As famílias brasileiras têm solucionado a fome recorrendo a produtos mais baratos, bem como doações!
Segundo a Folha de São Paulo, os supermercados nas periferias de São Paulo têm comercializado itens como soro de leite, feijão fora do tipo (que ultrapassa o limite máximo de tolerância de defeitos), carcaça e pele de frango, além de bandejas com restos de presunto e queijo.
Na zona sul, em Capão Redondo, foram encontradas pontas de frios vendidos como peças promocionais, com pedaços de restos de queijo. Além disso, também foi encontrado ao lado do feijão comum o chamado “feijão fora do tipo”, que é composto por 70% de grãos inteiros e 30% de feijão partido.
A venda desse tipo de feijão é autorizada desde que sejam cumpridas as exigências da marcação e rotulagem, onde é preciso estar escrito o tipo certo do produto. No mesmo mercado, o carioca tradicional da mesma marca custava R$ 9,98, enquanto o feijão fora do tipo saía por R$ 8,48.
Enquanto isso, em Grajaú, na zona sul da capital paulista, açougues e mercados estavam vendendo carcaça e pele de frango em bandejas e sacos plásticos. Em Guarulhos, no mercado Fonte Nova, somente a caixa de leite varia entre R$ 8 a R$ 10. No mesmo lugar, os subprodutos como misturas condensadas e soro de leite são alternativas mais baratas para a população.
Ainda conforme o Folha de São Paulo, uma moradora aposentada de 53 anos, do Jardim Cocaia, que pediu para não ser identificada, comentou que a qualidade do leite não é a mesma, e que honestamente não gosta de consumi-los, entretanto, ela precisa levar algum leite para sua casa. Em relação ao valor, a aposentada chega a pagar no máximo R$ 7, um valor que faz diferença no fim do mês.
Para a assistente administrativa Patrícia Ribeiro, 38, moradora do bairro Maranhão, na zona leste da capital, a solução é trocar os produtos para conseguir comprá-los, pois os valores aumentam diariamente nos supermercados, o que é impossível manter a mesma qualidade de vida. No mercado onde ela fazia compras, o leite condensado, por exemplo, custava o dobro da versão ‘genérica’.
“Vencidinhos”
A crise e a inflação também impulsionou os mercados que vendem produtos perto da data de validade, chamados de “vencidinhos”. O mercado Fonte Nova foi procurado pela Folha de São Paulo, mas não houve nenhum comunicado por parte das empresas.
Enquanto isso, Samuel Vieira, gerente de qualidade da Solito Alimentos, explica que feijão fora do tipo é o mesmo que o feijão carioca, porém, abriu-se no meio, ou seja, precisa ser classificado com “defeito” justamente por não ser um grão inteiro. O gerente garante que o produto é totalmente sadio, podendo ser consumido normalmente, tanto que ele é muito disputado por restaurantes e cozinhas industriais.
Consumo de pele e carcaça
Infelizmente, são mais de 15 milhões de pessoas passando fome no Brasil, e o número de pessoas que se alimentam de produtos como carcaça e pele de frango comprados ou obtidos por meio de doações cresce com frequência.
Ionara Jesus, moradora de São Paulo (SP), diz que comer pé e carcaça é um grande luxo em sua casa, visto que nem o ovo ela pode comprar mais pois está muito caro. Desempregada e com 4 filhas para sustentar, nem mesmo carcaça ela está podendo comprar, porque o dinheiro não tem sobrado.
Já Elizabete Almeida Leite, de Nova Iguaçu (RJ), mãe de dois, tem conseguido se manter com ajuda da vizinha que doa alimento para a família. Elizabete diz que ganha carcaça, pele de galinha, gordura de porco e de boi. A senhora que a ajuda é catadora de reciclagem, que pede alimentos nos mercados e consegue compartilhar com Elizabete.
Para Josefa da Silva, que mora em Osasco (Grande SP), com 3 filhos, 4 netos e 1 sobrinha, as coisas não têm sido fáceis também. Todos estão desempregados, vivendo de bicos e com ajuda do Auxílio Brasil. A condição financeira da família piorou há quatro anos, quando um de seus filhos sofreu um acidente de moto e as sobras de comida compõem parte regular de sua alimentação.
Josefa diz que são as sobras da feira e as doações que recebe que permitem colocar comida na mesa da família. Perto de sua casa, as pessoas já conhecem a família, assim ela consegue pegar restos de frango, gordura e carcaça. Apesar disso, também é difícil, pois os açougues da região costumam vender de tudo nas condições que o país se encontra.
Segundo a Folha de São Paulo, o diretor-geral da ONG Banco de Alimentos, Jorge Toquetti, afirma que a ONG aproveita os alimentos que iriam para descarte. Eles passam recolhendo esses alimentos, fazendo uma nova triagem para consumo e encaminham para cerca de 60 instituições, que atendem por volta de 25 mil pessoas.
A ONG também conscientiza que parte de alimentos comumente vistos como sobras, como talos, cascas e sementes, podem ser aproveitadas por serem benéficos à saúde, muitas vezes são ricos em proteínas e vitaminas. Porém, desconsideram a carcaça e a pele de frango.
Consumo do passado
O diretor-executivo da ONG de combate à fome Ação da Cidadania, Rodrigo Afonso, afirma que o consumo de produtos comumente descartados, já fazia parte da rotina de dezenas de milhões de brasileiros, que recorrem a isso para conseguir alguma proteína para comer.
Afonso ainda explica que quando há insegurança alimentar, a alimentação de restos ou alimentos muito baratos predominam. Quando a pessoa está com fome, ela tenta ir atrás do que comer no dia, sem se importar em comer sobras ou procurar alimentos no lixo.