Forçada à aposentadoria por utilizar seu cargo para tentar liberar o filho detido por tráfico de drogas, a desembargadora Tânia Garcia de Freitas Borges, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, obteve R$ 925 mil em rendimentos brutos em 2023.
Deste montante, R$ 489 mil representaram benefícios adicionais que impulsionaram seu salário. Com os descontos, seus ganhos líquidos atingiram R$ 715 mil no ano passado.
As informações estão acessíveis no Portal da Transparência do Tribunal de Justiça. Ao ser contatado pelo Estadão, o tribunal ainda não emitiu declaração. Na área destinada aos gastos com pessoal, a instituição esclarece que “nenhum dos seus colaboradores, juízes ou desembargadores recebe acima do teto constitucional”.
A Constituição estabelece um limite para o subsídio do funcionalismo público, equivalente ao vencimento de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), atualmente fixado em R$ 41.650,92. Contudo, os magistrados recebem auxílios que não são considerados nesse cálculo.
Verbas indenizatórias, como auxílios para transporte, alimentação, moradia e saúde, juntamente com vantagens eventuais, como 13º salário, reembolso por férias atrasadas e serviços extraordinários prestados, são excluídas do teto, possibilitando a existência dos denominados “supersalários”.
O salário base da desembargadora totaliza R$ 36.282,27 por mês, sendo acrescido de R$ 3.628,23 mensais a título de indenização. Em novembro, de maneira excepcional, ela obteve um adicional de R$ 36.282,27 referente a “vantagens eventuais”.
Tânia também foi contemplada com o adicional por tempo de serviço, um benefício que resulta em um aumento automático de 5% nos vencimentos a cada cinco anos. De fevereiro a outubro, o valor foi de R$ 30 mil. Em novembro, elevou-se para R$ 40 mil e, em dezembro, atingiu R$ 100 mil por mês.
O adicional por tempo de serviço, popularmente conhecido como quinquênio, foi eliminado pela Reforma da Previdência de 2003. No entanto, alguns tribunais permitem o pagamento retroativo desse benefício a magistrados que ingressaram na carreira antes da implementação da reforma.
Como divulgado pelo Estadão, uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) busca encerrar esses pagamentos retroativos.
A desembargadora foi compulsoriamente aposentada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão responsável pela administração e fiscalização do Poder Judiciário, em dezembro de 2021. Já estava afastada de suas funções durante a condução do processo disciplinar.
Os conselheiros concluíram que a magistrada violou os princípios da integridade, dignidade, honra, decoro e independência.
A aposentadoria compulsória representa a sanção disciplinar mais severa para desvios de conduta de magistrados. Apesar dessa penalidade, eles mantêm o direito aos proventos proporcionais ao tempo de serviço.
O caso que resultou na aposentadoria compulsória da desembargadora ocorreu em 2017. Ela foi acusada de utilizar o cargo para influenciar a libertação do filho, Breno Fernando Solon Borges, em diversas etapas, desde a audiência de custódia até a transferência do presídio de Três Lagoas, em Cuiabá, para uma clínica psiquiátrica.
Após obter autorização judicial para a transferência, alegando a necessidade urgente de tratamento psicológico para o filho, ela foi à penitenciária acompanhada por policiais civis para retirá-lo da prisão. Breno Fernando foi conduzido por ela até a residência da família, onde permaneceu por algumas horas antes de ser internado.
Em seu testemunho, o diretor da unidade prisional relatou ter se sentido “pressionado”.
Nas mensagens trocadas com o juiz do caso, ao tentar confirmar a ordem de transferência, ele mencionou que “ela veio inclusive com policiais já ameaçando prisão por desobediência” antes mesmo do recebimento do mandado judicial e da observância dos procedimentos padrão da Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário para as solturas.
Quando a desembargadora passou a ser alvo da investigação por suposto favorecimento ao filho, seu advogado, André Borges, reagiu às suspeitas e refutou a alegação de que ela teria utilizado o cargo para benefício pessoal.
Ele argumentou que Tânia cumpriu a ordem judicial que determinava a transferência do filho, já que ela havia sido designada como curadora no caso.
O advogado também alegou que o carro funcional e a escolta de policiais civis eram necessários para assegurar a integridade física da magistrada, que anteriormente tinha sido corregedora na unidade prisional.
O processo julgado hoje é o mesmo em que Dra. Tânia havia sido absolvida pela Justiça Estadual. Certamente impugnaremos a decisão, porque ela não se sustenta. Nunca deixaremos de pleitear um julgamento justo e correto para essa magistrada, o que ainda não ocorreu declarou o advogado quando o CNJ decretou a aposentadoria compulsória.
A magistrada apelou ao Supremo Tribunal Federal buscando anular a decisão do CNJ e retornar ao cargo. O pedido foi rejeitado liminarmente pelo ministro Luís Roberto Barroso, mas o mérito ainda aguarda julgamento.