A trilha sonora sugerida para acompanhar a leitura das linhas abaixo está no álbum “Finally enough love: 50 number ones”, o mais recente de Madonna.
Lançada no dia 19, a coletânea reúne remixes para os 50 hits da popstar que chegaram ao topo da lista “Dance club songs” da revista americana Billboard. Além de oferecer quatro horas de festa, a playlist ajuda a contar a história da loura a partir de seu primeiro sucesso: a dançante “Everybody” completa exatos 40 anos no próximo dia 6.
Tanto tempo depois, poucos cantores da geração de Madonna seguem na ativa. E menos ainda conquistaram a relevância da artista descrita por Lady Gaga como “a maior popstar de todos os tempos”, em entrevista ao DJ Zane Lowe, na qual a novinha desviava-se de comparações com a veterana. Faz bem. Dificilmente outro astro será tão importante, tanto para o pop quanto para a própria indústria da música, como Madonna.
“Se hoje é difícil lutar contra a hegemonia do patriarcado nesta indústria, imagina no final dos anos 1970, quando ela chegou em Nova York” — diz a jornalista e DJ Claudia Assef, cofundadora da plataforma Women’s Music Event (WME), criada para fomentar iniciativas de mulheres na música no Brasil. “Assumir as rédeas da própria carreira foi uma questão de sobrevivência para Madonna”.
Madonna em números
- 300 milhões de álbuns vendidos;
- US$ 575 milhões de fortuna estimada;
- US$ 408 milhões é o recorde de arrecadação de uma turnê por uma artista solo, conquistado com ‘Sticky and sweet’;
- 632 milhões de visualizações de ‘La isla bonita’ no YouTube, sua melhor marca para um único vídeo;
28 indicações ao Grammy (venceu 7); - 22 atuações em filmes de longa-metragem;
- 0 Oscars.
“O sarrafo é alto”
De fato, a palavra “sobreviver” parece apropriada dentro do cruel ramo do entretenimento. Diferentemente de muitos de seus pares, a Material Girl nunca foi para rehab por consumo de álcool ou drogas, raramente cancela shows por motivos de saúde e gosta de alimentar a fama de perfeccionista.
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O diretor de arte brasileiro Giovanni Bianco, que trabalhou diretamente com ela na concepção das capas dos álbuns “Confessions on a dance floor” (2005), “Hard candy” (2008), “MDNA” (2012) e “Rebel heart” (2018), ressalta que “com Madonna o sarrafo é alto”.
“Ela nunca está satisfeita. Questiona absolutamente todas as ideias que apresentamos. No fim das contas, acaba aprovando a primeira versão (risos). Aí você entende que ela estava apenas testando a consistência das sugestões — relata Giovanni, cujo primeiro editorial de moda com Madonna aconteceu para a revista “W”, em 2003, em parceria com o fotógrafo Steven Klein”.
Nos últimos 20 anos, Klein tem feito parte da entourage de Madonna, acompanhando-a em turnês e entrevistas, e assinando algumas das imagens mais recentes. Nos anos 1980, a “tchurma” da estrela era a do artista multimídia Andy Warhol, e dos artistas plásticos Keith Haring e Jean Michel Basquiat, com quem teve um breve namoro. Ah, sim, os namoros…
“É mentira que eu só namoro homens mais novos do que eu”, defendeu-se a diva em entrevista ao Ellen Show, em 2015. “Eu namorei o Warren Beatty!”, argumentou, citando o ex 20 anos mais velho. Ainda assim, são os mais jovens que têm integrado a lista de acompanhantes da estrela nas últimas duas décadas. No bonde dos novinhos está o modelo, ator e DJ carioca Jesus Luz, quase 30 anos mais jovem, com quem ela namorou por dois anos. O casal se conheceu quando Madonna veio ao Brasil para a turnê “Sticky and sweet”, em 2008.
Falando em novinhos, naquela primeira década do século XXI, alguns dos fãs mais recentes da loura ainda eram jovens demais para assistir aos shows nas turnês. Foi este o caso do vendedor mineiro Pedro Compasso, dono do perfil “Império Madonna” no Instagram. Aos 27 anos hoje, ele tinha apenas 12 quando “Sticky and sweet” desembarcou por estas bandas.
“Eu já era louco por ela desde os 8. Culpa do meu pai, que chegou em casa com um DVD com “Os melhores clipes dos anos 80”. Um dos vídeos era de “La isla bonita”. Fiquei tão impressionado com aquela mulher que saí pesquisando tudo o que eu podia na internet sobre ela” — conta Pedro, 21 anos e três tatuagens (o “X” de “Madam X”, “MDNA” em japonês e o logo de “50 number ones”) depois.
Madonna no Brasil
Pedro nem era nascido quando Madonna pisou no Brasil pela primeira vez. Foi em 1993, quando a Dueto Produções, produtora da cineasta e escritora Monique Gardenberg e do produtor americano Jeffrey Neale, cometeu a ousadia de trazer a gigantesca turnê “Girlie show” ao país. Naquela época, o país só tinha tido duas edições do Rock in Rio, e raramente entrava no radar de megastars internacionais para shows solo.
“Chegaram dois aviões, um só com o material do show, instrumentos, cenário; e outro com Madonna e a entourage” — conta o produtor americano. “Os funcionários do aeroporto foram para a pista recebê-la, eram quase duas mil pessoas. Ela ficou apavorada e não quis descer. A Polícia Federal teve que entrar na aeronave para carimbar os passaportes”.
Não satisfeita em causar na chegada ao Rio de Janeiro, Madonna queria mais. Hospedada em Ipanema, cismou de dar uma volta pela cidade, disfarçada, usando peruca preta. E Jeffrey foi escalado para passear com ela pelo Rio.
“Ela estava a cara da Cher. Saímos de mãos dadas no elevador de serviço, tipo namorados, jurando que conseguiríamos despistar os paparazzi. Alguns deles eram espertos, perceberam e nos seguiram. Ainda assim conseguimos visitar o Corcovado e tomamos uma água de coco na Barra da Tijuca. Na hora de pagar, ela não tinha dinheiro! Disse que nunca andava com “cash”” — diverte-se ele, que pagou a conta.
Com a prole
Orçamento não é exatamente problema para Madonna, cuja fortuna atual é estimada em cerca de U$ 575 milhões (mais de R$ 2 bi), segundo a Forbes. Uma herança nada modesta que deverá deixar para os seis filhos, Lourdes Maria, 25 (com o personal trainer Carlos León); Rocco Ritchie, 22 (com o cineasta Guy Ritchie); David Banda, 16; Mercy James, 16; e as gêmeas Stere e Stella, de 9.
“Uma das coisas que mais me impressionaram ao entrar neste “mundo Madonna” foi perceber como ela é supermãe” — conta o designer Giovanni Bianco. “Ela é um clichê de mãe mesmo, sempre preocupada, atenta, presente. É um lado que pouca gente percebe, mas que é muito forte nela”.
Foi para agradar David Banda que Madonna se mudou para Portugal em 2018, onde morou por dois anos. A experiência rendeu o álbum “Madame X”, lançado em 2019. Madonna misturou sons portugueses com o pop, agregando participações de artistas daquele país, como o grupo Orquestra Batukeiras, composto por mulheres percussionistas.
“Ela é uma brilhante curadora de pessoas” — diz Claudia Assef. “Madonna sempre soube escolher cuidadosamente com quem trabalha, com quem faz parcerias, de estilistas, como Jean Paul Gaultier, aos produtores de seus discos, como (o DJ suíço) Mirwais”.
Entre os primeiríssimos parceiros está Stephen Bray, ex-namorado de adolescência que chegou a Nova York em 1979 para tocar bateria na Breakfast Club, a primeira banda de Madonna. Em 1980, os dois saíram do grupo e gravaram uma fita cassete com três canções.
Entre as faixas estava uma versão de “Everybody”. Madonna insistiu para que o DJ Mark Kamins, residente da boate Danceteria, tocasse a música para testá-la na pista. Kamins gostou tanto que levou Madonna até os executivos da Warner Music, que decidiram lançar oficialmente o single.
Já entre os parceiros mais recentes estão megastars como Beyoncé, que além de participar do single “Bitch I’m Madonna”, em 2015, também acaba de lançar “Break my soul”, que nada mais é do que uma releitura de “Vogue”, o consagrado hino à diversidade. Na nova faixa, a rainha Bey carimba e subscreve a relevância de Madonna referindo-se à loura como “Queen Mother”, antes de atualizar a letra citando personagens contemporâneos.
A mais nova integrante da turma é a rapper dominicana Tokisha, que arremata a história contada em “Finally, enough love…”, participando de uma releitura de “Hung up”. No vídeo da canção, lançado na segunda-feira, Madonna dá beijos de língua na rapper, além de usar e abusar dos figurinos ousados que parecem incomodar alguns, a julgar pelos comentários nas redes sociais da estrela.
“Esse incômodo atual das pessoas com Madonna tem nome. Chama-se “etarismo”. Além do machismo, esta é outra barreira que precisamos quebrar. Apenas Madonna, e mais ninguém, decide como ela própria deverá se vestir ou se comportar, não importa a idade em que estiver” — reforça Claudia. “Daqui, só me cabe aplaudir”.