Vencedora pela primeira vez no Rio de Janeiro, a Grande Rio buscou transformar a apresentação em um “grande despacho”, mas muitos atribuíram a vitória ao “diabo”.
“Exu Caveira, Sete Saias, Catacumba
É no toque da macumba, saravá, Alafiá
Seu Zé, malandro da encruzilhada
Padilha da saia rodada, ê Mojubá”
Foi assim que a Acadêmicos do Grande Rio levou, pela primeira vez, o título do carnaval de 2022 na Sapucaí. Com um samba-enredo homenageando Exu, uma divindade que aparece nas religiões de matriz africana, Gabriel Haddad e Leonardo Bora aproximaram o público do orixá ainda mais durante o desfile.
“Fala, Majeté! Sete chaves de Exu” foi o nome dado ao enredo, que mostra uma das figuras mais temidas no imaginário cristão e, ao mesmo tempo, um dos orixás mais respeitados por quem o conhece verdadeiramente.
Ao contrário da concepção colonizadora, Exu não representa o diabo, mas a divindade que mais se parece com o homem, a que mais demonstra a complexidade de elementos em sua conduta, sendo o guardião de todos os orixás.
Segundo reportagem do G1, o desfile todo foi pensado para ser “um grande despacho”, negando o racismo religioso e saudando a vida, como pontuou o carnavalesco Leonardo Bora. Na comissão de frente, Demerson Dalvario, que teve a missão de interpretar Exu na Sapucaí, soube muito bem como manter o público hipnotizado, e não apenas garantiu 10 de todos os jurados, como também fez por merecer pelos mais de dois anos de estudos e dedicação.
![Homenagem a Exu pela Grande Rio traz à tona racismo religioso nas redes sociais](https://osegredo.com.br/wp-content/uploads/2022/04/2-Homenagem-a-Exu-pela-Grande-Rio-traz-a-tona-racismo-religioso-nas-redes-sociais.jpg)
Mas as religiões de matriz africana sofrem com a intolerância e o racismo religioso, muito caros a seus fiéis, que se deparam com o preconceito exercido de maneira estrutural. De acordo com dados do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, de janeiro a dezembro do ano passado, cerca de 645 registros de violações de liberdade da crença e religião ocorreram no país, sendo que a umbanda e o candomblé ficam no topo das denúncias.
O racismo religioso pode ser um termo que não figura no Código Penal brasileiro, mas pode ser inserido na Lei nº 7.716/1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. É preciso compreender que nativos foram sequestrados, vendidos como escravos e levados para o outro lado do oceano, onde perderam completamente a dignidade, os direitos e tudo mais.
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Nessa constante, gerações foram trazidas, vidas foram sendo perdidas pelo caminho e 300 anos de escravidão vividos. O que ficou para os escravizados, seus filhos, netos, bisnetos…? Era preciso mais do que o sonho de um dia receber a carta de alforria, e a religião faz parte das sociedades, assim como a cultura, assim como a comida, mas tudo era negado a eles.
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Por isso, se as religiões de matriz africana chegaram até aqui, foi porque resistiram — e muito — às incessantes tentativas de brancos que queriam seu fim. Uma das táticas mais utilizadas por outros intolerantes religiosos era e é a associação das divindades da umbanda ou candomblé ao diabo ou à maldade. A tentativa de acabar com qualquer manifestação cultural afrocentrada esbarrou na imensa necessidade de existir, de se fazer ouvir de todos os descendentes de escravizados.
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A vitória da Grande Rio mostrou que a intolerância e o racismo religioso, que se fundamentam no racismo estrutural, continuam presentes em nossa sociedade. Um acidente na Sapucaí, que culminou com a morte da pequena Raquel Antunes da Silva, de 11 anos, foi considerado por alguns como o “sacrifício” exigido por Exu, uma acusação, além de preconceituosa, infundada.
Nas redes sociais, muitos foram os perfis que defenderam que Exu é o diabo, e exatamente por isso a vitória da Grande Rio se mostrou mais do que necessária, urgente. Depois de vivermos mais anos no período da escravidão do que fora dele, chegou a hora de enterrarmos de vez o racismo religioso e qualquer outra manifestação de preconceito.
Sabemos quão difícil isso pode ser, por isso é preciso que cada um combata o racismo da maneira que puder.