doméstica de uma organização não governamental (ONG) que agora está criando.
“O Henry era uma criança maravilhosa, só alegria a todo o momento, era super educado, amável, o filho que qualquer um queria ter. Até hoje, não consigo entender por que ele foi agredido, torturado e assassinado e, principalmente, como a mãe não o protegeu, não se preocupou e deixou acontecer a pior coisa da minha vida.”, emociona-se Leniel.
Em entrevista, ele revela acreditar que a ex-mulher, a professora Monique Medeiros da Costa e Silva, tenha segurado Henry pelos braços para que o então namorado dela, o médico e ex-vereador Jairo Souza Santos Júnior, o Jairinho, torturasse e matasse o menino. O engenheiro supõe, assim como a acusação do Ministério Público, que, enquanto ela via vantagem financeira no namoro em detrimento da saúde física e mental do seu filho, ele agiu por sadismo, tendo praticado as agressões para satisfazer o seu próprio prazer.
Durante a continuação da audiência de instrução de julgamento do processo em que o ex-casal é réu pelos crimes, no II Tribunal do Júri, no dia 9 de fevereiro, ambos alegaram inocência. Questionada pela juíza Elizabeth Machado Louro sobre o que pode ter acontecido na madrugada de 8 de março de 2021, data da morte, Monique afirmou não saber e garantiu que só o menino, Deus e o ex-companheiro poderiam ter essa resposta. Já Jairinho optou por não atender aos questionamentos, mas negou os fatos narrados na denúncia e jurou que nunca havia encostado o dedo em um fio de cabelo do enteado.
Por que você mantém o quarto do Henry intacto?
Tudo aqui tem um significado e me lembra com saudade um momento da vida do Henry. Cada coisa, como as blusinhas novas com etiqueta que ele ainda nem tinha usado ou o sapinho de plástico que ele tanto gostava de brincar, é uma parte do meu filho. No último ano, esse lugar se transformou em uma espécie de altar, onde todo dia eu venho, dobro meu joelho, falo com Deus e peço justiça. Vira e mexe, quando estou olhando para esses objetos, me vem também no coração a esperança de que ele ainda vai voltar. Mas a ficha cai, bate uma saudade enorme, eu choro bastante e é justamente aqui que eu consigo me restabelecer.
Você pretende deixar essas peças aqui?
Acredito que só conseguirei me desfazer das roupas e dos brinquedos mais para frente, doando para aqueles que realmente precisam. No Brasil, 32 crianças e adolescentes são assassinados por dia. Minha maior vontade é poder ajudar, sobretudo os que sofrem de violência doméstica, e, por isso, estou elaborando um projeto para a criação de uma organização não governamental (ONG) para atender a essas vítimas. Também sigo na luta para a aprovação da Lei Henry Borel, que visa a penalizar qualquer agressor ou pessoa omissa no cuidado dos filhos.
Como foi esse ano para você?
Engordei mais de 15 quilos, passei a fazer terapia duas vezes por semana e a tomar três remédios controlados prescritos por um psiquiatra. Meus pais não conseguem falar comigo sem chorar. E, por tudo que aconteceu, não consigo mais confiar no ser humano. Já troquei cinco vezes de advogados, muitas pessoas entraram na minha vida e muitas outras saíram. Infelizmente, quase ninguém está preocupado com a memória do meu filho e isso me faz sofrer ainda mais. Costumo dizer que vivo o luto no tumulto. Todo dia recebo uma informação nova do processo, fico sabendo de artimanhas e articulações e isso me faz sofrer ainda mais.
O que você lembra do dia da morte do Henry?
Desde que entrei no hospital e vi que meu filho chegou morto lá, sabia que algo estava errado. Fui reunindo informações, perguntei as médicas sobre como uma criança com a saúde perfeita tinha morrido daquela maneira. Depois, o laudo do Instituto Médico-Legal (IML) identificou lesões no corpo e atestou que a morte foi por laceração hepática, com hemorragia interna, provocada por ação contundente. A partir dali, passei a relacionar tudo com as reações que o Henry vinha demonstrando nas últimas semanas, reclamando que o tio machucou e também chorando na hora de voltar para a casa deles.
O que você acredita que aconteceu naquela madrugada?
Depois do fim das investigações e com a análise de peritos contratados, acredito que meu filho tenha realmente sido brutalmente assassinado pelos dois. Hoje, para mim, a Monique participou ativamente do ato, segurando o Henry pelos braços para o Jairo bater, com a intenção de matar nele. Ela lavou as mãos devido à ambição, justamente por pensar que ele atrapalhava o relacionamento dos dois e os objetivos financeiros dela. Já ele é um psicopata, mas que, infelizmente, só agora o Brasil pôde ter conhecimento que já torturou outras tantas crianças.
Agora, o que você espera?
Quando meu filho morreu, tinha certeza que não aguentaria mais um dia de vida sem ele. Mas, precisei levantar e ter forças para lutar. Hoje, continuo nessa luta, confiante de que a justiça será feita e Monique e Jairo serão condenados à maior pena possível, exatamente na proporção da brutalidade que eles cometeram contra o Henry.