O Brasil teve nova deflação em agosto, puxada pela queda dos preços de combustíveis e energia.
Com isso, o Índice de Preços ao Consumidor (IPCA) voltou ao patamar de um dígito no acumulado em 12 meses e ficou em 8,73%. Desde setembro de 2021, o indicador mantinha-se acima de 10%. Os dados foram divulgados nesta sexta-feira.
Em agosto, o IPCA recuou 0,36%, bem menos que em julho e abaixo do esperado por analistas ouvidos pela Bloomberg, que esperavam queda de 0,40%. Em 12 meses, a expectativa era de 8,72%.
O movimento dos preços
Um dos fatores que explicam a retração menos intensa do IPCA no mês passado é que o recuo da energia elétrica foi menos forte que o registrado em julho, embora ainda expressivo: queda de 1,27% no mês. Os combustíveis também caíram menos – a gasolina, por exemplo, teve queda de 11,64%, ante recuo superior de 15% no mês anterior.
O grupo Comunicação recuou em agosto devido à redução nos planos de telefonia fixa e de telefonia móvel, possivelmente influenciado pela redução do ICMS.
Além disso, vestuário e itens de higiene pessoal tiveram altas maiores: 1,13% e 2,71%, respectivamente.
Ainda assim, o mercado avalia que haverá nova deflação em setembro, puxada pelas seguidas quedas nos preços da gasolina e do diesel anunciadas pela Petrobras.
A redução do ICMS sobre combustíveis, energia e telecomunicações, que passou a vigorar no fim de junho, também deve contribuir para o freio da inflação neste mês. Assim, o indicador deve encerrar o ano mais “comportado”.
Mirella Hirakawa, economista sênior da AZ Quest, prevê deflação de 0,29% em setembro e projeta que o índice de preços vai encerrar o ano em 5,9% – número bem mais próximo do limite superior da meta de inflação (5%) deste ano, algo impensável pelos economistas no início do primeiro semestre, quando previam IPCA perto de 9% em 2022. Mas ela explica que a redução do indicador não é fruto de uma queda generalizada entre os produtos e serviços pesquisados pelo IBGE:
“Temos uma desinflação explicada, principalmente, pela redução de impostos e pelos reajustes de preços da Petrobras para baixo. Os núcleos de inflação [que excluem itens mais voláteis] ainda rodam em 10% em 12 meses, então a inflação ainda está em patamar alto e preocupa. E é por isso que o BC tem mantido nas últimas comunicações um tom de maior preocupação com a inflação.”
Os retrocessos no Brasil em 2022
Marcela Rocha, economista-chefe da Claritas Investimentos, que depois da divulgação do IPCA de agosto reduziu a projeção para o indicador no ano de 6,3% para 6%, corrobora que a deflação recente é explicada por fatores pontuais.
Ela também prevê deflação para o mês de setembro puxada por combustíveis diante dos reajustes para baixo anunciados pela Petrobras, mas explica que há uma série de preços na economia que continuam pressionados e assim devem seguir nos próximos meses.
“Há uma comemoração pelo segundo mês de deflação, mas tem componentes que continuam resilientes. É difícil conseguir desinflar de maneira significativa com núcleos de inflação pressionados e com boas notícias da atividade econômica e do mercado de trabalho. Vemos uma inflação demorando a conseguir sair desse patamar alto”, diz Marcela, ao afirmar que há um espalhamento da inflação, citando itens como higiene pessoal, cursos de educação, aluguel residencial e móveis, que acumulam altas de 7% a até 22% em doze meses.
O Santander reduziu a estimativa para o IPCA de 2022 nesta sexta-feira de 7,9% para 6,3%, sinalizando que só vê uma convergência para o centro da meta de inflação em 2024 (3%), e com riscos.
O C6 Bank, que reduziu a projeção para o IPCA de 2022 de 6,5% para 6%, pontuou que a inflação de serviços acumula alta de 8,8% e ainda não mostra tendência clara de desaceleração. “A inflação de preços livres (que exclui administrados) deve continuar desacelerando a passos lentos”, disseram os economistas do banco, em relatório.
Alta de 0,25 ponto da Selic em setembro?
Tendo em vista que a tendência é de preços livres ainda pressionados, analistas não descartam alta de 0,25 ponto percentual na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), o que elevaria a Selic (taxa básica de juros) a 14% ao ano.
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“A média dos núcleos de inflação, que havia dado um alívio no último dado, voltou a crescer de 0,53% para 0,66%. Crescem as chances de uma elevação final de 0,25 ponto na próxima reunião do Copom”, disse Alexandre Póvoa, economista e sócio da Meta Asset Management.
Alberto Ramos, economista-chefe para América Latina do Goldman Sachs, comunicou que o atual cenário de inflação e a sinalização pelos principais bancos centrais no mundo justificam uma calibração conservadora da política monetária por um período razoável de tempo. E, a depender do resultado do IPCA-15 de setembro e da evolução das expectativas de inflação, também vê possibilidade de aumento final de 0,25 ponto da taxa Selic na reunião do Copom de setembro.
A dúvida é quando os juros voltariam a cair no ano que vem. Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, disse no início da semana que a instituição não pensa em queda de juros neste momento e que a batalha contra a inflação ainda não está ganha.
Para Mirella, da AZ Quest, o resultado do IPCA de agosto não acelera a queda de juros em 2023, que deve ocorrer somente em meados de maio e junho do ano que vem.
“Ainda é muito cedo pra falar de corte de juros.”
Marcela Rocha, da Claritas, também prevê que o Banco Central possa cortar juros no segundo trimestre do ano que vem, mas pondera que essa redução da taxa Selic no período depende de mais boas notícias:
“Pelos dados de inflação de hoje, o cenário seria de o Banco Central postergar esses cortes até. A chance é de demorar mais e ficar para o segundo semestre de 2023.”
Alimentos seguem pesando no bolso
Um dos grupos pesquisados pelo instituto e que ainda preocupa o Banco Central é o de alimentos. Houve alta de 0,24% em agosto, ritmo menor que o de julho, quando os preços subiram 1,30%. O leite longa vida, um dos vilões da inflação recente, caiu 1,78% em agosto, mas acumula alta de 60% em 12 meses.
Kislanov explica que a desaceleração do grupo de alimentos e bebidas tem relação com a queda dos preços do leite, mas afirma que os preços continuam em patamar elevado.
“Estamos nos aproximando do final do período de entressafra, que começa a ter mais chuvas, melhorando as pastagens e consequentemente a produção [do leite]. Mas o leite subiu 25% em julho, e a redução foi de magnitude bem inferior.”
Outros itens importantes na mesa das famílias tiveram inflação como o frango em pedaços, o queijo e as frutas, que subiram entre 1% e 2% de julho para agosto.
Os preços do grupo Saúde e cuidados pessoais também não dão trégua. Saltaram de 0,49% em julho para 1,31% em agosto, puxado pelos aumentos dos itens de higiene pessoal e plano de saúde.
O grupo de Vestuário, por sua vez, também voltou a acelerar: subiu de 0,58% para 1,69%, impactado pelo aumento dos preços das roupas femininas, masculinas, calçados e acessórios.
Pedro Kislanov, gerente da pesquisa do IBGE, chama atenção para o índice de difusão – que mede a proporção de itens com variação positiva – que voltou a subir de 63% em julho para 65,25% em agosto.
“A inflação está menos disseminada, mas ainda representa maioria dos subitens do índice de preços.”
Às vésperas da eleição
O recuo nos preços é um movimento atípico no país. Do início do plano Real até agora, foram registradas 16 quedas na variação mensal do índice de preços ao consumidor brasileiro. Neste ano, a deflação é fomentada pelas reduções de preços administrados, às vésperas das eleições.
Com as quedas no IPCA, o mercado financeiro reduziu suas projeções para a inflação deste e do próximo ano, de acordo com o último Boletim Focus divulgado na segunda-feira. Segundo mediana das projeções das instituições financeiras, o índice deve encerrar o ano perto de 6,61%.
Principal instrumento usado pelo Banco Central (BC) para controlar a inflação, a taxa Selic (taxa básica de juros) está atualmente em 13,75% ao ano. Quando os preços sobem acima do previsto pelo BC, a Selic é elevada para tentar frear a inflação.