‘Poderia ser qualquer uma dessas crianças de favela, qualquer um poderia ser meu irmão”.
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As palavras vêm de uma jovem de 17 anos. Sintetizam o medo e a angústia refletidos nos rostos das crianças que derramavam lágrimas durante o funeral de um garoto de 13 anos, em uma imagem que se tornou viral nesta semana.
Thiago Menezes Flausino perdeu a vida durante uma operação policial conduzida por equipes do Batalhão de Polícia de Choque na Cidade de Deus, região oeste do Rio de Janeiro, nas primeiras horas da última segunda-feira (7).
O que dizem familiares e amigos
A irmã de Thiago relata que a família saiu da residência onde moravam para evitar confrontar as lembranças. Com três dias passados desde a tragédia do adolescente, parentes exigem uma resposta das autoridades e a prestação de contas dos policiais que participaram da operação.
![Irmã de menino morto pela PM diz: "Podia ser qualquer garoto de favela"](https://osegredo.com.br/wp-content/uploads/2023/08/thiago-menezes-flausino-de-13-anos-morto-pela-pm-no-rio-1691632510875_v2_360x480.jpg.webp)
“Não estamos comendo, nem dormindo direito. As roupas dele estão todas no mesmo lugar, pegamos as comidas que tínhamos e saímos de casa”. – Irmã de Thiago Flausino
“Nunca vi tanta criança abalada, tão triste. Elas só choravam”, descreve João Luis Silva, integrante da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) e colaborador da ONG Rio de Paz.
A mãe do jovem está sob influência de medicamentos.
“Estamos orientando ela a passar com um acompanhamento psicológico para ela enfrentar a dor”, relata Silva.
Thiago costumava estar na escola das 7h30 às 14h30.
“Ele não costumava faltar à aula”, comenta a irmã.
Ela relata que seu irmão era uma pessoa alegre e extrovertida, capaz de fazer amizade facilmente com todos que cruzassem seu caminho.
“As pessoas tinham um carinho grande por ele.”
Durante a semana, o garoto praticava futebol, além de jogar aos sábados pela manhã.
“Ele gostava muito de brincar na rua, jogar bola no campo, gostava muito de andar de moto”, relata a adolescente.
A moto é um meio de locomoção frequente entre os jovens das áreas periféricas do Rio de Janeiro.
“Na realidade deles, a moto representa existência, poder e visibilidade”, ressalta o membro da ONG.
Segundo a irmã, Thiago era uma criança bem-humorada e educado.
“Eles sempre teve muitos amigos, as crianças iam atrás dele para brincar.”
Foi por meio de uma mensagem de um amigo que ela ficou sabendo da morte do adolescente.
“Não queria acreditar quando me avisaram. Minha mãe me ligou já desesperada perguntando por ele, e eu desliguei porque não queria falar nada”. – Irmã de Thiago Flausino
Ao ser informada, a adolescente relatou que deixou sua residência e dirigiu-se até o local do falecimento.
“Vi um policial rindo perto do corpo do meu irmão, estavam debochando. Depois, vi dois policiais mais distantes chorando”, revela. “Minha mãe ficou deitada no chão desesperada”.
O que dizem testemunhas
Thiago conduzia uma motocicleta quando notou a presença de um carro prata atrás dele, no mesmo sentido, de acordo com relatos de moradores locais.
“Quando Thiago derrapou, ele viu que seria abordado, levantou as mãos e tentou se afastar da moto para sinalizar que não sairia em fuga”, relatou Silva.
A família alega que as imagens capturadas foram manipuladas pela polícia. A abordagem teria acontecido em frente a uma oficina mecânica com câmeras de segurança. De acordo com Silva, o vídeo mostra Thiago caído, uma pessoa se aproximando e outra pessoa armada, que ele afirma ser um policial, se afastando. Os registros não capturaram o momento em que o garoto foi atingido.
O pai da criança teria chegado ao local para encontrar o filho e também teria sido alvo de tiros disparados pelos policiais fardados que saíram do carro prata. A irmã do menino relatou que, ao ouvir os tiros, enviou uma mensagem a Thiago, pedindo que ele retornasse para casa.
“Precisamos fazer o recorte de raça e classe. Se o Thiago fosse uma pessoa branca, ele não teria sido alvejado da forma como foi. Se ele estivesse 2km distante dali, na Barra da Tijuca, não teria acontecido. Se tivesse acontecido, os autores já teriam sido descobertos. Quando acontece na favela, a pessoa que tem que provar que ela não é criminosa”. – João Luis Silva, membro da Comissão de Direitos Humanos da Alerj e articulador da ONG Rio de Paz
A versão oficial da PM do Rio
“A Cidade de Deus é uma área conflagrada, logo, justifica-se a presença de forças de segurança no local”, declarou a Polícia Militar do Rio de Janeiro, em resposta ao UOL sobre o propósito da operação.
Segundo a pasta, houve um confronto. “Após confronto, um adolescente foi encontrado atingido e não resistiu aos ferimentos. Uma pistola calibre 9mm foi apreendida no local. A área foi isolada e a Delegacia de Homicídios da Capital acionada.”
A Secretaria de Estado de Polícia Militar do Rio de Janeiro declarou que “o comando da corporação instaurou um procedimento apuratório, por meio da Corregedoria Geral, para averiguar todas as circunstâncias da ação que vitimou fatalmente um adolescente nas imediações da Comunidade da Cidade de Deus, na Zona Oeste da Cidade do Rio, no último dia 7 de agosto.”
A secretaria informou também que está cooperando plenamente com todas as etapas da investigação da Polícia Civil. De acordo com a pasta, “os policiais militares já foram ouvidos e as armas disponibilizadas à perícia.”
Segundo os agentes da ocorrência, “equipes do Batalhão de Polícia de Choque realizavam policiamento na esquina da Estrada Marechal Miguel Salazar com rua Geremias quando dois homens em uma motocicleta atiraram contra a guarnição”, relatou a secretaria
Menino foi chamado de criminoso
Na manhã de segunda-feira, a Polícia Militar do RJ divulgou um texto em que se referia a Thiago como “criminoso”. A publicação alcançou mais de 350 mil visualizações até a tarde do mesmo dia. Conforme o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), crianças e adolescentes não cometem crimes, mas sim atos infracionais.
A mensagem foi removida horas depois. “Entramos com um pedido judicial para que a polícia retirasse a postagem em que dizia que ele estava armado e se referindo a ele como ‘criminoso’. A postagem foi apagada”, afirma Silva, membro da Comissão de Direitos Humanos da Alerj.
A Defensoria Pública do Rio de Janeiro pretende solicitar acesso ao resultado da perícia realizada no local, conforme Silva informou.
“Houve um homicídio, com o agravante de a vítima ser um adolescente. Na esfera civil, o Estado tem que reparar esse dano.”