Assédio moral, perseguição e proibição de gerar herdeiros. Essas são algumas das acusações apresentadas contra a Igreja Universal do Reino de Deus em processos movidos por ex-obreiros, pastores e esposas de pastores que anteriormente faziam parte da instituição religiosa.
Em uma das ações, que o portal Metrópoles teve acesso, a igreja é acusada de “compelir” um ex-pastor a realizar uma vasectomia – procedimento que torna o homem incapaz de gerar filhos – “em uma clínica clandestina localizada na Comercial Norte, em Taguatinga, no Distrito Federal”, e de “obrigar” o homem e sua esposa a “se filiarem a um partido político como uma condição obrigatória para permanência no cargo pastoral”.
No processo, arquivado no Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (TRT-10), o ex-pastor da Universal reivindica quase R$ 500 mil em débitos trabalhistas. O autor da ação destaca, também, que a instituição fixava metas para a arrecadação de dízimos e, na ausência de cumprimento, impunha penalidades.
Em outra ação, protocolada no mesmo tribunal, um segundo pastor relata práticas similares que, alegadamente, aconteciam dentro da instituição religiosa. No registro, o ex-membro do templo relata que já desempenhava o papel de pastor no local quando se apaixonou pela atual esposa.
No entanto, para ficar com a amada, precisou da autorização de um superior, que também o informou sobre a exigência da vasectomia em caso de casamento.
Conforme alegado na ação, a imposição foi feita com a justificativa de que, para alcançar um “ministério de sucesso, ele não poderia se tornar pai, uma vez que a criança atrapalharia a total e exclusiva dedicação às atividades de pastor, além de impedir que a esposa dele dedicasse a vida integralmente ao trabalho na igreja”.
Na ação, além de buscar mais de R$ 3 milhões por direitos trabalhistas não remunerados, o homem solicitou que a Universal fosse condenada a arcar com todos os custos de uma nova cirurgia de reversão da vasectomia.
Assédio moral
Em um terceiro processo, ainda em andamento no TRT-10, a esposa de um ex-pastor da igreja busca a condenação da instituição, requerendo o valor de R$ 1,5 milhão por direitos trabalhistas não remunerados.
Na ação, a mulher relata ter sido vítima de perseguições e assédio moral, acusando ainda a Universal de “beneficiar-se ilicitamente da mão de obra” dela.
No texto legal, a autora descreve que “esposas de pastores são compelidas a prestar os mais variados serviços, pelo simples fato de que têm de auxiliar o marido em todas as obrigações a ele atribuídas em prol dos interesses da igreja”.
Da mesma forma que nos casos precedentes, a mulher relata que o marido foi compelido a realizar uma vasectomia para não perder a posição pastoral na instituição.
Conforme a autora do processo, existe na Universal um grupo destinado a mulheres, denominado Godllywood, com o propósito de estabelecer normas comportamentais, abrangendo desde a vestimenta até a maneira de se expressar e agir.
Segundo a versão dela, para ingressar nesse grupo, concebido por Cristiane Cardoso, filha do líder da IURD, Edir Macedo, as mulheres devem enfrentar uma “espécie de prova”, chamada “Rush”, na qual as candidatas realizam tarefas e arrecadam valores para “demonstrar o quanto estão dispostas a integrar a iniciativa”.
Após serem aceitas no Godllywood, as novas participantes recebem o título de “Pledges” e passam a se referir às esposas dos pastores como “Sisters”. Segundo relatado pela autora na ação, isso cria uma “hierarquia entre as mulheres” na Universal.
Acusação de roubo e Universal condenada
Em um processo movido no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), um ex-pastor relatou que lhe ofereceram a liderança de uma igreja nos Estados Unidos, contanto que ele passasse por uma vasectomia.
No processo, o homem afirmou que a Universal “dá prioridade a pastores sem filhos”, alegando que eles teriam a capacidade de “dedicar-se inteiramente aos cultos e trabalhos de pregação e arrecadação”.
Em 2019, a igreja indenizou o ex-pastor em R$ 25 mil devido à acusação de roubo feita durante um culto, na presença de muitos fiéis.
Condenações anteriores
Em 2022, a Igreja Universal do Reino de Deus foi sentenciada a indenizar um pastor do DF por danos morais, após forçá-lo a fazer uma vasectomia.
A 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2), em São Paulo, reconheceu o assédio moral no incidente e fixou a indenização em R$ 100 mil para o pastor.
Conforme uma testemunha do caso, todos os pastores da igreja são compelidos a passar por uma vasectomia e a assinar um documento declarando que o procedimento foi realizado por escolha própria.
Dois anos antes, a igreja foi sentenciada a compensar outro pastor de Belo Horizonte, forçado a se submeter ao mesmo procedimento. Segundo consta na decisão judicial, o homem era coagido a transportar valores dos dízimos em seu veículo particular.
O que diz a Universal
Ao ser contatada, a Universal emitiu um comunicado no qual nega impor a vasectomia aos seus pastores.
Leia na íntegra:
“A Igreja Universal do Reino de Deus esclarece — o que já é público — que a acusação de imposição de vasectomia é facilmente desmentida pelo fato de que muitos bispos e pastores da Universal, em todos os níveis de hierarquia da Igreja, têm filhos. São mais de 3 mil filhos naturais de membros do corpo eclesiástico da Igreja. O que a Universal estimula é o planejamento familiar, debatido de forma responsável por cada casal — como, aliás, está previsto em nossa Constituição Federal.
Quando uma pessoa opta pela vasectomia, como método contraceptivo, é algo completamente particular, entre médico e paciente/casal, não podendo ter qualquer ingerência de terceiros neste ato, ainda que fosse por motivo de credo.
Posto isto, vale lembrar que, assim como acontece com qualquer instituição neste país, seja religiosa ou não, a Universal também não é responsável por quaisquer decisões particulares de nenhum dos seus oficiais — que gozam de plena capacidade de decisão, sendo totalmente aptos para sua vida civil com absoluta autonomia.”