Anarriê! Entre no caminho da roça para a quadrilha. O casamento do ano, por enquanto, é mentiiira. Mas o amor de Claudia Rodrigues e Adriane Bonato, e o sonho delas pela festança, é mais que verdadeiro.
Não à toa elas toparam entrar no balancê, ou melhor, na brincadeira. Teve troca de alianças, juras de amor, beijinho e até lançamento dos buquês feitos de brócolis e couve-flor.
— O casamento não foi brincadeirinha nada. Você não disse “sim” para mim? Estava até vestida com esse verde que combina com seus olhos — diz Claudia, aos risos, para a noiva.
Adriane, que ficou abraçada agarradinha com a atriz durante toda a entrevista, dá uma risada sem graça e concorda.
— Claudinha sempre disse que queria fazer todo o ritual do casamento, ter lua de mel. Engraçado que eu também tenho essa vontade, mas nunca tinha feito isso. E eu já tinha me casado outras quatro vezes. Aí falo isso para ela, que quero vê-la de véu e grinalda, e ela fica rindo.
A humorista dá risada e se explica.
— Eu sonho mesmo em me casar vestida de noiva. Só tenho que achar um vestido que não tenha cauda longa (por conta da mobilidade reduzida, já que Claudia usa apoio para caminhar) e também não me deixe parecendo a daminha de honra. Olha o meu tamanho! (a atriz mede 1,5m).
Amor despertou do coma
Foi no dia 7 de junho, dia do seu aniversário, que Claudia Rodrigues decidiu tornar público o amor por Adriane, sua ex-empresária. Gravou um vídeo pedindo logo a amada em casamento e postou no perfil do Instagram.
As duas estavam afastadas há três meses, desde que romperam a relação profissional. Hoje, é sabido que um dos motivos foi a mistura de sentimentos entre elas. A eterna Marinete, de “A diarista”, dava sinais de que queria algo a mais. A administradora de carreiras vivia o amor platônico, mas sabia que precisava dar um tempo para se envolver.
— Em outros relacionamentos, sempre fui a pessoa que tomou iniciativa. E aí a minha pequenininha chegou direto ao assunto, já foi logo para o casamento. Até perguntei se ela não estava maluca em colocar tudo em rede nacional antes de conversarmos (risos). Foi então que ela me lembrou que se eu não a respondesse, no tempo em que ficamos afastadas, ela faria uma loucura — recorda.
A atriz, que ouvia atenta com um sorriso no rosto, confirmava tudo fazendo “sim” com a cabeça.
— É verdade. Eu sou direta. Tem um tempo que eu já sou apaixonada por ela. Lembro quando fiquei em coma por dez dias. Quando acordei, quem estava no quarto rezando pela minha vida era a Dri. Acha que eu reagiria como? Isso foi muito forte, percebi que estava mesmo apaixonada — relembra Claudia, que tem esclerose múltipla desde 2000 e teve uma crise no ano passado por sequelas da doença.
O sentimento já tinha aflorado em Adriane anos antes, também após uma situação hospitalar: Claudia passou por um transplante de células-tronco, em 2015. As duas viveram uma quarentena, isoladas de todo mundo, durante todo o processo de recuperação.
— Engraçado pensar que foram necessários esses dois momentos hospitalares para que a gente se desse conta do nosso amor. No período pós-transplante eu fiquei afastada quase dois anos da minha família e também da minha vida, por dedicação total a Claudia. Foi algo que exigiu muitos cuidados, e isso foi me despertando o amor, mas eu lutei contra, porque era também o meu trabalho.
As pessoas falam como se a gente já tivesse um relacionamento antes, mas não. Eu fiquei calada esse tempo todo. Até que ela começou a jogar pesado (risos).
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É que logo que se tocou dos seus sentimentos, Claudinha não quis titubear.
— Estávamos em uma festa, fui andando até ela e dei logo um selinho na boca. E Adriane só respondeu com: “Ahn?”
A ex-empresária explica.
— Foi a hora em que eu me afastei. E disse que ela estava confundindo as coisas, porque Claudia gostava de homem. Eu já tinha percebido que tinha mudado o tom da nossa relação, mas me fingi de planta. Antigamente, ela trocava de roupa no quarto, trancada. Passou a trocar na minha frente, perguntava se estava emagrecendo, se estava bom assim, assado.
Eu saía pela tangente, mas começa a ficar difícil. Um dia, você ama sozinha. No outro, o sentimento começa a ser correspondido. O que era impossível parece se tornar possível. Como é que a gente fica? Será que isso vai dar certo? Rola questionamento.
‘O homem da minha vida é uma mulher’
A confusão é normal. Antes do namoro, as duas estavam solteiras há dois anos.
— Peguetes não contam. Eu tinha uns “P.A.”, “Pau amigo — diverte-se Claudia, que em 52 anos de vida, mãe de uma jovem, de 20 anos, vive seu primeiro relacionamento homossexual: — Tinha aquele pensamento de que toda mulher corre atrás de um homem em busca do casamento.
Eu já tive relacionamentos com vários homens, alguns que nem posso falar, até que beijei a Adriane e percebi que ela é meu amor. O homem da minha vida é uma mulher. Ou melhor, o amor da minha vida é uma mulher.
A atriz confessa que teve preconceito no passado, mas com o passar dos anos, e muito pela convivência com a noiva, aprendeu a defender a causa LGBTQIAP+. Quando gravou o pedido de casamento, por exemplo, escreveu na legenda: “por favor, não julguem”.
— Achei que as pessoas iriam me recriminar. Mas, felizmente, isso não aconteceu.
Dentro de casa, ela também recebeu o maior apoio da filha.
— Iza (fruto da relação com o diretor Brent Hieatt) é de uma geração muito mais tranquila. Só me disse: “Mãe, qual o problema? Se você está feliz, estou feliz”. É muito bom, ela torcia por nós.
A onda de carinho motivou o casal a expor mais a relação, como uma nova forma de combater a homofobia. Foi uma surpresa até mesmo para Adriane, de 48 anos, lésbica desde os 17.
— Eu sempre fui muito reservada. Pode não parecer, mas até tímida. E fiquei um pouco assustada inicialmente ao ver nossas fotos nos beijando e abraçando em vários veículos. Até que vi as pessoas nos aceitando, gente dizendo que mudou a cabeça depois de ver nosso amor. Falo até para a Claudinha que isso já valeu, não foi em vão.
Deus está nos usando para abrir a mente das pessoas e para ajudarmos a mudar o mundo — celebra Adriane.
Quebrando barreiras
Mais do que lidar com um possível preconceito, à primeira vista a relação de Adriane e Claudia tem uma barreira ainda maior: a da esclerose múltipla. A doença é degenerativa e vai afetando o sistema nervoso progressivamente. A atriz já não caminha como antigamente, por exemplo. Tremores, de vez em quando, fazem parte dos movimentos.
A fala também não é rápida e constante, embora todas as sacadas de humor que a consagraram estejam bem presentes.
— Uma coisa é fato: eu tenho as minhas limitações. Ando mal, me equilibro mal, tudo mal (risos). Mas acontece que eu tenho muita fé e amor. O que eu passei com essa pessoa aqui, você não tem ideia. O sentimento que temos uma pela outra é absurdo — diz Claudia, virando-se para a noiva na frase final.
E Adriane aprova a declaração apenas com um olhar apaioxando, para dizer em seguida:
— O engraçado é que sempre tive todos os cuidados com a Claudinha. Se saio de casa, penso se ela caiu, se ela tomou o remédio, se ela está bem… Essa preocupação continua, mas parece que diminuiu depois que começamos a namorar. Não sei explicar. Acho que foi depois de ela me dizer que ganhou uma razão a mais para viver.
É como minha pequenininha descreveu: o que vivemos é absurdo. É mágico. Parece coisa de outras vidas. É um encontro de almas, é puro, singelo, foi construído ao longo desses anos — derrete-se.
Além disso, a empresária enxerga a amada também como um milagre da medicina. E enche a boca para falar, cheia de orgulho, de cada avanço de Claudia, a cada melhora.
Ela também se empolga com a descoberta de novos tratamentos e é quem defende com unhas e dentes a liberação de medicamentos à base de canabidiol (a maconha). Porque ela vê os resultados.
— Ela teve surtos que provocaram essa dificuldade de mobilidade, a mudança no olho, a perda de memória. Antigamente, você perguntava algo e ela dava uma volta para responder. Olhe para ela agora, quanto tempo ela está sentada aqui nesta entrevista. No checkup dela, os resultados mostraram uma melhora na área do cérebro que ninguém explica.
Os médicos vão levar o caso dela para três congressos. Porque, por ser uma doença degenerativa, não era para ter melhora. E a Claudia mostra que isso é mito. Como dizem que não tem cura? Isso também é nossa fé, é Deus, é nosso amor. Claudia tem garra, uma vontade de viver, de vencer. A persistência dela é o que mais admiro na sua personalidade.
Beijando muuuito
O “sim” no altar ainda não tem data. Por enquanto, Claudia e Adriane querem mesmo é curtir o tempo juntas, namorar bastante, ou melhor, “beijar muuuito”, como dizia o bordão de Talia, um dos personagens da atriz no “Zorra total”.
— Estamos curtindo muito. Está muito gostoso. Temos saído para jantar, ir à praia, quiosques… Fomos para a Lagoa, nesse último fim de semana, andamos de pedalinho.
E tem sido legal receber o carinho das pessoas. Fui à padaria de máscara, óculos escuros, boné e ainda fui reconhecida. Teve gente do outro lado da rua gritando: “Parabéns pelo casal” (risos) — cita Adriane.
Claudia faz piada.
— Eu falei que quando ela ficasse famosa isso iria acontecer.
E é nessas horas de piadinhas internas, saindo da entrevista, que dá pra ver que o romance deu liga e a cumplicidade transborda.
— Quando ela está engraçadinha assim, fica uma fofura, eu não aguento. Dá vontade de pegar e morder — diverte-se Adriana.
A artista mostra logo o braço com uma marquinha de amor.
— Olha aqui o tanto que ela me aperta. Estou roxa aqui também.
Os apelidos carinhosos aparecem.
— É que essa é a minha pequenininha — diz Adriane, como se precisasse exibir Claudinha.
E como Claudia chama Adriane na intimidade?
— Eu chamo de amor mesmo, né? Você é meu amor. Já te falei isso? O amor da minha vida é mesmo uma mulher.