Imagine você acessar o saldo da conta do banco, se deparar com bilhões sobrando e descobrir depois que o breve sonho de virar bilionário não passou de uma falha de sistema ou de um erro humano?
Jairo Xavier Evangelista, 51, morador de Valparaíso de Goiás, passou por algo parecido ao receber R$ 15 bilhões por engano da Caixa Econômica. Pouco tempo após a devolução do valor, o banco bloqueou o cartão de crédito do correntista e impediu o acesso dele à sua conta bancária, o que tornou a experiência ainda mais estressante.
“Liguei no 0800 da Caixa Econômica, que pediu meu CPF e falou que era um erro de sistema. Até aí tudo bem”, conta Evangelista a Tilt. “Precisei, no mesmo instante, abastecer o carro, mas deu cartão bloqueado. Liguei no banco novamente e a atendente disse que tinha dado pane [no sistema]. Fui para casa sem abastecer. Precisei pegar dinheiro emprestado para realizar meus compromissos.”
Por causa do ocorrido, Evangelista abriu um processo judicial contra a Caixa Econômica. A defesa do cobrador argumentou que a situação gerou ansiedade e desconforto pelo constrangimento sofrido.
No outro lado, Caixa Econômica informou que o bloqueio da conta teria ocorrido por causa de inadimplência do cliente.
Após analisar os argumentos de ambos, o juiz Leonardo Tocchetto Pauperio, da Subseção Judiciária de Luziânia, em Goiás, determinou que o cobrador teria direito a uma indenização no valor de R$ 1 mil.
O juiz reconheceu a falha “evidente” do banco, mas completou que Evangelista não apresentou provas suficientes dos impactos de ter ficado dois dias sem acesso à sua conta bancária.
A saga para devolver R$ 100 mil
Outra brasileira que passou por um erro envolvendo transações financeiras foi a advogada Jéssica Martins Silva Cortes, 28, de Anápolis.
Segundo a profissional, ela ficou 21 dias tentando devolver R$ 100 mil que viu aparecer por engano em sua conta. em março deste ano.
“Quando vi a notificação do banco sinalizando o pix que recebi, me assustei com o valor. No primeiro momento, pensei que pudesse ser algum erro de digitação. Entrei no aplicativo conferindo o extrato, então vi que era um pix de R$ 100.000”, afirma.
A transação foi fruto de um acordo judicial firmado entre Cortes, que representava uma cliente, e a empresa Porto Seguro. No lugar dos R$ 100.000, ela deveria ter recebido R$ 14.000.
“Ninguém falou comigo e ainda fizeram mais um pix no valor de R$ 1.400,00. Liguei e não consegui contato por telefone. Mandei um email para a ouvidoria. Se não me engano, me responderam dois dias depois pedindo mais informações para identificarem as transações“, relata Cortes.
Depois de alguns dias sem resposta, ela mandou um email cobrando retorno da empresa para que pudesse repassar o valor correto do processo para sua cliente.
A Porto Seguro retornou então com o número da conta para a devolução dos R$ 87.400,00. Segundo a companhia, o erro foi causado por falha humana.
R$ 18 milhões e um Porshe
Em 2019, um empresário de Goiás virou notícia por ter recebido R$ 18 milhões por engano na conta de sua empresa, ter comprado um Porshe e ter se tornado alvo de investigação por apropriação indevida de dinheiro.
De acordo com a Polícia Civil, uma falha no sistema do Banco Safra S.A. no final de 2018 foi responsável pela transação milionária.
A compra do Porsche, avaliado em R$ 280 mil, e cinco transferências no valor total de R$ 1,1 milhão realizadas pelo dono da companhia levantou suspeitas.
O advogado de defesa do empresário afirmou que o problema aconteceu por causa do bloqueio de todas as contas de seu cliente, o que não permitiu devolver o valor que tinha sido retirado para estornar o total de R$ 18 milhões.
Erros também fora do Brasil
Em setembro, o engenheiro de segurança Sam Curry viu aparecer em sua conta US$ 249.999,99 (quase R$ 1,2 milhão em conversão direta) enviados pelo Google.
“Faz pouco mais de 3 semanas desde que o Google me enviou aleatoriamente $ 249.999 e ainda não ouvi nada sobre o ticket de suporte. Existe alguma maneira de entrarmos em contato
@Google?”, compartilhou no Twitter.
Eventualmente Curry caça erros em softwares, chamados de bugs, para empresas como o Google, mas nenhuma recompensa teve relação com um valor tão alto. A preocupação do “sortudo” foi ter que pagar impostos caso a empresa demorasse para respondê-lo, segundo informações do site NPR.
Um porta-voz do Google confirmou o erro na transferência ao portal: “Nossa equipe recentemente fez um pagamento errado por causa de uma falha humana. Agradecemos que fomos comunicados prontamente pela parte afetada e estamos trabalhando para corrigir o equívoco”.
Como evitar que falhas do tipo ocorram
O professor Leandro Pupo Natale, da faculdade de computação e informática da Universidade Presbiteriana Mackenzie, reforça que erros em transferências bancárias geralmente envolvem dois aspectos: falha humana e/ou do software usado pelos bancos.
No primeiro caso, não é descartado erros de digitação e/ou de atenção. O segundo envolve a complexidade do sistema bancário e parâmetros usados no processo.
“Apesar de todo o planejamento que possa ser feito, infelizmente é impossível identificar e testar todas as possibilidades de valores, parâmetros e ações a serem realizadas num software, principalmente naqueles que possuem regras e processos complexos, como os financeiros”, afirma Natale.
Para ele, empresas com bons profissionais direcionam os esforços para minimizar os riscos. Mas para uma ação mais eficaz, os softwares, principalmente os que gerenciam valores financeiros, precisam possuir mecanismos que permitam verificar todas as operações realizadas para uma confirmação posterior da instituição bancária, sejam operações automáticas ou realizadas pelo operadores humanos.