A atual onda de calor, que tem impacto mais pronunciado nas regiões Sudeste e Centro-Oeste do Brasil, não apresenta sinais de alívio a curto prazo.
De acordo com pesquisadores da OMM (Organização Meteorológica Mundial), a previsão é de que as temperaturas elevadas persistam, pelo menos, até abril de 2024. Nesse período, os efeitos do fenômeno El Niño continuarão exercendo uma influência significativa sobre o clima brasileiro.
“Tudo indica que teremos um verão extremamente quente. É um El Niño de intensidade muito forte que, juntamente com o aquecimento global, produz esses efeitos que nós estamos vendo” afirma Saulo Rodrigues Pereira Filho, coordenador da Rede Clima da UnB (Universidade de Brasília).
Como consequência do fenômeno climático, menciona-se a seca na região do Amazonas e as chuvas intensas no Sul do Brasil.
Nesta semana, os termômetros no Rio de Janeiro ultrapassaram os 40°C em algumas ocasiões. Na capital do estado, a sensação térmica atingiu mais de 58°C nesta terça-feira (14), conforme informações do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia). Cuiabá, no Centro-Oeste, foi a capital mais quente do país nesse dia.
Ricardo de Camargo, meteorologista do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP (Universidade de São Paulo), também prevê a possibilidade de persistência do calor intenso, com pequenos intervalos de tempo mais ameno.
“Realmente podemos enfrentar situações parecidas como essa justamente por conta da influência do El Niño. É bem provável que a gente tenha as condições propícias para o acontecimento de novas ondas de calor. O que não dá para fazer é uma antecipação tão fidedigna e tão assertiva de quando isso pode acontecer”, declara.
O que é o El Niño?
O fenômeno climático é caracterizado pelo enfraquecimento dos ventos alísios, que sopram de leste para oeste, e pelo aquecimento anômalo das águas do oceano Pacífico, especialmente na superfície da porção leste, na região equatorial.
Com essas alterações, a interação entre a superfície oceânica e a baixa atmosfera também se transforma, e a dinâmica de circulação das massas de ar adota novos padrões de transporte de umidade, impactando a temperatura e a distribuição das chuvas, o que acarreta consequências no tempo e no clima de diversas partes do planeta.
O El Niño ocorre em intervalos que variam entre três e sete anos, mantendo-se, em média, por seis a 15 meses. Saulo Rodrigues, da UnB, esclarece que no Brasil, o fenômeno resulta em períodos de seca nas regiões Norte e Nordeste, enquanto o Sul enfrenta chuvas intensas e ciclones extratropicais.
No Sudeste, a transição para o regime de chuvas, que é esperada para esta época do ano, está ocorrendo de maneira mais tardia do que o habitual, destaca Ricardo de Camargo, da USP.
“Estamos tendo um período extremamente longo, em que não há atuação de nenhuma frente fria. Elas não estão conseguindo avançar em direção ao Sudeste e ao Centro-Oeste. Chove muito no Sul, e as frentes frias vão embora direto para o oceano.”
O meteorologista explica a conexão entre a movimentação no oceano Pacífico e essa condição. “A atmosfera sente a mudança do posicionamento das águas quentes que saem lá de perto da Ásia, da Austrália e da Oceania e vêm ocupar porções mais centrais ou até mais próximas da América do Sul. E aí existe um impacto. Uma das assinaturas é justamente essa dificuldade dos sistemas frontais conseguirem avançar mais em direção ao Sudeste e ao Centro-Oeste.”
Aquecimento global
Embora frequentemente discutidos em contextos semelhantes, aquecimento global e El Niño não são equivalentes. Além disso, conforme avaliação de Rodrigues, da UnB, somente o El Niño não seria suficiente para explicar a atual condição climática do Brasil.
Para o pesquisador, o fenômeno exerce uma influência relevante, mas a análise dos eventos extremos deve, antes de tudo, levar em consideração o aquecimento global.
Ele alerta que as projeções relacionadas a eventos de chuvas intensas, calor extremo e secas severas tendem a se tornar mais frequentes e intensas. Esses episódios podem desencadear desastres socioambientais e problemas de saúde.
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“Já existe um conhecimento científico sólido sobre a capacidade que as mudanças climáticas possuem de produzir grandes perdas e danos para a sociedade e para as atividades produtivas. As populações vulneráveis se tornam muito potencialmente vítimas desse cenário” destaca.
Segundo Ricardo de Camargo, não há mais margem para questionar que as mudanças climáticas estejam em andamento. “É inegável que as temperaturas estão cada vez mais altas em todos os lugares do planeta de uma maneira quase geral. Não há mais espaço para negacionismo com relação a isso.”
O meteorologista e pesquisador da USP afirma que, apenas ao examinar as notícias veiculadas pela imprensa, já se percebe que o mundo todo está enfrentando situações de eventos climáticos severos.
“As projeções indicam que os sistemas transientes [que nascem, se deslocam de uma região para outra e se dissipam] e os eventos extremos devem ficar mais frequentes, mais comuns, e vão atingir [as localidades] com maior severidade.”
Contudo, Camargo faz uma ressalva: “É difícil atribuir um percentual de responsabilidade da mudança climática nessa onda de calor que estamos vivenciando agora”, avalia. Ele diz que é possível associá-la à mudança no regime de precipitação que é observada, “mas com algum cuidado”.
Políticas públicas
Para Saulo Rodrigues, os países desenvolvidos são os principais responsáveis pelo aquecimento global, emitindo uma quantidade significativamente maior de gases de efeito estufa. Ele considera o papel do Brasil nesse contexto desafiador.
“Nós temos uma matriz energética com grande percentual de energia renovável, 90% composta de energia renovável. Poucos países do mundo têm essa capacidade de produzir energia com baixas emissões de carbono, e o Brasil tem esse ativo. O Brasil também tem a floresta amazônica e o cerrado, que retiram carbono da atmosfera. Isso é muito importante para o equilíbrio climático, então o Brasil é parte da solução. O principal problema brasileiro é a questão do desmatamento” analisa.
O pesquisador da UnB destaca a redução nas taxas de desmatamento este ano como um resultado positivo, porém, ressalta a necessidade de o governo formular políticas públicas voltadas para os efeitos de médio e longo prazo.
“Somos reconhecidamente um dos países mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas, porque [o Brasil] se localiza em uma faixa tropical onde as temperaturas normalmente já são mais elevadas. O aquecimento global tende a intensificar essas temperaturas”, conclui.