Jéssica Signor, de 19 anos, estava em casa organizando as coisas para o feriado. O marido, Guilherme Castaman, de 18 anos, havia saído às pressas há algum tempo para o jogo do seu time de futsal no campeonato da cidade de Soledade, no norte gaúcho.
Por volta das 20h, ela teve um pressentimento ruim e decidiu verificar o celular. Encontrou duas chamadas do irmão, que acabariam por levá-la ao hospital onde a morte de seu companheiro foi confirmada.
Isso ocorreu na noite de 14 de novembro, quando Guilherme teve um mal súbito durante a partida entre SBR e Arsenal. Após bater um lateral, sentou-se no banco de reservas e desmaiou.
Foi retirado do ginásio, onde ocorria o campeonato, por uma ambulância rumo ao hospital. Por uma hora e meia, os médicos tentaram reanimá-lo. Ele “voltou” 22 vezes, mas não resistiu.
Jéssica morava com Guilherme, apelidado de Bebeco ou Prince, como ela costumava chamá-lo, há um ano e três meses e não hesita em se considerar sua esposa. Ao UOL, ela relatou que o marido estava apreensivo no dia do jogo, claramente não era um “dia normal”. No entanto, nada que chamasse tanto a atenção.
Segundo ela, o jovem não mencionou nenhum problema mais sério, apenas disse que “não estava bem do estômago”, tanto que deixou para se alimentar após o jogo.
Ele havia comido apenas um pastel durante a tarde e tomado um suco. Não quis um energético oferecido pelos colegas de time, mas estava brincando com todos, como era seu costume, e muito sorridente.
“Na verdade, a gente não consegue explicar. Ele nunca se queixou de nada, nunca teve dor nenhuma, estava fazendo o que gostava que era jogar bola, andava a cavalo… Mas naquele dia não fui ao jogo porque ele não me convidou, e ele sempre insistia para eu ir. Ele saiu apressado, estava estranho”, relatou.
“Eu cheguei em casa e ele tinha deixado as luzes acesas, ele nunca deixava. Estava passando aspirador na casa, tinha mandado mensagem às 19h perguntando quando era para buscar ele no jogo. Mas de repente tive um pressentimento ruim. Me senti mal, uma coisa estranha, sem explicação, uma ansiedade, um aperto no peito. Fiquei com medo dele ter se machucado. Resolvi mandar mensagem para o Guilherme. Quando peguei o celular, às 20h20 tinha duas chamadas do meu irmão, o telefone tinha acabado de parar de tocar. Quando falei, primeiro ele [o irmão] disse que tinha se machucado, eu perguntei: é contigo ou com o Guilherme? Daí ele contou que o Guilherme tinha passado mal. Fui correndo para o hospital.” Jéssica Signor
Problemas de saúde na infância
Mesmo parecendo bem, Guilherme tinha um histórico de problemas de saúde. Na infância, sofria convulsões ao realizar esforços físicos mais intensos.
Até os 14 anos, ele passou por tratamento para esse problema, fazendo exames anuais para monitorar a situação. Aos 16 anos, recebeu alta médica e foi informado de que não precisava mais de medicamentos ou precauções.
Sua condição física era invejável, mantendo uma rotina de prática de esportes e exercícios.
“Era um touro de tão forte”, contou Jéssica.
Segundo ela, Guilherme nunca mais quis ir ao médico para qualquer tratamento, e desde os 16 anos não deu atenção ao quadro que teve na infância ou relatou qualquer problema.
Um dia incomum
Jéssica relatou que o dia da morte de Guilherme foi incomum. Acostumados a dormir até o último minuto antes de sair para o trabalho, ela se surpreendeu ao vê-lo acordar antes das sete da manhã para soltar a égua que o casal possuía.
Ao longo do dia, Guilherme parecia nervoso, apreensivo, o que chamou a atenção da esposa.
“Ele não estava muito legal, notei isso. Nunca saíamos sem nos despedir, aquele dia não nos despedimos. Quando ele acordou tão cedo, até brinquei, disse: meu Deus, vai chover… De tão raro que era acontecer isso.”
Brincalhão, inteligente, trabalhador
Guilherme não alimentava a expectativa de se tornar um profissional de futsal e costumava afirmar que essa fase já tinha passado. Seu desejo era jogar com os amigos por diversão, participar de campeonatos locais.
Aliás, divertir a todos era sua principal atividade. Sempre muito brincalhão, ele mantinha os amigos próximos.
Inteligente e sedento por conhecimento, atuava na área de marketing da imobiliária Shalvarra e fazia planos com a esposa.
No próximo ano, tinham planos de oficializar a união com um casamento e planejavam realizar uma viagem. O sonho dele era ser pai, e o plano a longo prazo incluía ter filhos dentro de até 10 anos.
“A gente orava muito para nossas coisas darem certo. Ele tinha o sonho de se casar, de viver com uma pessoa. Lembro que eu comentava com ele: mas tão novo… E ele dizia isso. Acredito que ele realizou alguns sonhos junto comigo. Infelizmente não deu tempo de todos. Era a hora dele, não tem explicação. Importante que ele não sentiu dor, não sofreu. Lutou pela vida, e foi isso.”
“O que a gente vive é entre nós”
Entre as lágrimas ao recordar Guilherme, Jéssica compartilhou que ele evitava postagens em redes sociais.
“O que a gente vive é entre nós, ninguém precisa ficar sabendo. Não adianta postar e depois estar apagando”, costumava dizer.
Além disso, ele tinha orgulho das tradições gaúchas. Sempre que possível, vestia a bombacha, a bota, o chapéu, a camisa e o lenço tradicionalistas.
Até mesmo em uma festa de Halloween, ele estava vestido à caráter como “O Gaúcho Fantasma”, relatou ela.
“Eu entrei em desespero, apertava ele, gritava, falei: amor tu está quentinho, volta para mim, isso quando me chamaram e vi o jeito que ficou. Ele estava todo machucado pelas tentativas de reanimação… Nossa, foi o pior momento da minha vida. Eu o amava muito… O pai e a mãe dele chegaram… todo mundo estava muito nervoso, é inexplicável… A gente tinha tanta coisa para viver, tantos sonhos juntos, o final de semana, o final do ano… Foi a pior cena da minha vida.”