O acidente aéreo ocorrido em Barcelos, no Amazonas, na tarde deste sábado (16/9), resultou na perda do médico Roland Montenegro Costa. Aposentado do Hospital de Base de Brasília, Roland era cirurgião especializado em aparelho digestivo e pioneiro em transplantes em Brasília.
Ele mantinha um consultório particular e realizava cirurgias em vários hospitais da cidade. Não há informações disponíveis sobre o velório. Roland completaria 71 anos em 1º de outubro, deixando quatro filhos e dois netos. Em conformidade com um desejo do médico, ele será submetido à cremação.
Durante seus 45 anos de prática médica, Roland se destacou como uma figura de destaque na capital, introduzindo inovações à medicina com técnicas para tratar pacientes com tumores no fígado e pâncreas.
Em 2006, por exemplo, empregou uma técnica pouco convencional para remover um tumor do fígado de uma mulher de 52 anos, que havia recebido prognósticos desfavoráveis de outros profissionais da área médica.
“Foi utilizado muito conhecimento que a experiência do transplante nos trouxe. O risco de morte tornava quase proibitivo seguir com a cirurgia, mas julgamos que conseguiríamos manter as estruturas vitais para garantir a sobrevivência da paciente” esclareceu o médico Lúcio Lucas, de 53 anos, que colaborou com Roland no tratamento da paciente.
Em setembro de 2005, Roland surpreendeu ao realizar a extração de um facão com 25 cm de comprimento do pescoço de um pedreiro. A lâmina estava perigosamente próxima à aorta, mas o médico conseguiu salvar a vida do paciente em uma cirurgia que se estendeu por duas horas.
As habilidades de Roland resultaram em uma inovadora técnica cirúrgica no pâncreas, que recebeu o seu sobrenome. A técnica de Montenegro para anastomose pancreato gástrica foi detalhada em 2005 e apresentada durante o Congresso Europeu da Sociedade Internacional de Cirurgia Hepato-Pancreatobiliar, realizado em Heidelberg, na Alemanha.
Após a remoção de tumores no pâncreas, a reconstrução do órgão após o procedimento apresenta vários desafios. Aproximadamente 25% dos pacientes enfrentam complicações, mas com a técnica elaborada por Roland, essa estatística foi significativamente reduzida.
“Pela técnica de Montenegro essa reconstrução do pâncreas passou a apresentar cerca de 5% de complicações” informou Lúcio.
Pacientes se tornaram amigos
A jornalista Gláucia Guimarães, de 51 anos, relata que conheceu o médico há uma década, em um momento desafiador de sua vida.
“Eu descobri um nódulo na cauda do pâncreas. Na época, consultei vários médicos e todos indicaram Roland. Ouvi de muitos profissionais da saúde que se eles próprios tivessem qualquer problema no pâncreas, não teriam dúvidas, procurariam o Dr. Roland” compartilhou.
Gláucia foi submetida a uma cirurgia realizada por Roland, e depois disso, a relação entre médico e paciente evoluiu para uma sólida amizade.
“Trocávamos mensagens por aplicativo de mensagem, conversávamos de política, mas principalmente do que a gente gostava muito de fazer. Ele amava pescar e eu amo praia” descreveu.
A amiga de muitos anos lamentou a precoce partida de Roland.
“Era um cara muito importante na minha vida, sempre vou me lembrar do carinho dele comigo, do cuidado com o paciente, do telefone dele à disposição, dos elogios que ele me fazia quando eu estava trabalhando na TV” recordou.
Lúcio também lamentou a perda do colega de profissão, com quem colaborou por 24 anos.
“Pra mim, ele foi um dos cirurgiões mais importantes que já passou por Brasília, ele tinha uma capacidade única e inovadora” relatou.
Lúcio mencionou que Roland foi um dos primeiros cirurgiões brasileiros a buscar especialização em transplantes no exterior. O cirurgião se aprimorou na profissão durante temporadas na Alemanha e nos Estados Unidos.
Em 1987, teve uma experiência como estagiário em Cirurgia Geral no Hospital Klinikum Steglitz, da Universidade Livre de Berlim, na Alemanha. Anos mais tarde, entre 1991 e 1993, realizou um fellowship em transplante de órgãos abdominais pela Universidade de Pittsburgh, na Pensilvânia, nos Estados Unidos.
“Ele era uma pessoa muito especial e vou lembrar dele como uma pessoa de extrema habilidade, sempre foi uma pessoa com muito conhecimento, sempre ajudou os profissionais mais novos” compartilhou Lúcio, com a voz emocionada.