O professor do curso de medicina da UFPB (Universidade Federal da Paraíba), Luciano Bezerra Gomes, está sujeito a um processo interno para justificar o uso de uma camiseta do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) durante suas aulas.
Um indivíduo apresentou uma reclamação à Ouvidoria Geral, que está sob a jurisdição da Reitoria da UFPB, embora não tenha indicado se era aluno ou não. A Ouvidoria tomou a decisão de iniciar um processo e encaminhá-lo ao Centro de Ciências Médicas para investigação. O professor em questão foi informado sobre esse procedimento em 5 de setembro.
A mensagem enviada em 31 de agosto, que deu início ao processo, afirma:
“Em suas aulas de Epidemiologia no curso de medicina realiza propaganda política, utilizando roupas com logos do Movimento Sem Terra, e utilizando em seus slides no retroprojetor a logo de tal movimento de cunho político-social. Outros professores desse mesmo departamento também utilizam adesivos e alusões envolvendo manifestações políticas.” Mensagem enviada à Ouvidoria da UFPB
No processo, a Ouvidoria menciona que “não foram encaminhados elementos de materialidade sobre as supostas irregularidades”, mas observa que o relato “contém os elementos mínimos descritivos para apuração, análise e providências cabíveis.”
Professor atua com MST desde 2020
Luciano Bezerra Gomes, doutor em Clínica Médica pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), possui 15 anos de experiência como professor na UFPB, onde trabalha no Departamento de Promoção da Saúde e coordena o Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva.
Além disso, ele está envolvido em um projeto de extensão que desenvolve atividades em acampamentos e assentamentos do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
Em entrevista à coluna, ele esclarece que desde o início da pandemia em 2020, tem estado envolvido em iniciativas desenvolvidas em acampamentos e assentamentos para auxiliar trabalhadores rurais na prevenção da covid-19.
“Por estar já há mais de três anos ativamente trabalhando com o movimento, em vários momentos eu ganhei camiseta, boné e outras coisas como presentes, que eu tenho utilizado com outras camisas para defender as pautas que acho importantes.”
![Professor de medicina enfrenta processo por usar camisa do MST em aula](https://osegredo.com.br/wp-content/uploads/2023/09/projeto-de-extensao-em-assentamento-do-mst-na-paraiba-1694465058055_v2_750x421.jpg.webp)
Desde o ano passado, o projeto inicial foi formalizado e tornou-se uma iniciativa oficial de extensão da UFPB, incluindo a participação de bolsistas e a realização de atividades nos territórios rurais.
“Sempre usei a camisa, nunca tive problema porque não é ilegal! Eu posso me expressar livremente, a Constituição e a legislação vigente me dão esse direito; e o MST é um movimento legal que existe no nosso país e que tem uma pauta, para mim, legítima e que deve ser defendida.”
Quanto ao slide mencionado na denúncia, o professor nega tê-lo utilizado.
“Em nenhum momento usei slide com o logo do MST ou de qualquer outro movimento. Eu uso meu computador pessoal em vários momentos na sala de aula porque a Universidade vive um período de depredação das condições de trabalho. Na área de trabalho dele tem imagens do projeto de extensão, e algum estudante deve ter se incomodado.”
Perseguição
Na visão de Luciano, a decisão da Ouvidoria de prosseguir com o processo, em vez de arquivá-lo por falta de evidências materiais, reflete uma suposta perseguição do atual reitor a opositores.
A reitoria da UFPB, em comunicado, esclareceu que não lhe cabe “manifestar posicionamento sobre tema que está sob competência da Ouvidoria.”
De acordo com a instituição, a função da ouvidoria é “levantar elementos mínimos descritivos de presumível ato ilícito, informar ao interessado e, se for o caso, endereçar o processo às autoridades competentes para o juízo de admissibilidade.”
A UFPB foi uma das 20 universidades federais em que os reitores nomeados por Jair Bolsonaro foram diferentes dos vencedores das consultas internas, conhecidos como “interventores”. Essa prática tem sido alvo de críticas nas instituições de ensino, embora não seja ilegal.
Valdiney Veloso Gouveia foi nomeado por Bolsonaro em novembro de 2020 e tem um mandato de quatro anos. Na consulta pública realizada com alunos, servidores e professores, ele ficou em terceiro lugar. Apesar de não ter recebido votos no Conselho Universitário, seu nome constou na lista tríplice.
No ano de 2020, o professor Luciano apoiou ativamente a candidatura da professora Teresinha Domiciano, que obteve a maior quantidade de votos na consulta para a seleção de reitor. Além disso, ele é membro de um grupo que se opõe à nomeação do reitor indicado por Bolsonaro.
“Isso vem no cenário da perseguição aos movimentos sociais, especialmente o MST; mas também tem a ver com conjuntura que vivemos há mais de dois anos com um reitor interventor. Há servidores sendo perseguidos, e a Ouvidoria tem sido usada para fazer isso. A situação tem sido repetida.”
![Professor de medicina enfrenta processo por usar camisa do MST em aula](https://osegredo.com.br/wp-content/uploads/2023/09/luciano-usando-bone-do-mst-durante-visita-a-area-rural-1694465126800_v2_750x421.jpg.webp)
No processo, ao qual o UOL teve acesso, a Ouvidoria recomenda ao Centro de Ciências Médicas que, se não identificar irregularidades na denúncia, tome medidas para prevenir futuras “falhas” por parte do servidor.
“Caso não seja necessária a apuração de potenciais irregularidade, recomendamos que a autoridade superior hierárquica realize ‘medidas de gestão’ para corrigir e evitar o cometimento de falhas por parte do servidor público, com a finalidade de manter a regularidade na execução e prestação dos serviços públicos e prevenir a ocorrência de ilícito disciplinar.”
Associação questiona, e reitor responde
O processo foi alvo de protesto por parte da Adufpb (Associação dos Docentes da Universidade Federal da Paraíba), que emitiu uma nota em defesa de Luciano, ao mesmo tempo em que denunciou a “repressão e perseguição pelos instrumentos institucionais e administrativos, que deveriam servir ao bem comum e à exigente transparência de uma sociedade democrática.”
“Estamos diante de uma cultura de embrutecimento e esgarçamento das relações sociais, que incentiva de forma irresponsável o conflito social, a intolerância, o preconceito e até mesmo a violência como meio de interação social. Tão grave quanto é o uso dos aparatos de Estado, sejam aqueles administrativos ou de segurança pública, que são hodiernamente acionados como formas de admoestar movimentos sociais, coletivos ou individuais que não se alinhem ao modelo ideológico vigente.” Adufp
Sobre as alegações de perseguição, o reitor declarou ao UOL que, “se há acusações de perseguição de professores ou técnicos administrativos, ou de uso da Ouvidoria por parte do Reitor, penso que precisarão ser investigadas essas condutas pouco republicanas.”
“Agora, dada a gravidade das acusações, é importante que se mostrem as provas irrefutáveis. Quaisquer outras especulações ou acusações não passarão de narrativas enviesadas. Em definitiva, vivemos tempos difíceis, recheados de mentiras contadas e calúnias, difamações e injúrias propagadas, que se espera serem impostas sem contestação, pese à sua natureza delituosa.” Valdiney Veloso Gouveia